Quando falamos de videogames no começo dos anos 90 - e em especial de videogames BONS - estamos pensando basicamente em empresas japonesas, as desenvolvedoras ocidentais eram como o Naruto, um pouco duras as vezes. E por produtoras japonesas, estamos especificamente falando de Nintendo, Konami e Capcom.
Quer um jogo de grande orçamento que vc pode colocar no seu console e jogar sem medo, vc quer um jogo de uma dessas três. Mais pra frente, a Squaresoft se juntou a esse padrão ouro, mas vamos nos focar no começo da decada, sim? E se vamos falar do altissimo padrão Capcom de qualidade (é realmente estranho pensar que a Konami que conhecemos hoje já foi desse nível, hã?), estamos mais especificamente ainda falando de um homem, de um mito, de uma lenda: Tokuro Fujiwara.
Com efeito, eu diria que Fujiwara é o nome mais importante dos videogames japoneses dessa época logo depois do mestre Miyamoto!
Ah, é? Então segura essa zé-da-manga: Fujiwara começou a carreira como programador na Konami, mas logo se tornou diretor e ainda nos anos 80 foi recrutado pela Capcom onde ele dirigiu alguns jogos que provavelmente você já ouviu falar na antes como Bionic Commando e Ghost'n Goblins. O sucesso como diretor de jogos tão influentes o promoveu a cupula de produtores da Capcom, e é aqui que ele realmente brilhou.
A capa americana é desenhada e a capa japonesa é em CGI mais realista. O que é isso, o mundo reverso? |
Muita gente não entende como as coisas funcionam, mas essencialmente o produtor é o dono da parada. Muito se fala a respeito do diretor, mas no fim do dia o diretor é só um empregado dentro do projeto. Quem manda prender e manda soltar, pra quem o diretor se reporta e tem o poder de tomar as decisões de verdade, enfim o dono do negócio é o produtor. E como produtor, Fujiwara pintou e bordou na passarela meu amigo!
A saber, ele foi produtor de apenas:
Isso para citar apenas alguns dos mais famosos, mas pense num jogo da Capcom que não era Street Fighter, provavelmente ele era o produtor. Porém se isso não foi o suficiente pra te convencer de como ele é praticamente a encarnação dos videogames da primeira metade dos anos 90, eu vou te arrebentar com essa próxima então.
Em 1989, Fujiwara havia sido diretor de um jogo de terror para o Nintendinho chamado Sweet Home. Não, sério, era um jogo de terror para o Nintendoca, papo sério.
Muitos anos depois, agora já na posição de produtor, quando a Capcom estava discutindo como aproveitaria o poder da nova geração de consoles com o Playstation, Fujiwara não teve dúvida: era hora de tirar do papel o sonho de fazer um sucessor espiritual de Sweet Home, agora num console de nova geração.
Esse jogo, cria pessoal da visão de Fujiwara, veio a ser um nome que o mundo reconhece até os dias de hoje: RESIDENT EVIL. Sim, o jogo que virou de vez o fiel da balança em favor do Playstation, o jogo que fez os videogames darem o passo adiante e sairem da prateleira de briquedos das lojas... esse é o grande legado de Fujiwara para a história dos videogames.
Tão grande, de facto, que depois do sucesso estrondoso de RESIDENT EVIL, Fujiwara e a Capcom pararam de se entender - justamente POR CAUSA do sucesso. Fujiwara queria mais liberdade e mais autonomia para desenvolver os seus projetos (pq embora o produtor seja o dono do projeto para todos os fins, até ele mesmo tem chefes a quem responde no fim do dia, todo mundo sempre tem algum chefe).
O seu argumento era "toca no pai que o pai é sucesso", e seu currículo era de fato uma grande testemunha em seu favor. Por outro lado, a Capcom não estava particularmente animada com as ideias mais... pessoais de Fujiwara. RESIDENT EVIL foi um puta dum caralho de um sucesso, facto, porém as outras ideias dele eram menos... ortodoxas, vamos dizer assim e a Capcom tava meio assim-assim, sabe?
Fujiwara então encheu o saco dessa merda e mandou o clássico:
Assim, em 1997 o homem que foi praticamente sinonimo de videogames nos anos 90 deixou a Capcom e começou sua própria empresa, a Whoopee Camp. E o primeiro jogo da Whoopee Camp foi justamente uma daquelas ideias que a Capcom ficou meio "eeeeeh, num sei... cara, tem certeza mesmo?".
E esse jogo, é claro, é o jogo que vamos falar hoje: Tomba!. Sim, o ponto de exclamação faz parte do nome, o que é sempre um ótimo sinal. Mas então, vamos lá descobrir se esse jogo é bom mesmo, ou se é um Tomba! com a mão no bolso!
TÁ, DEIXA DE ENROLAR E FALA LOGO: O JOGO É BOM, OU A CAPCOM ESTAVA CERTA EM FICAR PREOCUPADA COM O SUCESSO DESSA IDEIA?
Na verdade, as duas coisas.
HÃ?
Pois é. Então, o que acontece aqui é que no papel, olhando na letra fria da lei, Tomba! é um metroidvania. Vc sabe, tem um único grande mapão comum a todo jogo com areas inascessíveis e vc precisa pegar power ups para voltar lá mais tarde e poder avançar e tal. Até aqui, não é esse exatamente o problema - até porque CASTLEVANIA: Symphony of the Night seguia essa formula e era o mais jabaculesco sucesso. Tanto que vem daí a parte do "vania" de como o genero Metroidvania é chamado.
O problema mesmo é que Tomba! não é exatamente um Metroidvania estelar pq essencialmente Fujiwara não sabia a diferença entre um jogo de plataforma e um metroidvania, e o que ele fez foi mais um grande jogo de plataforma.
E QUAL É A DIFERENÇA?
Basicamente, manobrabilidade. Em um Metroidvania, conseguir e voltar do ponto A ao ponto B tem que ser razoavelmente possível já que ir pra cima e pra baixo no mapa é mister a experiencia de jogo. Em um jogo de plataforma não, o jogo pode arrancar o seu couro para avançar cada palmo de tela pq no fim do dia vc vai passar por ali só uma vez de qualquer jeito, se tornar desagradavel ter que ir e voltar constantemente não é um problema em um jogo de plataforma pq isso simplesmente não existe.
Considere o seguinte: Fujiwara é o diretor de um dos jogos mais conhecidos por sua dificuldade que não se chama Dark Souls: GHOST'S AND GOBLINS. Ele curte pesar a mão na dificuldade pq ele é dessa velha escola Nintendesca, e foi exatamente o que ele fez aqui: Tomba! é um jogo dificil, Nintendo-hard dificil como na velha escola e se parasse por aí ele seria um jogo de plataforma interessante no que ele se propõe a fazer.
Agora como jogo Metroidvania, sua experiencia é bem menos agradável pq vc passa por uma area inenarravelmente dificil chorando lágrimas de amianto... apenas pra lembrar que daqui a meia hora vai ter que fazer o caminho de volta. Provavelmente algumas vezes isso. O que, no longo prazo, torna tudo... exaustivo.
Tanto a Whopee Camp viu a mesbla que fez, que adicionou um item para poder se teletransportar para qualquer cidade já visitada. Mas isso é claramente um aftertough em termos de design, e o item em questão não é tão abundante assim para resolver o problema.
Falando a um nível de level design, trechos como ESSE...
... são memoraveis fases para se passar uma vez, mas ter que ir e voltar de lugares assim só causa a sensação de "oh, no..." e flashbacks do Vietnã. Adicione apenas alguns hits por vida e um número limitado de vidas, e você realmente vai se tornar conhecido do sistema de save. Só que ao contrário do que acontece em CASTLEVANIA: Symphony of the Night, por exemplo, o save não recupera sua vida então é muito fácil vc salvar o jogo a beira da morte e sem uma maneira fácil de sair desse buraco.
A outra coisa estranha a respeito desse jogo é que o seu sistema de progressão é... vago, para dizer o minimo. E por isso eu quero dizer que, sim, esse é um DAQUELES jogos que vc precisa jogar com um walkthrough debaixo do braço ou passar meses vagando ... em um jogo que é muito dificil ir de um lugar a outro em primeiro lugar! Não parece uma formula vencedora, parece?
A pira da progressão do jogo é que ele se baseia em quests: vc mexe em um determinado item ou fala com determinado NPC ele te dá uma quest que vai para o seu questlog. São 180 ao total, e enquanto não é preciso realizar todas para terminar o jogo, as que precisam para você conseguir avançar podem ser um tanto quanto... cripticas. E por criptica eu quero dizer "nível point'n click da Sierra" de criptico.
Sério, eu estou falando criptico do nível apertar para cima e para baixo em cada pixel da tela para descobrir que lugares o jogo espera que vc vá para o background ou foreground pra continuar a aventura, mesmo não dando nenhuma indicação visual muito clara disso. É esse nível de criptico, coisas que definitivamente me lembraram paradas nível MONICA NO CASTELO DO DRAGÃO, e essa não é uma lembrança muito boa realmente.
A grande coisa de um bom Metroidvania, o que faz ele realmente se destacar, é que o design do seu mapa e suas quests tem que conversar com o jogador e sutilmente dar uma rota invisivel de por onde ele tem que ir para o jogo fluir. Eu sei que soa complicado, mas é pq é. Não é atoa que vc não via um metroidvania a cada esquina nessa época, é uma coisa dificil de acertar a mão.
E nesse caso em particular, a unica mão que Fujiwara quer acertar é na cara do jogador, pq ele é da escola de design em que o produtor tem que jogar contra o jogador pra vencer ele a qualquer custo, não é a melhor escolha do mundo para um metroidvania - justo um dos generos que exige finesse, afinal.
UAU, PARECE QUE VOCÊ REALMENTE ODIOU ESSE JOGO, HEIM?
Então... não. Eu não realmente odeio Tomba! pq no seu coração dos corações, na sua alma das almas, ele é o que o Fujiwara sabe fazer de melhor: um jogo de plataforma polido até o talo, padrão Capcom de qualidade. Os controles são precisos, os power ups são criativos, mesmo o level de um ponto de vista puramente plataforma é desafiador mas não injusto.
O que atrapalhou um pouco foi quando ele tentou sair da zona de conforto e fazer algo mais "moderno". Esse foi justamente o motivo pelo qual ele saiu da Capcom em primeiro lugar, para poder tentar as suas coisas em primeiro lugar, e coisas foram definitivamente tentadas. Apenas... é, né?
Tanto é que se você pesquisar a respeito das reviews nostalgicas de jogadores na internet, você vai ele frequentemente ser citado ao lado de jogos como PANDEMONIUM 2 e KLONOA: Door to Phantomile, como se ele fosse mesmo um jogo de plataforma 2.5D e não um metroidvania todo truncado e dificil de navegar.
Mas eu realmente entendo pq as pessoas querem lembrar do jogo desse jeito - mesmo ele não sendo isso - e tenho que dizer que se fosse realmente o jogo de plataforma que ele poderia ter sido, Tomba! estaria fácil entre os grandes clássicos dos videogames. Talvez em um universo paralelo isso realmente tenha acontecido, e Tomba! está ao lado de AZEL: PANZER DRAGOON RPG como os grandes jogos que aqui poderiam ter sido mas nunca foram, e lá são lendas eternas.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 126 (Abril de 1998)
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