Animes de mecha, bem, você sabe como animes de mecha funcionam: um garoto escolhido (normalmente de 14 anos) por alguma razão do destino recebe um robo gigante e com poderes tirados da sua aura do protagonismo derrota todo o mal e espanta o temporal. O "mal" no caso, podem ser outros mechas de um exercito maligno do mal que odeia o bem, ou bons e velhos kaijus que só querem tocar terror mesmo porque foda-se - fica ao gosto do fregues.
E isso é ótimo, todos adoramos adolescentes usando robos gigantes para trazer amor e felicidade para todos sempre!
... hã, quase sempre.
Seja como, é como as coisas rolam. Ou pelo menos eram até 1979, quando Yoshiuki Tomino trouxe para os animes uma ideia diferente: E SE mechas existissem, certo, mas eles fossem retratados realisticamente como máquinas de guerra em um conflito fundamentado em como as coisas funcionam no mundo real?
Guerras no mundo real, saiba você, são muito menos sobre um cara sozinho assumir o protagonismo e derrotar legiões inteiras sozinho e mais sobre política, traições e um tensões geradas pela configuração social-economica do zeitergeist global.
Nascia assim Mobile Suit Gundam.
Mais de quarenta anos depois Gundam é uma franquia de tanto sucesso que praticamente se tornou simbolo do Japão, espalhando sua marca entre mais de uma duzia de séries, outros tantos filmes, mangas, jogos, e bonequinhos colecionaveis. Com efeito, ele iniciou sua própria brande de bonequinhos com uma linha de bonecos montaveis chamados de Gunpla e eles são lindos chocolatantes.
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Mais frequentemente sim do que não, nas séries de Gundam a guerra é representada como algo sujo, depressivo e imoral onde algumas pessoas tentam fazer o seu melhor quando a humanidade está literalmente sendo o pior que ela pode ser. Se não é pra isso que você assiste animes de robozões multicoloridos, então provavelmente Gundam não seja pra você.
Tá, mas por que eu estou falando de Mobile Suit Gundam aqui? Ora, porque em fevereiro de 1995 o produtor da Squaresoft, Toshiro Tsushida (que posterioramente veio a ser o diretor de combate de Final Fantasy X e XIII, teve uma ideia: "e se a gente fizesse a nossa versão de Gundam?". Você sabe: uma guerra altamente politizada e suja, um conflito militaristicamente realista e robozões da porra.
Nascia assim a série "Front Mission", da Squaresoft.
Quer ver? Então segura essa manga: situado em um futuro não muito distante, o jogo se passa na ilha fictícia de Huffman, no Pacífico. Depois de serem acusados de terrorismo após uma explosão que eles não cometeram, Royd Clive e Ryuji Sakata são dispensados da Força de Defesa Terrestre da coalizão. Na realidade, a explosão foi causada por um vilão chamado Driscoll, que também sequestrou a noiva de Royd. Seu objetivo era usar o "atentado terrorisa" como desculpa para quebrar um tratado de paz entre a União da Comunidade da Oceania (OCU) e os Estados Unidos do Novo Continente (USNC), iniciando uma guerra pela ocupação da Ilha Huffman. A maior parte de 'Front Mission' ocorre um ano depois, quando Royd agora é um mercenário trabalhando para o grupo chamado Canyon Crows, alegando estar lá para pôr fim à guerra, mas na verdade buscando vingança contra Driscoll, que ele acredita ser o responsável pela aparente morte de sua noiva.
Se este resumo da INTRODUÇÃO te deixou atolado com nomes, bem vindo a 'Front Mission'. Com tantos nomes, mechas e facções para controlar, é fácil ficar confuso. Mas para aqueles que prestam atenção (provavelmente tendo que fazer anotações sobre quem é quem), a história é interessante até. Ela pega bem mais pesado do que se costuma esperar de um jogo de Super Nintendo (em uma das primeiras missões um hospital repleto de pacientes é explodido num ato de guerra) e tem twists interessantes, com direito a personagens entrando e saindo da party por motivos narrativos.
Claro, não é algo "minha noooossa é um FINAL FANTASY 6" (apesar de também ser um jogo da Squaresoft) mas definitivamente a narrativa vai por caminhos que eu não esperava em um jogo de Super Nintendo. É uma história que eu não me importaria em ver plenamente desenvolvida num anime, e não é por nada que gerou livros, audio dramas, brinquedos, mangas e a porra toda.
É interessante, mas como eu disse não é algo plenamente desenvolvido e não é por isso que você joga o jogo, não tem conteúdo o suficiente para sustentar o jogo - são apenas dialogos bem curtos entre as missões, afinal. Imagino que isso será desenvolvido mais para frente na série, mas por hora não é sobre isso que esse jogo é.
Esse jogo é realmente sobre o jogo.
Inspirado pela série Fire Emblem (uma série de RPGs Táticos da Nintendo que vem desde o Nintendinho), Front Mission é um RPG Tático comparavel a muitos outros: você movimenta suas peças no mapa, eles tem movimentação determinada, tem alcance de ataque determinado conforme as armas, enfim é o ponto entre os jRPGs e os board games que já vimos aqui antes em jogos como SHINING FORCE: The Legacy of Great Intention.
O que o torna Front Mission diferente, entretanto, é que suas unidades no campo lutam através de mechas (chamados de “wanderpanzer” ou “wanzer” para abreviar, que em alemão significa “tanque ambulante”) e isso afeta toda a mecânica do jogo.
Os Wanzers são compostos de oito peças: pés, tronco, braço direito, braço esquerdo, uma arma cada mão e um canhão ou escudo para cada ombro. Enquanto num RPG com pessoas seria extremamente violento ficar desmembrando todo mundo o tempo todo, aqui como são mechas isso é apenas rotina - o que significa que mecanicamente cada parte do wanzer tem sua própria barra de vida.
Se os pés forem destruídos o Wanzer perde metade da movimentação por turno, se um dos braços for destruídos ele perde a arma e canhão de ombro/escudo daquele braço e se o tronco for destruído o mecha sai do jogo.
Como o tronco tem muito mais HP que os braços, as vezes é apenas mais interessante focar em destruir o braço que está armado do inimigo (nem todos inimigos usam uma arma em cada mão, embora seja permitido) e deixar ele pateteando sem oferecer muito risco. Claro, nem todas as classes de Wanzer (existem três classes: melee, ataque próximo e sniper) ganham skills para você escolher no que quer atacar conforme o piloto sobe de nível, então na maioria das vezes você apenas manda atacar e torce pelo melhor.
Então temos Wanzers com oito peças, mais o piloto que sobe de nível e ganha habilidades e se você acha que tudo isso ainda é pouco, saiba que o jogador pode customizar um wanzer mudando seu nome, comprando novas peças, mochilas auxiliares, armas e até esquemas de pintura.
A quantidade de personalização nesse jogo é impressionante, já que as batalhas variam entre 5 a 11 Wanzers no seu time que precisam ser configurados e equipados um a um. O que significa que não é estranho você passar quase tanto tempo configurando seus mechas quando passa efetivamente lutando, e eu estou falando de mais de uma hora aqui sem exageros.
O que, como você pode imaginar, pode ser um problema se você não tem essa tara toda por microgerenciar seus jogos. O que não é o meu caso. Claro, ainda não é a ABOMINAÇÃO CELESTIAL que é OGRE BATTLE: The Marsh of the Black Queen onde tu tem que gerenciar mais de CEM caboclos individualmente, mas ainda sim é uma coisa abusivamente overwhelming já que a cada duas ou três lutas (as vezes nem isso) você chega em uma nova cidade e tem que recomeçar TODO o processo de upgrade na loja novamente.
O que, então, nos leva ao verdadeiro problema desse jogo: grinding. Embora os pilotos subirem de nível concedam habilidades uteis, o que REALMENTE faz você sobreviver ou não ao combate nesse jogo é sempre estar com as peças mais atualizadas possíveis. E para isso você precisa de dinheiro. E se você precisa de dinheiro, a unica forma de fazer um extra é participar dos Coliseums nas cidades, em que você pode fazer uma luta 1x1... e ganhar tipo 200 pila. Cada peça custa por volta de 1000 a 2000. Cada uma das dez partes que você pode equipar em seus mais de dez robos.
Isso porque 'Front Mission' é totalmente linear, você só luta nas missões de história e fora disso só no Coliseum para fazer grana. Agora faça a conta de quanto tempo demora isso. Pois é.
Para adicionar ofensa a injuria, o problema é que a interface não torna esta parte do jogo particularmente amigável e é complicado comparar suas novas peças com as antigas. Mesmo jogos antigos da Square para Nintendinho já tinham dominado o gerenciamento de menus, mas Front Mission tem horas que eu te juro que esse jogo consegue ser mais obnoxioso do que EARTHBOUND e isso não é dizer pouca coisa!
Pq eu não posso comparar a peça nova com a que eu estou equipado? Pq eu não posso ver os stats dos inimigos antes de ter que escolher em qual parte acertar? Pq o jogo não me dá uma probabilidade de acerto como qualquer RPG Tático faz? São tantas pequenas coisinhas assim que o jogo poderia fazer para tornar sua vida mais fácil, mas ao invés disso ele apenas diz "nah, te fode aí".
Quando um inimigo dropa um item ele vai para o seu inventário geral, então você tem que voltar a cidade, achar ele no seu inventário (que só pode ser acessado na cidade), e então experimentar em um por um dos seus wanzers para ver se ele é melhor.
Sim, eu entendo que é o primeiro jogo da série e com certeza isso será mais polido mais pra frente, mas é inadmissivel que um jogo da Square de 1995 faça algumas coisas pior que o gerenciamento de itens e menus em jogos da própria Square já faziam DEZ anos antes! Especialmente NESSE jogo, onde o gerenciamento de equipamento é mais da metade do jogo - literalmente.
Então, sim, Front Mission sai do seu caminho para fazer coisas Earthboundianas dificeis de justificar em um jogo de 1995 e isso é um exercicio para enlouquecer qualquer um. Porém quando o jogo não está tentando te enlouquecer, o core da coisa, a ideia geral é bastante divertida.
As opções de configuração dos seus Wanzers é uma experiencia legal quando vc consegue finalmente colocar o show na estrada: por exemplo, você pode criar um Wanzer tipo sniper construído para se mover rapidamente e atirar de uma distância segura, ou você pode construir um Wanzer de curta distância projetado para não causar tanto dano mas tankar muito o dano recebido.
O sistema de combate também é muito bom, fazendo um RPG Tático de qualidade, e o que acontece de ser um dos meus generos favoritos. Em especial porque o jogo adiciona o elemento jokenpo de Fire Emblem: armas corpo-a-corpo são excelentes para destruir wanzers, mas são derrotadas por armas de fogo de longo alcance, que têm prioridade de ataque e acertam primeiro. A artilharia de longo alcance, como os mísseis, tem a vantagem de alcance, mas possui munição finita e não pode ser usada de perto. Adicionalmente, cada personagem ganha proficiência com base no tipo de arma que está usando, que é usada para desbloquear habilidades como a habilidade de mirar manualmente em partes inimigas.
Ou seja, Front Mission faz muito bem o papel de passar a sensação que você está realmente jogando um bom boardgame só que com toda a comodidade do videogame (como ele fazer calculos e criar cenários pra você), além do que as missões usuamente usam bem o cenário como ter que lutar no meio de uma cidade usando as esquinas como chokehold estratégico, ou ter que tomar uma base subindo morro acima (você gasta movimentação extra para se mover verticalmente) enquanto canhões e wanzers inimigos descem fogo em você.
O que eu quero dizer é que o level design explora bem as possibilidades do cenário, não é só um campo aberto e foda-se - e isso é muito maneiro.
E esse é todo o ponto da coisa. Esse Front Mission original tem o esqueleto de um jogo excelente, mas possui uma série de falhas que diminuem exponencialmente a sua diversão jogando.
Além dos problemas já citados aqui, o equilíbrio do jogo é bagunçado de várias maneiras. Front Mission tem uma curva de dificuldade toda spikeada e ainda sim depende muito da sorte - perder uma rodada porque o seu ataque errou pode arruinar todo seu combate.
Front Mission é um dos jogos mais maduros e complexos a ser lançado no console de 16 bits da Nintendo (lançado apenas no Japão, alias). Você vai ter que investir muito tempo para ver todos os principais pontos da trama e então passará um tempo igualmente longo tentando descobrir o que está acontecendo. Não que isso seja ruim per se, eu aplaudo um jogo por ser inteligente, complexo e instigante, mas ... claramente eles ainda estão tateando no escuro e aprendendo como fazer essas coisas. O primeiro jogo da série pode ser frustrante por vários motivos, mas definitivamente é um começo promissor.
Esperamos grandes coisas de você no futuro, Front Mission.