terça-feira, 28 de abril de 2020

[AÇÃO GAMES 030] NIGHT TRAP (Sega CD, 1993) [#363]

 
Como vocês podem ou não saber, após o último episódio (nomeado apenas como o "incidente Ecco"), a Sega e eu estamos em guerra declarada. Na verdade, estamos em um estágio além da guerra, estamos na fase do... it's on. Sim, eu sei, talvez tenhamos ido longe demais, mas esta é a pura e simples verdade: it's on. It's very on. Não tem como voltar atrás agora. It's on, afinal.

A coisa a respeito da guerras, entretanto, é que quanto mais ela escalona, maiores são as chances dela causar danos irreversíveis a todo ambiente ao redor dela. No século passado, Estados Unidos e União Soviética chegaramm muito perto de iniciar uma guerra nuclear que tornaria toda a Terra inabitavel pelos próximos 50 milhões de anos. Do mesmo modo, em sua guerra particular contra a minha persona lirica, a Sega liberou uma das suas maiores e mais poderosas armas: Night Trap.

E isso quase matou toda indústria dos videogames para sempre.




Nossa história começa em 1985, quando a indústria dos videojogos era nada senão escombros e um tiozinho vendendo Tupperware na esquina. Após todo o fiasco da Atari, as pessoas não queriam mais sequer ouvir falar de videogames e apenas uma empresa japonesa esquisita - uma tal de Nintendo - tentava vender um videogame como se fosse um brinquedo. É, como se isso fosse dar certo, chapa.

Mas então, neste ano, os caras da Atari (Rob Fulop, James Riley e o próprio fundador da empresa, Nolan Bushnell) estavam ali, vendo o mato crescer e pensando no que iriam fazer da vida dali para frente já que esse barco tinha mais do que afundado. Enquanto pensavam sobre o futuro, Rob e Riley foram assistir uma peça de teatro experimental, chamada Tamara.


A coisa de Tamara é uma peça que ocorre ao longo de cinco palcos diferentes dentro de uma casa cenográfica, e cabe ao espectador andar pela casa e assistir as cenas que ele quiser acompanhar. Dependendo de quais personagens ele acompanhar e quais cenas ele ver, o espectador pode ter um entendimento diferente da história.

Rob e Riley pensaram que com esses nomes ele poderiam fazer uma dupla sertaneja, mas falhando isso também pensaram que poderiam transformar o conceito da peça em um videojogo. Naquela época já existiam jogos com imagens filmadas rodando a partir de um laser disc, como Dragon's Lair ou Space Pirates. O que eles precisavam fazer era apenas colocar várias cameras e deixar o jogador alternar entre elas para acompanhar o que ele quisesse da história.


Scene of Crime foi lançado posteriormente como material bonus na edição de 25 anos de Night Trap

O primeiro demo deles era um joguinho de cinco minutos chamado "Scene of Crime", e você seguia alguns personagens conversando em uma casa. No final, o dinheiro da casa é roubado e você tem que deduzir quem cometeu o crime com base no que ouviu a respeito. De posse dessa demo, nosso trio de heróis foi até Rhode Island onde apresentou o conceito de um novo brinquedo para ninguém menos do que a motherfucking Hasbro. Como eles não tinham desenhos de cavalinhos coloridos para arruinar aquela altura, um comito formado pelo John Hasbro em pessoa e 22 dos seus mais altos executivos eles ouviram a proposta e acharam interessante. Começou assim a produção do jogo.

Algumas coisas foram alteradas do conceito original: agora o cenário seria uma mansão onde uma jovem herdeira milionária e suas amigas estavam tendo uma festa do pijama quando ninjas as atacam. Mas quem estaria por trás de tal vilania para por as mãos no dinheiro da moçoila? Eventualmente essa ideia foi mudando e os ninjas se transformaram em vampiros, porque isso de alguma forma faz sentido.


A Hasbro, que estava bancando a brincadeira a essa altura, quando foi informada disso soltou um "Hãn..." e disse que ok, mas os vampiros não poderiam cometer nenhum tipo de violencia reproduzivel e nem serem muito ameaçadores - eles queriam um brinquedo para toda familia, não um motherfucking filme de terror, afinal. Assim os vampiros foram chamados de "Augs" e eles se movem daquele jeito inofensivo que vemos no produto final. Adicionalmente eles usam um aparelho para drenar o sangue das vitimas, para evitar violencia fisica como mordidas - tal qual a Hasbro havia pedido.

Night Trap foi filmado em Culver City na, Califórnia, durante 16 dias em 1987, com a edição levando mais alguns meses. O filme foi dirigido pelo próprio James Riley e curiosamente o diretor de fotografia foi Don Burgess, que mais tarde ficou mundialmente famoso como diretor de fotografia do premiado Forrest Gump em 1994.

Weird Eddy, descrito pelas garotas no jogo como "cute". Pois é.


A Hasbro achou, no entanto, que essa formula precisava de uma apimentada e que o jogador precisava fazer alguma coisa para o brinquedo ficar interessante ao invés de ficar apenas assistindo cameras. Assim, veio a coisa de ativar armadilhas para proteger as moçoilas e sua slumber party girls.

Tudo muito bom, tudo muito bem, e assim o projeto foi terminado. Só havia um problema, entretanto: a Hasbro não conseguiu desenvolver um brinquedo comercialmente viavel para veicular o joguete. A Hasbro estimou que a brincadeira não sairia por menos de 300 doletas o aparelho, algo que jamais seria economicamente viavel. A única solução seria fazer um videogame, e isso não dá dinheiro a menos que você invista em fazer jogos e ganhar com isso (naquela época fazer consoles não dava dinheiro, um fato que é verdade até hoje). Naturalmente a Hasbro não estava interessada e mesmo já tendo 4,5 milhões de dolares no projeto (1,5 milhões em Night Trap e 3 milhões em um projeto paralelo que falarei outro dia chama Sewer Shark) mandou arquivar a coisa toda.

E assim Night Trap foi encerrado em um cofre para jamais voltar a ver a luz do Sol novamente, talvez para o melhor assim...


 Ou teria sido. Sabe aqueles filmes em que um mal ancestral foi a muito selado, apenas para ser libertado nos dias atuais por um paspalhão incauto? Bem, o idiota aqui seria, obviamente a Sega. Isso porque nos anos 90 a Sega teve uma das ideias mais imbecis da sua longa lista de ideias imbecis: lançou um acessório para rodar CDs no Mega Drive.

ISSO NÃO É IMBECIL, ISSO É AWESOME! CDS SÃO UM MILHÃO DE VEZES MAIS BARATOS QUE CARTUCHOS E TEM 500 VEZES MAIS ESPAÇO, É O FUTURO!

Tudo isso é verdade. Mas também é verdade que a Sega achou que o melhor uso dessa tecnologia seria... lançar os mesmos jogos do Sega CD para Mega Drive. E depois não entendeu porque ninguém quis comprar o seu acessório que custa o preço de três videogames.

E por mais que eu adore zoar a Sega, isso não é zoeira: isso aconteceu exatamente dessa maneira. Apenas mais de um ano e meio tomando preju com o Sega CD, que a Sega considerou que talvez, apenas talvez, seria interessante lançar jogos exclusivos para o sistema. Mas... da onde ela tiraria um jogo em CD?


Love is easy by the light of day, 
You get the boys to play away 
Thoughts are down when darkness falls, 
Passion burns and danger calls 
So don't go out, if you dare... 
You better be good, You better beware! 
 Night Trap! That boy will find you! 
Night Trap!

Aquele ponto o projeto Night Trap já havia trocado de mãos meia duzia de vezes - obviamente que a Hasbro não ia deixar um produto pronto parado, eles venderam para quem tivesse interesse em comprar. E essa seria a Zito, uma empresa que estava se preparando para lançar jogos para o Super Nintendo CD e por isso adquiria direitos de tralhas como essas.

Quando a parceria entre a Nintendo e a Sony deu pra trás e nunca foi lançado (alias até foi, mas não da forma que a Nintendo gostaria XD), a Zito decidiu embarcar na SegaCDmania. E foi assim que Night Trap parou no Sega CD junto com tantos outros.

Mas o destino de Night Trap não foi como o de tantos outros, pois este jogo é um dos três cavaleiros do apocalipse que trouxeram a atenção do governo americano para os videojogos.


Como você já deve saber a essa altura, os americanos são absolutamente tolerantes com violência e não ligam tanto realmente para isso. Agora se tem algo que dispara furia e ranger de dentes, a ira da danação dos céus e o apocalipse vindouro, é o minimo de sexualização que seja. Aí suas origens conservadoras protestantes enloquecem de vez, ao ponto hoje - em 2019 - é plenamente aceitavel andar por aí carregando uma arma carregada, mas amamentar em publico é um dos tabus mais severos que se pode imaginar. 

Se fosse apenas pela violência, provavelmente o governo não teria se interessado pela questão. Mas Night Trap tinha cenas absurdas e ultra sensualizadas como essa:

Não, a imagem não está errada: a definição do Sega CD era essa mesma

Ou essa:

Essa imagem de resolução melhor só esta disponível após uma remasterização pesada dos VHS originais, lançada na versão comemorativa de 25 anos na Steam
Como South Park tão bem ilustrou, Americanos podem tolerar muitos tipos de violencia e degradação humana, mas não qualquer coisa relacionado ao corpo humano. Porque é assim que é a América rola.

O rolo das audiencias do senado americano que levou a criação do comite de classificação etaria eu já contei no texto sobre Mortal Kombat , mas de qualquer jeito eu gosto de recomendar os videos do Gaming Historian:



Por muito pouco o martelão da censura governamental não desceu sobre os videojogos, foi praticamente um milagre que naquela epoca, aquela comissão foi presidida por um politico que não era um completo retardado mental. Quer dizer, sério, as chances disso ter dado certo eram muito, muito pequenas.

Mas enfim, isso é a história, mas e o joguete em si?

Olha, tenho que te dizer que Night Trap - o jogo - é até mais interessante do que eu poderia esperar. De fato sempre tem algo interessante acontecendo na casa, algumas são relacionadas com a história, outras são apenas garotas fazendo a pior interpretação de festa do pijama da história dos videogames. Sério, é dificil dizer que ponto o jogo é uma homenagem aos filmes trash e que parte é só ruindade das atuações mesmo. Uma mistura de ambos, eu suponho.

Em uma virada inesperada de eventos, a capa japonesa do jogo é bem pior que a americana

Eu entendo que não é algo que pode ser universalmente apreciado, dado que não é um jogo com uma história particularmente intrigante (ou mesmo apenas boa), mas ainda sim acho que vale como experiencia. Apenas a titulo de curiosidade, anos mais tarde esse conceito foi melhor executado com um jogo bem melhor escrito: TACOMA.

A coisa que me incomodou mais durante o jogo foi justamente que você não consegue "jogar" o jogo (ou seja, ativar as armadilhas para capturar os augs) e acompanhar a história ao mesmo tempo, mas pensando melhor suponho que isso não seja um problema realmente. Videogames eram caros naquela época e tinham pouco conteúdo, então o jogo ser feito para ser jogado varias vezes não me parece a coisa mais fora de propósito do mundo.

Muitas pessoas reclamam da falta de gameplay per se, mas eu realmente não acho que esse o problema aqui. Ou, fazendo minhas as palavras do criador Rob Fulop:

"Comparing Night Trap to a traditional video game is like comparing American Idol to Star Wars," he says. "They are two totally different experiences offered on different platforms to different audiences. Nobody intended Night Trap to hold up to a traditional game. The intent of the 'movie game' genre was to go after the 95 percent of the people in the world who don’t play traditional video games. So throwing rocks at such a thing and claiming that the gameplay doesn’t hold up compared to DOOM is silly. That said, we hardly created a breakthrough form of interactive entertainment. We took a shot, it didn’t go very far, end of story. But we never for one second thought we were making something that should be compared to a real video game. A game reviewer complaining that Night Trap isn’t a fun enough game is like a film critic complaining that a game show doesn’t have enough action scenes."

 Sinceramente, eu esperava muito pior.

MATERIA NA AÇÃO GAMES
Edição 030


 

Edição 031 


MATERIA NA GAMERS
ANTIGA GAMERS EDIÇÃO 002


Edição 002




MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 003