sábado, 28 de novembro de 2020

[SEGA CD] RISE OF THE DRAGON (Novembro de 1993) [#568]



Tentar explicar o que é um "Film Noir" é uma tarefa bem difícil, mas curiosamente todo mundo meio que sabe estamos falando. O protagonista é um detetive durão, cínico, misantropo e sem esperança na humanidade (que invariavelmente fuma ou bebe pra caralho). A paisagem Noir padrão é uma cidade grande e opressora (filmada em ambientes escuros e sombrios para criar uma atmosfera). Cenários comuns a esse tipo de narrativa incluem bares mal iluminados, boates cheias de clientela questionável, antros de jogos, becos úmidos e o onipresente armazém decadente à beira-mar. À noite, na cidade grande, você pode apostar que as ruas estão molhadas de chuva, refletindo as luzes estereis da rua como uma pintura. É um mundo cão, onde a vida vale muito pouco. 

E se você estiver se sentindo ambicioso, ainda é uma história de detetive em que uma investigação criminal simples traz à tona a corrupção política, encobrimentos e conspiração nos níveis mais altos em uma cidade devastada pela tensão corrupção enquanto explora os impulsos odiosos e selvagens que sustentam o verniz da vida civilizada . 

Capa japonesa do jogo

Assim, como você pode ver, “Noir” não é algo exatamente voltado para crianças não por causa de violencia ou magumbos aflorantes, mas porque o tom é pesado e os temas não relacionaveis a um público mais jovem e por isso... 

E ZOOTOPIA? 

O que tem Zootopia? 

BEM, O PROTAGONISTA É UM (MESMO QUE INVOLUNTARIAMENTE) UM INVESTIGADOR CÍNICO E ENDURECIDO PELA VIDA QUE EM UMA SIMPLES INVESTIGAÇÃO POLICIAL DESCOBRE UMA CONSPIRAÇÃO POLITÍCA QUE EXPLORA, LITERALMENTE, OS INSTINTOS SELVAGENS QUE SÃO SUPRIMIDOS NA FACHADA DESSA SOCIEDADE

Hã... okay... eu posso conceder que Zootopia tem alguns elementos de cinema Noir, mas o que eu estava dizendo é que de modo geral esse tipo de narrativa não é adequada para crian...

 E DETETIVE PIKACHU?

Olha, Jorge, i'm gonna need you to get all the way off my back, mmmkay?

Mujalambo não tem paciencia para suas merdas

O que eu queria dizer é que no começo dos anos 90, ver um jogo em estilo noir era algo muito dificil porque não é algo que atendia diretamente o interesse do público de videogames na época. Quando as crianças dos anos 90 queriam pagar de adultões e diziam que queriam coisas mais maduras, eles queriam “maduras” no sentido comercial da Sega, não maduras tipo maduras.

Um jogo podia ser violento graficamente, mas dificilmente teria uma narrativa pesada e densa como é o caso do estilo Noir. Porque “maduro” naquela época eram os fatalities “chocantes” de Mortal Kombat, esse nível juvenil de maturidade, e não digamos um jogo onde você começa investigando a morte da filha do prefeito que morreu de overdose após comprar drogas em um beco imundo e aplicar as substancias ilegais ali mesmo. Não esse tipo de “tema maduro” que iriamos encontrar em um videogame e... 

... rory sheet...

Então, Rise of the Dragon é um point’n click noir tão noir quanto noir pode ser. Quer dizer, pra ser mais noir que isso só se fosse em preto e branco e se passasse nos anos 40, mas fora isso, bem, ele pega realmente bem o espirito da coisa.

Pra conseguir informações você precisa fazer coisas como salvar o bacon de um homem, café da manhã é a refeição mais importante do dia e isso continua sendo verdade em 2058

Em 2053, William 'Blade' Hunter é um ex-oficial do Departamento de Polícia de Los Angeles que se tornou detetive particular. Quando a filha do prefeito, Chandra, é encontrada morta e geneticamente mutada após experimentar uma nova droga chamada MTZ, Blade é chamado para encontrar os responsáveis porque que como o prefeito quer se reeleger, ele não quer que o fato que sua filha ser uma drogadita vida loka venha a tona e então esse caso “não pode” ser tratado como os casos tradicionais. 

No entanto, no que Blade se envolve, acaba descobrindo que o rolo é muito maior do que uns Zé Droguinha morrerem. Na verdade, suas investigações o colocaram no centro das atenções de uma antiga profecia chinesa que previa o fim do mundo através da reencarnação de um dragão. 


Infelizmente para o prefeito, nosso herói não é exatamente o mais diligente dos investigadores do mundo. Hunter mora num apartamento minusculo e imundo, repleto de vazamentos onde o barulho da rua mal deixa dormir e sua personalidade é perfeitamente adequada a esse muquifo. Isso quer dizer que enquanto os dialogos do jogo (e Hunter comenta sobre muitas coisas que você clica no jogo) não são estelares, são bastante sólidos para passar a sensação pessimista de um bom noir.

A outra coisa que faz esse jogo uma boa experiencia noir é a própria investigação do caso, porque a cidade de Los Angeles em 2058 tem o seu próprio cronograma e isso faz ela parecer viva. Cada ação que você faz consome um determinado número de minutos e isso faz o relógio do jogo andar. Dependendo da hora do dia alguns personagens estarão disponíveis ou não para sua investigação.

Por exemplo, Blade tem uma namorada que trabalha na polícia e você pode dar algumas coisas para ela examinar na analise forense para conseguir pistas. Só que ela só está disponível em horário comercial, assim como as analises levam um tempinho também para ficarem prontas - normalmente um dia ou dois.

Esses são os lugares que estão disponiveis no começo do jogo, para desbloquear novas locações você tem que fazer os calhordas cuspirem os feijões

Enquanto você espera, você pode ir a outros locais da cidade continuar a investigação em outras frentes - ou mesmo fazer sidequests para manter seu relacionamento bom sua mina bom, pq senão ela não faz as paradas pra vc. Tipo comprar flores pra ela, ou comparecer no encontro que ela marcou as 19:30. Ferrar sua relação com ela impossibilita a investigação de prosseguir e isso é um problema sério... além dos sentimentos dela, hã, claro que eu tava preocupado com isso também.

Claro, Rise of the Dragon é um jogo para computador de 1990 (portado para o Sega CD em 1994), então não é um jogo incrivelmente complexo, definitivamente não é um “The Sims da depressão 2058” e você não tem que “administrar uma vida” - está mais para sua casinha no Joe e Mac 2 em termos de profundidade, mas ainda sim é um toque legal.

Já vi baladas mais loucas, 7.8/10 para 2058

Então o jogo é basicamente isso: rode Los Angeles e faça sua investigação. Fale com pessoas, consiga que eles lhes deem novas locações para explorar, colete itens e mostre para pessoas falarem mais coisas - você sabe, o bom e velho 1-2 dos point’n clic e eu sinto que realmente funciona para a coisa de investigação. Você se sente investigando um caso de verdade, e esse é o ponto aqui, não?

Bem, então... embora essa seja a maior virtude do jogo, também é sua maior fraqueza. O jogo não é nada, mas nada generoso em dar dicas do que fazer a seguir e como continuar sua investigação, e quando você descobre o que fazer - seja na tentativa e erro, seja seguindo um walkthoug - percebe que... bem, as soluções não são exatamente as mais intuitivas do mundo.

O resultado é que muito, mas muito tempo você vai ficar barateando sem saber o que fazer sendo que existe um limite de tempo para terminar o jogo e cada ação que você faz gasta esse tempo. Não é um limite de tempo filhodaputa como em Jurassic Park do Sega CD, mas ainda sim é um limite de tempo.

Vencedores não usam dorgas. Este cara parece um vencedor pra vc?

E se já não fosse suficiente o jogo ser bem cuzão quando analisamos o point’n click em si, ainda tem que esse é um jogo da escola Sierra de PnC’s. Isso quer dizer que se meter em um beco sem saída no qual não é possível terminar o jogo porque você deu uma resposta errada para um NPC, ou porque esqueceu de coletar um item (normalmente porque não viu mesmo) em um local que você não pode mais voltar são bastante reais.

Eu realmente prefiro o estilo de design da Lucas Arts que você não tem como se embretar em becos sem saída, ao passo que os jogos da Sierra adoram meter um game over na sua cara porque você esqueceu de passar o mouse em cima do pixel 234 - a boa e velha filosofia de “AHA! TE PEGUEI!” que eu tanto abomino em design de jogos.

Para adicionar ofensa a injúria, bem no finzinho o jogo decide “dar uma apimentada no gameplay” e coloca trechos de fase de ação com scroll lateral e... bem, veja por você mesmo:


É ruim. Bem ruim.

No que diz respeito aos jogos Sega CD, Rise of the Dragon é uma experiencia bastante sólida (não que a concorrencia seja muito alta tb). A investigação é interessante, a trama é uma boa trama policial com toques de sobrenatural (segundo o nome do jogo pode dar a entender indicar, o dragão que rise aqui não é metafórico) relativamente bem escrita para a época, e a cidade parece viva o bastante (afinal, em que outro jogo de Mega Drive uma prostituta dá em cima de você para oferecer os seus serviços? Sega does what Nintendon't!).

Se você sempre quis contratar o Polnareff hooker, esse é o seu jogo

Uma coisa que me chamou a atenção foi a dublagem, não apenas porque ela existe, mas em grande parte porque ela não é totalmente lixo. A atmosfera e a ideia do jogo são divertidos de se experimentar, mas o grande número de sem saída e ter que recorrer a GameFAQs frequentemente para possivelmente adivinhar que porra eles estavam pensando como solução dos puzzles diminui bastante a experiencia. E claro, as seções "plataforma" não fazem nenhum favor ao jogo nesse sentido. 

Mas pense por outro lado, afinal noir é realmente noir se todo mundo sai completamente feliz?

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 004