Dentre as várias coisas que eu aprendi com esse blog das quais eu não fazia a mais remota ideia antes de começar o projeto, uma das mais terríveis é que a cada geração de videogames eu sou assolado por uma praga terrível devoradora de almas. Na era dos 8 bits, tinhamos as tenebríveis e horrendas adaptações da LJN (como por exemplo ... ai G-ZuZ... BACK TO THE FUTURE II & III). Na era dos 16 bits, chegou a vez eu conhecer o horror através dos ports de Amiga e jogos europeus em geral para o Mega Drive (como SHADOW OF THE BEAST, que assombra meus pesadelos até os dias de hoje).
E na quinta geração de consoles? Bem, na era do Nintendo 64 eu vim a conhecer um pavoroso horror que destruiria homens menores, um horror que atende pelo nome de... dá até medo de pensar... jogos de luta do Nintendo 64. Sério, os caras não param!
Vendo que o console estava carente de títulos vagamente aceitáveis do genero, as third parties vomitavam jogos de luta para atender crianças sedentas por um x1 minimamente decente... e no melhor cenário possível esses jogos eram esquecíveis, mais frequentemente eles eram apenas pavorosamente ruins mesmo.
Agora considere que Flying Dragon é o nome americano de Hiryu no Ken Twin, a DÉCIMA TERCEIRA entrada na série Hiryu no Ken. Sendo que desses, três eu já comentei aqui no blog (SD HIRYU NO KEN, HIRYŪ NO KEN S: GOLDEN FIGHTER e VIRTUAL HIRYU NO KEN) e nenhum deles é particularmente incrível. Com efeito, HIRYŪ NO KEN S: GOLDEN FIGHTER é do nível sofrimento e dor... qual a chance de uma adaptação disso dar errado no Nintendo 64 e seu grande histórico de jogos de luta, né?
Porém, raramente, quando as estrelas estavam certas e o vento soprava a favor, calhava de alguns desses jogos de luta serem ao menos... esforçados. Não bons, mas esforçados - como é o caso de MACE: The Dark Ages. Flying Dragon é um desses jogos de luta ‘esforçados’. E por isso eu quero dizer que a Culture Brain não fez um jogo particularmente incrível aqui, mas ao menos adicionou muito conteúdo (o que não é tão fácil assim em um jogo de luta) e até trouxe algumas ideias bem únicas para a mesa. É o que veremos no jogo de hoje.
Agora, como eu mencionei esse é o 13o jogo da série. Com isso você pode imaginar que o jogo tem alguma história ou pelo menos um tema recorrente, certo? Quer dizer, eles não iam lançar TREZE jogos apenas enchendo linguiça com personagens típicos do gênero, certo?
Bem, se você acreditasse nisso, você estaria redondamente errado. O que você tem aqui não é nada de especial, apenas personagens lutando contra organizações sombrias, lobos solitários que lutam contra pessoas que querem encontrar alguém forte pra lutar, vingança, lutas pela glória, etc. É tudo lixo genérico de anime, mas por mim está tudo bem. É um jogo de luta do Nintendo 64, eu já aprendi a esse ponto que quanto menos eles tentarem mais feliz eu serei, pq não tem como isso acabar bem.
Antes de nos aprofundarmos na jogabilidade, eu gostaria fazer algo diferente e focar nos aspectos positivos do jogo. Sim, esse é um jogo de luta do N64 com aspectos positivos, não é algo que imediatamente merece nossa atenção? Eu acho que merece.
Pra começar, o jogo possui dois modos tão diferentes que parecem jogos separados. O jogo é dividido entre um modo SD e outro mais realista com proporções humanas da vida real. Ambos têm um estilo fortemente anime, mas um se parece com VIRTUA FIGHTER KIDS e o outro com VIRTUA FIGHTER. Só que, e essa é realmente a parte interessante sobre isso, os gráficos não são a única mudança. Os dois modos funcionam de maneira bastante diferente um do outro. Ambos têm seus próprios personagens (embora haja alguns personagens repetidos, mesmo esses tem golpes diferentes), bem como mecânicas de jogo separadas.
Ou seja, para todos efeitos práticos, são dois jogos completamente diferentes que por acaso habitam o mesmo cartucho. Eu não disse que a Culture Brain colocou algum esforço aqui?
Vamos começar com o modo SD. SD significa superdeformado e isso significa que os personagens têm cabeças grandes, corpos pequenos e se parecem um pouco com crianças. Ei, espancar crianças é algo que eu sempre respeito em jogos, então vamos começar com isso!
CLARO, PQ ISSO NÃO SOOU NADA ERRADO, NÉ?
Né? Enfim, no modo SD os golpes são o que você esperaria de um jogo de luta: muitos movimentos nada realistas, como os hadoukens tradicionais e feitos atléticos fisicamente impossíveis. Ainda sim é um jogo de luta e no fim do dia você estará socando, chutando e simplesmente tirando a barra de vida do seu oponente - algo que, uma vez realizada, você passa para a próxima luta.
Maaaaaaaaaas tem uma coisa aqui. Cada vez que você derrota um inimigo você ganha pontos de experiência (o que aumenta seu nível e estatísticas como ataque e defesa). Seu equipamento também ganha esses pontos que o torna um equipamento mais forte.
ESPERA, COMO ASSIM EQUIPAMENTO?
Então, no modo SD de Flying Dragon seu lutador pode usar equipamentos como em um RPG. Eles aumentam seu ataque e defesa, e ainda dão algum outros bônus. Você tem quatro slots de equipamento: um slot ofensivo, defensivo e dois acessórios - o que é essencialmente a configuração dos equipamentos de FINAL FANTASY 6. Taí algo um link que eu não esperava usar em um jogo de luta, então taí algo diferente...
Enfim, você adquire novos equipamentos como loot vencendo lutas e ao vencer você tambem ganha uma currencia para ser usada na loja do jogo que existe acessada no menu. Alguns jogos de luta já tentaram fundir conceitos do RPG com luta - TOBAL No1 é um exemplo que me vem fácil a cabeça - mas não acho que nenhum conseguiu fazer de forma tão elegante e única para o gênero. Então, é, essa é uma parte genuinamente interessante desse jogo.
Agora vamos falar do modo mais realista, o Virtual Mode. A coisa interessante aqui é que ele apresenta dois meios diferentes de jogar: 2D ou 3D. Isso não se refere aos gráficos do jogo (que sempre serão em poligonais em 3D), e sim a movimentação na luta. No primeiro, o jogo funciona essencialmente como STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR, você se movimenta para a esquerda ou para a direita. No 3D você pode ir para a frente ou para o fundo da tela - o que eu já vi ser executado de maneira simplesmente catastrófica em vários jogos de luta terríveis, como ADVANCED DUNGEONS & DRAGONS: Iron & Blood: Warriors of Ravenloft ou... argh... CRITICOM. Enfim, o jogo não muda RADICALMENTE com isso, mas ainda sim é legal que incluíram isso aqui.
No gameplay, a Culture Brain optou por uma abordagem mais realista para este Virtual Mode - é bastante claro que eles estavam se inspirando em um jogo mais baseado na fisica e peso dos personagens como VIRTUA FIGHTER ou SOUL EDGE, mas vamos apenas dizer que ... Flying Dragon não é VIRTUA FIGHTER ou SOUL EDGE.
Nesse modo de jogo o sistema de equipamentos não está presente, assim como as magias de projéteis. A luta é puramente baseada no fisico dos personagens e mais focada em combos... o que só serve realmente para te lembrar que o Nintendo 64 é o lar dos jogos de luta incrivelmente esquecíveis e o modo Virtual desse jogo é mais um deles. Não nada muuuuuuuuito ruim aqui, mas também nada que faça você lembrar desse jogo 3,14 segundos após largar o controle. Provavelmente antes disso também. Enfim, o modo Virtual sozinho é um jogo de luta bastante esquecível que já não é exatamente o pãozinho mais quente da vitrine.
Então enquanto é imensamente maneiro que a Culture Brain tenha juntado dois jogos que poderiam ter sido lançados separados em um só, a questão que realmente importa é: e aí, é bom?
Okay, as opções de configurações das features do jogo é maneirinha, isso tem que ser dito |
Flying Dragon também não é um jogo muito bonito. O tema de anime é maneiro e gostei muito dos retratos na tela de seleção de personagens no modo SD, mas infelizmente os personagens super deformados não tem o charme de um VIRTUA FIGHTER KIDS e DEFINITIVAMENTE não estamos falando de nenhum POCKET FIGHTER aqui. Eles são meio feios, na real.
O modo virtual tem um design mais clean, mas ao custo de ter uma aparência incrivelmente genérica. Como eu disse, eu não saberia reconhecer um personagem de Flying Dragon mesmo que minha vida dependesse disso, e isso não é algo bom de ser dito sobre um jogo de luta cujo carisma dos personagens é metade do jogo. A taxa de quadros também é um pouco baixa e gostaria que o jogo rodasse mais fluído - algo que costuma ser um problema no Nintendo 64 em jogos desse tipo, problemas bem similares aconteceram em MACE: The Dark Ages.
A trilha sonora também é bastante desinspirada, são composições midi de baixa qualidade que depois de um tempo (não muito longo) começam a incomodar. Eu sei que é o Nintendo 64 e que existe a questão que som nos cartuchos nunca vai ter a qualidade de um CD, mas muitos outros jogos dentro do mesmo sistema soam consideravelmente melhor que esse.
Enfim, Flying Dragon não é perfeito. Com efeito, nem é sequer muito bom assim para ser honesto. Ainda sim, por alguma razão eu não sindo particularmente nada contra esse jogo. Bem ligeiramente quase nada contra ele. Nenhum dos modos de jogo faz nada particularmente incrível ou marcante (e o modo SD exige um certo grinding, o que nunca é algo que eu posso elogiar... em um jogo de luta...), mas a verdade verdadeira é que poucos outros jogos de luta desta época tinham tantas opções e modos, e essa coisa de serem dois jogos (medíocres) no mesmo cartucho é algo que até hoje você não encontrará nada igual.
Eu realmente respeito as ideias que os desenvolvedores tiveram aqui, apenas não acho que eles tinham o talento ou os recursos financeiros para executa-las. Talvez o jogo fosse melhor se eles tivessem se concentrado um pouco mais na mecanica de jogo ao invés de tentar fazer duas completamente diferentes - embora isso tiraria o que faz desse jogo memorável. Ou, você sabe, apenas ter encontrado algo, qualquer coisa, para tornar a mecanica de luta mais única.
Sei lá, eu não vou mentir pra vocês e dizer que eu sei como consertar Flying Dragon pq eu simplesmente não sei. O que eu sei é que é que esse jogo de luta não é UM jogo de luta medíocre do Nintendo 64, são DOIS jogos de luta medíocres colados junto cuspe e um Bubaloo mascado sabor tutti-fruti. O que de alguma forma torna esse jogo um pouco mais tolerável, embora não tanto assim também.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 125 (Março de 1998)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 049 (Abril de 1998)
MATÉRIA NA GAMERS
Edição 026 (Janeiro de 1998)
Edição 029 (Abril de 1998)