sexta-feira, 13 de outubro de 2023

[#1168][Nov/97] NETSTORM: Islands at War

Ontem mesmo eu disse que quando um genero está começando, todas as convenções e variações que vc pode pensar em fazer com ele ainda não foram exploradas a exaustão e por isso mesmo é relativamente simples (e portanto atraente) aos desenvolvedores fazerem jogos para esse genero. 

Netstorm é um bom exemplo do que eu quero dizer: enquanto os RTS não são o mais antigo e nem o mais explorado dos generos de videojogos, por volta de 1997 o genero já havia coberto satisfatóriamente bem as suas bases com jogos como WARCRAFT 2: THE DARK SAGA ou COMMAND AND CONQUER: Red Alert. Se você fosse fazer alguma coisa com a esperança de apenas não ser eclipsado por esses dois, era melhor começar a pensar fora da caixa, ter ideias bem fora da curva.

E, nesse prisma, poucos jogos realmente tentaram mais coisas fora da curva do que Redetempestade.

Então, vamos  começar do começo: e por começo eu quero dizer que o próprio conceito do jogo é um tanto diferente do que vc poderia esperar. Como as coisas funcionam por padrão em um RTS: vc constrói suas unidades (as vezes usando peões pra farmar recursos, mas isso não é obrigatório) e microgerencia elas pra atacar o coleguinha. Destruiu a prefeitura (ou equivalente) dele, batalha vencida.

Tem algumas variações aqui e acolá, um poder que outro, mas essencialmente é isso. Em Netstorm, as coisas funcionam bem diferentes. Pra começar, em netstorm vc não constrói unidades e microgerencia elas. Ao invés disso, ele é um tower defense só que ofensivo.

AGORA VOCÊ ESTÁ APENAS INVENTANDO PALAVRAS

Não, sério, é o melhor que eu consigo descrever esse jogo. Vamos lá: o que um tower defense é um jogo que você posiciona unidades que vão automaticamente atirar em tudo que chegar na sua area. O exemplo mais iconico disso é Plantas vs Zumbis, mas existem milhares outros jogos desse tipo.


Normalmente a pira desses jogos é que você planta suas construções no perimetro para defender alguma coisa e impedir que os invasores cheguem - ergo, o nome Tower Defense. Todos acompanhando comigo até aqui? Show.
Agora, Netstorm te dá essas exatas ferramentas só que o objetivo é atacar o coleguinha. Daí o "ofensive tower defense" que eu citei. Vc planta as construções e elas vão atacar no seu raio pré-determinado.


TÁ, MAS ENTÃO O QUE TE IMPEDE DE SÓ PLANTAR UMA CONSTRUÇÃO DO LADO DA BASE INIMIGA E GANHAR?

Aqui é outro ponto que Netstorm se diferencia: você começa o jogo com um templo elemental, ele é a sua usina de força que transmite mana que vão ativar as suas armas e construções. Só que o alcance da transmissão de energia do templo não é infinito, então você tem que ir construindo armas de ataque mas também relay points para ir expandindo o seu território "energizado" onde suas armas vão funcionar.

E SE O INIMIGO DESTRUIR OS SEUS RELAYS, A CADEIA DE ENERGIA QUE ALIMENTA SUA LINHA OFENSIVA VAI?

Estratégia, do grego strategia, meu caro Jorge. Só que isso não é tudo: o jogo se passa em ilhas flutuantes (daí o subtítulo Islands at War) e vc não pode obviamente construir no céu. Pra conectar uma ilha a outra, você precisa construir estradas. SÓ QUE porém contudo todavia entretanto, construir estradas também não é esse molengotengo não mermão. Isso pq o jogo te dá um conjunto de 6 tiles disponíveis de estradas no canto superior esquerdo da tela, e vc tem que trabalhar com isso.


ESPERA, ENTÃO VC TEM QUE CONTRUIR ESTRADAS COM PEÇAS ALEATÓRIAS, GERENCIAR LINHAS DE ENERGIA, EXPANDIR SEU TERRITÓRIO E ATACAR O INIMIGO?

Sim, é isso.

ISSO É UM RTS, SIM CITY OU TETRIS?

Sim, é isso.


Existe ainda a pira que vc precisa criar estradas para conectar as fontes termais, que geram os elementos que são o recurso monetário que vc usa pra pagar pelas construções. Então, sim, tem muito de SIM CITY na coisa de criar e planejar estradas e linhas de energia, tem elementos de TETRIS na coisa das peças aleatórias, tem a coisa que esse jogo é um Tower Defense que você não defende mas sim vai avançando no território inimigo, são diversas ideias diferentes nunca antes juntadas em um RTS só.

Porém se eu tivesse que apontar o elemento mais "diferente" desse jogo, certamente seria a forma com que você ganha a batalha. E que forma é essa, você pergunta? Bem, a coisa é que você começa o jogo com um sacedorte e ele que vai conjurando as construções todas. O sacedorte em si é imortal, mas ele pode ser nocauteado se tomar um certo limite de dano.

O objetivo do jogo é então nocautear o sacedorte adversário, mandar golens para carregar o corpo dele até de volta ao seu templo inicial e literalmente sacrifica-lo para o seu deus. O que é, eu tenho que dizer, a forma de vencer mais brutal que eu já vi em um RTS desde que Gandhi se tornou o maníaco da bomba atomica em SID MEIER'S CIVILIZATION 2


NOSSA, ESSE É REALMENTE O RTS MAIS DIFERENTE E CRIATIVO DESDE QUE O GENERO FOI CRIADO!

E não é?

MAS ENTÃO... COMO ESSE JOGO NÃO SE TORNOU UM CLÁSSICO DO GENERO E NÃO É LEMBRADO ATÉ HOJE JUNTO COM OS OUTROS GRANDES RTS DESSA ÉPOCA?

Então... erros foram cometidos, vamos colocar assim. Pra começar, Netstorm foi um jogo criado pra ser jogado inteiramente online. E por isso eu quero dizer que enquanto existe um "modo campanha" oficialmente, na prática ele é apenas um tutorial e dura 10 minutos. Não, sem mentira, a "campanha" desse jogo dura 10 minutos mesmo!


Então, é, Netstorm foi feito para jogar 100% online... o que em novembro de 1997 não era algo totalmente impossível, já existia algum grau de adoção da internet, mas que ainda sim alienava uma fatia gigantesca do publico. Só isso, essa coisa do "online ou nada" já foi um grande tiro no pé das vendas considerando a época que foi lançado.

Mas calma que piora: isso pq como era procedimento comum na época, o jogo vinha com o CD demo em revistas e distribuido em coisas assim. Até aí nada demais, vc jogava o demo, gostava do jogo e comprava ele completo, certo?


Bem, sim... não fosse o fato que na verdade o CD demo vinha com o jogo completo e destravar a versão full do jogo não exigia hacking skills tão selvagens assim. Mas tudo bem, não é como se vc estivesse vendendo seu jogo para nerds tetudos de porão - vulgo PC Gamers dos anos 90 - que entendiam o suficiente de programação para resolver isso brincando em dois passos, né?

... oh, espera...


Parabens a todos os envolvidos. Para Bains, Cindy. Muitos Parabains.

Mas se você acha que dar o jogo inteiro de graça para quem sabia o que tava fazendo não foi o prego na tampa do caixão, calma que piora mais ainda: mesmo que eles não tivessem feito essa CAGADA TITANOSSAURICA, o jogo teria falhado mesmo assim.

Como eu posso ter certeza disso? Super simples, esse jogo foi lançado em novembro de 1997.


E O QUE TEM ISSO?

Ora, o que tem isso? Você sabe que jogo foi lançado em outubro de 1997? Apenas um RTS que teve todo marketing, divulgação e suporte da fodenda MICROSOFT. Sim, estou falando do gigantesco sucesso de vendas, AGE OF EMPIRES. Quem queria gastar dinheiro para jogar um RTS, estava com certeza jogando AGE OF EMPIRES, tinha amigos que estavam jogando AGE OF EMPIRES e via anuncios em toda parte falando de AGE OF EMPIRES

Então, é, eu diria que essa não foi a janela de lançamento mais feliz do mundo, sabe? O resultado de todas essas cagadas combinadas é que Netstorm vendeu aproximadamente 14 mil cópias apenas. Não nao meu bairro, não na Inglaterra, 14 mil NO MUNDO TODO. Suponho que eu não precise dizer que a primeira coisa que a Activision (a publisher do jogo) fez depois disso foi fechar o estúdio Titanic... que teve um nome bem profético no fim das contas. 


E essa é a história de Netstorm: Islands at War, um dos mais criativos e diferentes RTS que eu já vi até hoje... e que também é um dos maiores fracassos comerciais da história dos videogames. É uma pena que vivemos em uma realidade que essas duas coisas aconteceram juntas, mas é o mundo em que vivemos. 

Pois é Netstorm, senta lá no banquinho junto com AZEL: PANZER DRAGOON RPG (ou "Panzer Dragoon Saga" no ocidente) e TOMBA! dos jogos que poderiam ter sido lendários e por uma razão (ou várias) acabaram apenas no rodapé da história dos videogames.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 126 (Abril de 1998)