sábado, 24 de abril de 2021

[PC] UNDER A KILLING MOON (Outubro de 1994) [#676]


Hã, antes de começar, Jorge eu vou precisar da trilha sonora adequada para dar um clima.


Obrigado, amigo. Você é um amigo.

O ano é 2042, o uisque gelado ainda é servido quente e a cidade é o antro de corrupção e crime conhecida como San Francisco. Ou o que restou dela, pelo menos. A terceira guerra mundial terminou a alguns anos, mas a radiação das bombas não vai a lugar nenhum tão cedo e atmosfera do planeta ainda está toda fodida. Dizem que ficará com esse ar sujo e esse céu vermelho pelos próximos milhões de anos. Combina bem com essa cidade que cheira a mijo e cigarro barato. Meu nome é Tex Murphy, detetive particular. Talvez você lembre de mim por ter salvo o mundo no caso conhecido como MARTIAN MEMORANDUM, mas então você seria o primeiro.

Parecee que agradecimentos por ter salvo o mundo não pagam as contas, e elas se empilham sobre a minha mesa como as baratas mutantes sobre as caixas de pizza do meu escritório. Meu trabalho é encontrar um trabalho antes que o dono do imóvel me encontre a respeito dos alugueis atrasados, apenas mais um dia sob o céu de 2042, vermelho como o sangue dos 5 milhões de almas condenadas cozinhando com os resíduos da radiação ...
Esse jogo é o terceiro jogo da série Tex Murphy, e o segundo que eu jogo nesse projeto. O jogo anterior (TEX MURPHY: MARTIAN MEMORANDUM) era um point'n click com gráficos de imagens digitalizadas que misturava investigação noir com cinema trash, resultando em um jogo... hã... bem, um jogo, definitivamente:

Como esquecer a terceira guerra mundial, que arrasou o mundo com bombas de edição barata no paint?

A boa notícia é que o criador do jogo Chris Jones (que também interpreta o protagonista) teve uma ideia bastante inteligente sobre isso: ele sabia que não havia como ele fazer esse jogo com imagens digitalizadas e não ficar absolutamente tosco. O que pode ser um ponto positivo desde que você saiba usar isso: Chris abraçou a galhofa e como resultado Tex Murphy é um noir-comédia que eleva os clichés do genero a paródia, abraçando a tosquice da sua produção com gosto. 

Quero dizer, sério:


Para o tipo de projeto que ele tinha em mente com o orçamento que ele tinha disponível, foi a melhor solução possível. O problema é que o que é tosquice proposital para fins humoristicos e apenas pobreza mesmo se misturam numa linha que nubla o resultado final. E a interface do jogo parece ter sido feita no Paint, tem isso também.

A boa notícia é que Martian Memorandum vendeu bastante bem e nosso menino Chris magia teve muitos dinheiros para fazer o próximo jogo da série, que é esse "Under a Killing Moon". E que jogo é esse? Basicamente, a mesma proposta só que com valores de produção muito maiores. Com efeito, esse jogo teve um orçamento de 2 milhões de dolares - o que é bastante dinheiro para uma empresa de fundo de quintal.

Por exemplo, no jogo anterior você tinha gifs animados dos atores nas cenas de dialogo, agora você tem cenas em vídeo de verdade com dialogos falados e a porra toda:


Como dá pra ver, adicionar valores de produção a coisa toda evidencia a tosquice INTENCIONAL e não porque é apenas um produto barato, o que dá um charme brega bastante especial a coisa toda. E, de uma forma cinema trash, o jogo não deixa de ser engraçado pelas atuações hediondas da sua produção - o que, novamente, foi totalmente intencional e a proposta da coisa toda.

Como a cena que explica porque Tex Murphy não tem uma arma durante o jogo, por exemplo:


Porém não foi apenas em cenas deliberadamente toscas que o orçamento desse jogo foi gasto. Outro upgrade muito necessário foi a interface do jogo... que ficou não apenas bonita (sério, a anterior parecia mesmo feita no paint) como muito prática de navegar - o que não é algo comum a época, jogos de computador tendem a ter interface... duras, vamos assim dizer.

Mas aqui não, é um point'n click com uma interface intuitiva e rápida de usar - até mesmo o menu de gerenciar itens é bastante simples, o que eu tenho que realmente enfatizar o quão raro isso é nessa época.


Outra coisa na qual foi gasto um bom bocado do orçamento, embora não afete o gameplay afeta bastante a popularidade do jogo na época: o jogo contratou uma boa quantia de atores famosos para participar do jogo (alguns famosos na época, outros ainda conhecidos até hoje) como não faz questão de esconder a capa do jogo:


O jogo destaca a participação de Margot Kidder (a Louis Lane dos filmes antigos do Superman), Russel Means (famoso "O último dos Moicanos") e a narração do jogo é feita por ninguém menos que James Earl Jones.


A narração do jogo é por ninguém menos que fucking Darth Vader e isso é alguma coisa. O truque aqui é que essas participações especiais são realmente pequenas, cada um dos atores deve ter gravado suas cenas em 15 minutos no máximo porque o dinheiro não era tanto assim, então é mais para o marketing do jogo do que modificar o gameplay em si - 95% das cenas são feitas com a própria equipe de produção ou algum ator que aceitou filmar por uma Coca e um Xis-Coração.

Ainda sim, eu diria que é uma forma inteligente de promover o seu jogo sem taaaanto dinheiro assim (muito para um estúdio indie, mas não muito no grande esquema das coisas) e não como se o jogo fosse ruim por não ter maiores participações da Margot Kidder, honestamente.


O que realmente importa ao jogador é que a maioria dos jogos com imagens digitalizadas nessa época eram feitos com cenários filmados, e portanto estáticos, de modo que não era possivel tirar muito desse modelo de jogo. O próprio jogo anterior fazia isso. Aqui as coisas são feitas de uma forma um tanto mais criativa, entretanto: todos os atores gravaram suas cenas com tela verde de fundo, e todos os cenários são previamente renderizados em 3D de modo que quanto o jogador se "move" roda um video pré-gravado que dá a ilusão que você está andando em um ambiente 3D (não diferente do que já havia sido feito no JURASSIC PARK de Sega CD).

Isso foi uma escolha de design muito boa porque permite fazer cenários muito mais criativos do que seria possível se eles tivessem que fazer props dos cenários de verdade (até porque deixaria muito caro tb).


Outra coisa que eu gosto bastante nesse jogo é que o sistema de dialogos não diz exatamente o que Tex vai falar, e sim apenas o tom da resposta. Isso é bom porque você fica curioso para ver o que ele vai dizer (especialmente dado o humor trash do jogo), ao mesmo tempo que continua no controle do fluxo da conversa.

O melhor de dois mundos.


Quanto ao gameplay em si, bem point'n clicks são sobre encontrar itens e conversar com pessoas para resolver puzzles, e eu acho que nesse aspecto o jogo faz tudo direitinho também. Under a Killing Moon não decepciona, os puzzles são acessíveis e não birutices randomicas como em SAM & MAX HIT THE ROAD), embora possa se tornar bastante intimidador com tantas opções de diálogo, o que é especialmente irritante quando metade delas resulta em “Eu não sei”. As conversas também são meio que puzzles uma ordem específica perguntas são necessárias para progredir - embora não seja nada criptico e as opções certas a serem escolhidas fazem sentido com o tom da cena.

O único real problema que eu tive com esse jogo é que os gráficos não são muito bons (quer dizer, eram incríveis para 1994, mas hoje não são grande coisa) e eu achei fácil passar batido por itens que você deveria recolher no cenário. Seria util uma opção para iluminar os pontos interagiveis, como fizeram no remake de THE SECRET OF MONKEY ISLAND.

Tem um item a ser pego nessa tela

Esse problema é atenuado porque o jogo tem um sistema de hints que te dão dicas do que fazer. Se você ainda sim não souber dá pra continuar insistindo em pedir dicas e o jogo te dá um walkthrough, mas eu acho bacana que primeiro o jogo te dá uma direção antes de spoilear a coisa toda.

E de qualquer forma os puzzles não são tão cripticos assim eles fazem sentido. Falhar em alguns pode resultar em game over, mas salvar o jogo é rápido e simples, então não é muito problema realmente.

Essa é uma informação importante para resolver um puzzle. Pois é.

A trama também flui perfeitamente, mesclando viver a vida de um detetive noir pé de chinelo em um futuro distópico pós-apocaliptico e salvar o mundo de uma cruzada por pureza genética contra os mutantes que vai por fim a vida na Terra. O que é mais ou menos o que tentaram em RISE OF THE DRAGON porém falha devido a péssimas escolhas no design do jogo.
 
UaKM, por outro lado, não faz nenhuma péssima escolha. Diabos, eu diria que ele não faz nenhuma escolha ruim e dentro do que dá pra fazer nas premissas propostas o jogo é tudo que se pode esperar de um point'n click. Ele não é engraçado da mesma forma que os jogos bons da Lucas Arts, mas não deixa de ser divertido em sua tosquice proposital. Sinceramente, não vejo como daria pra fazer muito melhor que isso não.

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