sexta-feira, 4 de setembro de 2020

[AÇÃO GAMES 053] JURASSIC PARK (Sega CD, 1993)[#481]


Jurassic Park é um filme com inúmeras cenas memoráveis por diversos motivos, mas teve uma que particularmente em marcou em 1993. Existe todo um subplot sobre o Dennis Nedri roubando os DNA dos dinossauros em uma lata chantili, e esse plot não dá em nada porque ele acaba morrendo comido por um dilofossauro. O que me chamou atenção em particular foi que a cena termina com um close da lata com os tais DNA rolando na lama e ficando ali. Em algum momento anterior foi estabelecido que a lata podia manter seu conteúdo refrigerado por doze horas ou alguma coisa assim.

Até hoje eu não sei se essa cena é um subplot que foi abandonado ou se é conclusão de que todo aquele valor (o DNA dos dinos valia alguns milhões) não representa nada perante a natureza, mas o que eu sei é que quando criança eu esperava que aquela cena fosse importante para a continuação. Faz sentido, não? Uma corrida contra o tempo para recuperar algo incomensuravelmente valioso, eu vejo como isso pode funcionar. Daria pra fazer um bom filme disso, mas no entando Steven Spielberg teve outras ideias bem ... diferentes das minhas para a continuação de Jurassic Park...


 O que eu nunca soube até agora, entretanto, é que essa continuação que eu imaginei quando criança explorando esse plot acabou sendo usado sim... em um point’n click para Sega CD. Mais ou menos.

 Nossa história começa poucos minutos após os eventos do filme, quando os heróis escapam da ilha de eleocopro e tal. Mal sabiam eles, entretanto, é que a inGEN enviou um outro eleocopro pra ilha afim justamente de resgatar ovos de dinossauro afim de poder continuar o projeto mais tarda - afinal monstros de várias toneladas indo full berserk não são tão um problema tão grave assim, são?

Bem, é aqui que você entra - o trouxão que via para a ilha Nublar caminhar no meio dos DINOCEROS e recolher seus ovos. O que possivelmente poderia dar errado?

Oh que surpresa.

Não é explicado como o seu eleocopro caiu, mas apenas que caiu e agora você vai full hino do Grêmio e até a pé nós iremos coletar ovos de DINOCEROS dentro do tempo limite de doze horas antes que eles apodreçam ou algo assim. Bem, se os ovos estragam em doze horas não é de se surpreender que esses bichos foram extintos, mas enfim...

A primeira coisa que você nota é que o jogo tem uma composição interessante para um point'n click: alguns cenários são desenhados, alguns são feitos em modelos 3D e algumas transições entre os cenários são cenas filmadas que não foram gravadas na ilha do filme, mas passam bem a sensação que é sim na ilha da Costa Rica.


Com efeito, na tentativa de popularizar o Sega CD esse foi um dos projetos mais ambiciosos da Sega até então em que foram gastos mais de dez milhões de dolares e uma equipe de 25 pessoas trabalhando nesse jogo. Porque, é claro, se o seu objetivo é popularizar o seu acessório caro pra caralho nos Estados Unidos faz todo sentido que o seu maior investimento seja justamente em um genero que não é nada popular - até mesmo desconhecido - entre os jogadores de console: um point'n click.

Na cabeça da Sega isso fez sentido.

Mas ok, então temos o point'n clicks mais caro já produzido até então... e aí?


E aí que você percebe que a grande produção da Sega não é apenas em um genero que não era popular com os americanos, é também em um genero com o qual eles não tinham experiencia alguma em trabalhar. A Sega nunca havia produzido até então um point'n click para chamar de seu, e decidiu que sua estréia no genero seria essa enorme big produção. Novamente, o que poderia dar errado?

A primeira coisa que você vai notar é que não existem personagens ou dialogos no jogo. Existem algumas gravações que você assiste, mas meio que é isso. Nos jogos do genero a produtora sempre soube que o gameplay em si é um tanto incipiente e precisa ser complementado com algum tempero extra, seja comédia como na série MONKEY ISLAND, seja safadezas como na série  LEISURE SUIT LARRY ou mesmo o clima noir de TEX MURPHY

Se eu pudesse não ter que abrir o menu e selecionar a chave para portas que eu já destranquei i would be so happy. Problema típico de quem não tem experiencia em jogos do genero.

Essas coisas não são colocadas no jogo porque as desenvolvedoras estão entediadas, isso é uma parte importante da experiencia do jogo... que a Sega não julgou necessária. A bem da verdade, a sensação que passa  é que a Sega queria mesmo era ter feito um jogo de ação de tiro em primeira pessoa só que ela não tinha as manhas de DOOM  de fazer um jogo de tiro em primeira pessoa rodar no hardware da época passando a ilusão de que é 3D (a bem da verdade ninguém tinha, John Carmack é meio que um gênio realmente).

Mas então não tem personagens nem nada, só andar pela ilha para coletar ovos, resolver puzeles e eventualmente pipocar chumbo nos DINOCEROS porque é assim que a América rola. O que nos leva ao segundo problema do jogo: é assim que a América rola.

Abre a porta do Jipe, vai cair o galão de gasolina. Aí você tem que selecionar ele, ficar bombeando no motor do barco sem ter nenhum feedback de que alguma coisa tá acontecendo até você poder fugir de barco enquanto os DINOCEROS comem o seu lombo


Porque como eu já disse, point'n click não é um genero particularmente mainstream nos US and A e menos ainda nos consoles - isso é quase exclusivamente uma coisa de computadores e naquela época PC Gamers e consoles gamers eram duas raças inteiramente diferentes.

Para resolver isso, para tornar o genero mais palatavel ao gosto americano, a Sega decidiu... dar uma apimentada nas coisas. Em primeiro lugar o jogo tem um limite de tempo porque a pressão torna as coisas mais emocionantes, assim eles pensaram...

Sim, um point'n click com limite de tempo, eu vou dar alguns momentos para você assimilar o peso dessas palavras...

Porém a desgraceira não termina aqui, mesmo que só isso já seria ruim o suficiente. O problema maior ainda é que a outra coisa que a Sega decidiu fazer para "spice things up" foi colocar sessões de tiro em que você tem que mandar tranquilizantes nos DINOCEROS para sobreviver (você tem até uma barra de energia e tal). Ok, isso deixa o jogo com mais cara de videogame tradicional e misturar puzzles com ação não parece uma ideia ruim, certo?

Então...

O problema é que o Sega CD é um acessório que permite o Mega Drive rodar jogos em CD, mas ele é meio que só isso: um acessório para o Mega Drive. O que quer dizer que no seu core ele ainda é Mega Drive processando os jogos, e o meguinha coitado já está com as mãos cheias rodando os cenários renderizados em 3D e as cutscenes que tem que entrar entre cada troca de tela.

O resultado é que o jogo responde lenta e desorganizadamente, já que o Mega Drive está trabalhando no limite da sua capacidade. Isso não é tanto problema para um point'n click, mas para um jogo de tiro como ele pretende ser resulta apenas em um jogo pouco responsivo onde você não tem realmente certeza se acertou os inimigos e todo o timing da coisa parece bem frouxo.

Ou seja, o que já não deu certo nos shooters de full motion video como SPACE PIRATES ou GROUND ZERO TEXAS ... também não dá certo aqui. Para surpresa de zero pessoas.

Então vamos recapitular: como seu projeto de grande orçamento para fazer o Sega CD "agora vai", a Sega pegou um genero com o qual ela não tem experiencia nenhuma, que nunca foi popular ao publico que ela quer atingir, e tentou deixa-lo "mais interessante" misturando com outro genero que nunca deu certo antes.

Sega of America, senhoras e senhores!

Ah, e esse lousy shooter que a Sega tenta fazer aqui ainda tem munição limitada. Tipo você tem 25 tiros de tranquilizante para terminar o jogo, o que quer dizer que você tem dois tiros por DINOCERO e alguns não é pra gastar tiro neles - você tem que aguentar o dano e só correr mesmo com a jogabilidade clunky. Se você gastar mais tiros do que os que você não tem como saber que deve, é apenas impossível terminar o jogo. GG e deu pros coco.

Simples assim. Sério, é uma idéia ruim atrás da outra, esse jogo não podia ter mais SEGA tatuado na testa nem que você comprasse online e viesse um cara vestido de Sanic entregar na sua casa.

Um DINOCERO vem correndo na sua direção! Depressa, aperta B pra abrir o menu, seleciona a arma com C, aperta B pra fechar o menu, mira e atira com C sem ter nenhum feedback se o tiro acertou ou não... mas por garantia não dá pra atirar muito porque a munição é contadapra chegar até o final do jogo!


Mas sabe o que é o pior disso? Quer dizer, o pior de tudo?

É que quando o jogo não está fazendo você correr contra o tempo because América demands action, ou quando você não tem que jogar um shooter com sessões de tiro porcaria... Jurassi Park é um point'n click bastante decente. Os puzzles são bem sacados, o uso de itens é interessante e o mapa da ilha para navegar é bastante generoso para um jogo do genero.

Se pudesse ter sido o que ele nasceu pra ser, só um point'n click, teria sido um jogo bem gostosinho na real. Adicionasse poder fazer as coisas com calma, não ter janelas ridiculas de tempo para clicar na resolução de alguns puzzles (como "passar por baixo do tiranossauro" ou "tocar a buzina para chamar atenção do Tricerabrops"), alguns personagens para aproveitar o cenário e ficaria supimpa. Mas quando ele teve que vestir essa roupa de "atitude" pra ficar "super descolado e radical", aí fodeu a porra toda.

Ou seja, teria dado certo se não fosse um jogo da Sega dos anos 90.

MATÉRIA NA EDIÇÃO 053


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