Eis então que chegamos a um jogo que eu não estava particularmente ansioso por jogar, mas definitivamente é um assunto que eu queria falar. O primeiro, único, o gato gordo favorito de todos... Garfield!
Quando eu era criança Garfield era um dos meus desenhos favoritos. Não pq eu sou muito a cat person, mas pq Garfield era diferente de praticamente qualquer outra coisa: o protagonista é absurdamente preguiçoso, sarcástico e até filho da puta. Quero dizer, saca só:
Suponho que também como um garoto gordo, o Garfield é o mais perto que eu tive de um protagonista com o qual eu pudesse me identificar - não o alivio comico, mas sim a estrela da porra toda. Mas divago, o que eu não sabia quando era criança, entretanto, é que Garfield tinha uma história na vida real bem mais interessante do que pode parecer a primeira vista.
Isso porque quando Garfield foi criado em 1978, a tirinha do Garfield não era sobre o Garfield! Tan-dan-daaaaaaan!
Eu sei que parece loucura, mas escuta só: Jim Davis criou uma tirinha sobre um cartunista freelancer inenarravelmente loser que desabafa com o seu gato sobre o quão ferrado ele é. E o gato sendo um gato, em pensamento está pouco se fodendo pra ele a menos que ele queira alguma coisa. Because gatos.
Enquanto nós vemos os pensamentos do Garfield pra propositos comicos, pro Jon o Garfield é apenas um gato. E ele não fazia muita coisa, a tirinha era sobre as desventuras loseristicas de um artista fracassado profissional e romanticamente - o que, suponho que não é grande mistério aqui, Jim Davis deve ter tirado inspiração de fontes bem próximas a ele, vulgo sua própria vida.
Para ilustrar esse ponto, o site Garfield Minus Garfield até editou o gato fora das tirinhas pra ressaltar o quão triste é a vida de um homem solteiro falando sozinho com seu gato:
Mas suponho que, embora seja assim que Garfield começou, não foi assim que você conheceu as aventuras do gato laranja. Então o que mudou? Bem, a versão resumida é que o "efeito Minions" aconteceu: as crianças enloqueceram com o sidekick a ponto que ele se tornou o ponto principal da história. Sabe como Meu Malvado Favorito virou algo completamente sobre o Minions que eram apenas capangas engraçadinhos? A mesma coisa aconteceu com Garfield.
Com efeito aconteceu tanto e tão profundamente que Garfield ainda hoje detem o recorde do Guinesse de tirinha de jornal mais publicada do mundo, assim como Jim Davis se afastou das tirinhas para gerenciar uma empresa criada exclusivamente para gerenciar os produtos da marca: camisetas, mochilas, cadernos, desenho animado, bonecos, board games, video games (senão não teria esse texto, né) e tudo mais que você puder imaginar. E eu quero dizer literalmente tudo:
Então, obviamente que a tirinha - e a franquia toda a esse ponto - passou a ser sobre o Garfield, o que é meio complicado, pq o ponto do personagem é justamente que ele não faz coisas. Felizmente para os criadores, entretanto, as pessoas meio que não se importam com isso desde que tenha um gato laranja fofinho
Você pode argumentar que Garfield não é uma tirinha particularmente engraçada... porque bem, não é. O que é compreensível, eu quero ver você tentar ser engraçado depois de mais de quinze mil tirinhas - especialmente quando você não tem muito com o que trabalhar pra começo de conversa.
Quer dizer, todo mundo já ouviu Garfield dizer que odeia segundas-feira, só que menos gente sabe que em seu desespero para continuar fazendo alguma coisa, Garfield também odeia terças-feira, janeiros e fevereiros agora. O que pode parecer apenas uma paródia, mas na realidade é o mais puro desespero de fazer mais de QUINZE MIL tirinhas.
Isso não quer dizer que tudo que se faz com Garfield é ruim, embora seja dificil não pensar nos filmes atuais, apenas que existe um número limitado de coisas que você pode fazer com esse conceito. E eu acho que uma das melhores execuções são os cartoons dos anos 90: eles são bem fieis ao conceito que o Garfield não quer realmente fazer nada - a confusão que vem até ele - e quando ele tem que fazer alguma coisa ele é meio cuzão a respeito disso. Esse definitivamente é o Garfield que todos conhecemos e amamos.
Agora, já que estamos falando de coisas boas feitas com Garfield, eu quero falar da minha favorita: "Garfield: His 9 Lives". O livro é sobre, como o nome pode sugerir, as 9 vidas de Garfield (que como todos os gatos tem 9 vidas) ao longo da história, e eu quero dizer literalmente ao longo da história: do Jardim do Eden, passando pela pré-história, o Egito Antiga, a coisa toda até a última vida na era espacial (o Garfield que conhecemos é sua oitava vida, como um gato nos anos 80).
Agora a coisa é que o livro de 1984 que funciona da seguinte maneira: o livro não é apenas o Garfield em outros cenários. Quer dizer, em alguns é (como o Garfield sendo ele mesmo só que no Egito antigo), mas sim ele é uma antologia de histórias sobre gatos que não tem relação nenhuma com o personagem. Em uma delas, por exemplo, ele é uma gato cobaia de laboratório que foge do laboratório, é caçado pelo governo enquanto desperta instintos selvagens e o transformam em um shapeshifter.
E a internet sendo a internet, por algum motivo existe uma trend de quadrinhos mostrando o Garfield como uma abominação lovecraftiana assombrando o Jon. Claro que tem. |
Cada artista não apenas contribui com sua história para a antologia, como cada história tem tem próprio estilo de escrita e traço próprios - é meio que como Love, Death and Robots só que sobre gatos. Na oitava vida, que é a atual, mostra inclusive a mãe dele e como ele nasceu na cozinha de um restaurante italiano - é por isso que ele gosta tanto de lasanha alias - antes de ser colocado pra adoção e ir parar na casa do Jon.
E dessas histórias, de longe a que mais me marcou quando eu assisti a versão para video que eu aluguei quando era criança (pq, como eu disse, eu adorava o Garfield) foi a sexta vida do Garfield - o curta chamado "Diana's Piano". E sem mentira pra vocês, é uma das coisas mais bonitas já feitas em animação que eu vi na vida.
Quando criança, essa a das primeiras vezes que me lembro de assistir algo tão triste e chorar copiosamente. Mas foi tão triste quanto bonito, e quem diz que crianças tem que ser "protegidas" de coisas triste é um idiota. Quando eu reassisti esse curta essa semana para escrever esse texto, trinta anos depois, eu chorei como da primeira vez que eu assisti aos 8 - com efeito, eu não lembrava de nenhuma outra vida tão vividamente.
A história aqui é sobre uma menina que no seu aniversário ganha dois presentes: um piano e um gata branca que ela chama de Diana (e que é a sexta encarnação do Garfield) e que se tornam as duas grandes paixões da sua vida. E o curta é sobre a vida das duas e as coisas que acontecem nela: a menina cresce, vai para a faculdade, se casa, tem um filho, tudo contado sobre a ótica do quanto ela ama a música e ama sua gata Diana até a última noite de Diana nesse mundo.
Cara, sabe a introdução de Up que conta resumidamente a vida do Carl e sua esposa em poucos minutos, e é a coisa mais bonita que a Pixar já fez na vida? Bem, imagine isso mas com a vida de um bichinho de estimação. Ou seja, muito melhor.
Nossa, é muito forte e muito bonito, só de lembrar disso para escrever esses paragrafos eu estou chorando como se estivesse lutando contra um exército de cebolas - especialmente porque eu tenho um cachorro que já esta ficando velhinho, então suponho que eu não precise explicar o quanto esse tipo de coisa me afeta..
Mas bem, marcar minha infancia pra sempre (alias não só a minha, na sessão de comentários muita gente disse que só lembrava desse curta e nenhum dos outros) não foi a única consequencia desse 9 Lives em particular. Isso porque Jim Davis tinha particular orgulho desse projeto, e quando sua empresa de merchandising fechou um acordo com a Sega para fazer um jogo de Garfield para Mega Drive, ele não titubeou em escolher 9 Lives como material para o jogo.
O que é uma escolha que faz sentido, se você pensar sobre isso, porque é a forma mais fácil de colocar Garfield em cenários variados dado que as ideias já estão prontas. Com efeito, muitos dos curtas do livro e da animação - que não são as mesmas, Diana's Piano é exclusivo da animação e em compensação o livro tem uma versão de filme noir.
Com efeito, Jim Davis gostava tanto dessa ideia - somado ao fato que ele gostava de videogames tambem - que ele desenhou pessoalmente os sprites desse jogo. Então se esse jogo parece realmente uma tirinha de Garfield, é pq foi literalmente desenhado pelo homem em pessoa. Kudos a Sega por isso, bola dentro.
O problemaaaaaaaa é que enquanto esse jogo é realmente muito vistoso... isso é meio tudo que ele é realmente. Porque o gameplay... minha Santa Margarida da Escócia... esse é um daqueles jogos que os controles são melhor descritos como NOJENTOS.
Tá, okay, o jogo é sobre um gato lerdo e preguiçoso, mas o problema é que o jogo responde de forma lerda e preguiçosa também. Eu elogio vocês pelo comprometimento com o personagem, mas quando você aperta um botão e parece que o comando tem que passar por um comite soviético antes de acontecer alguma coisa.
Se isso ainda fosse o preço a se pagar para um jogo de plataforma revolucionário e único ainda seria discutível, mas esse jogo do Garfield não tem nada de especial. Um botão pula, um ataque melee com alcance bem questionável e um ataque de projetil bastante genérico okay. Ou seja o jogo que a esse ponto de 1995 já foi jogado 8 quadrizilhões de vezes só que com controles ruins.
Adicione a isso um level design que eu posso jurar pra vocês que já vi exatamente igual em pelo menos 15 jogos de Mega Drive e o resultado é um jogo indescritivelmente esquecível, namorando com o péssimo... mas que tem gráficos bonitos e hey, todo mundo gosta do Garfield. Isso deve ser suficiente, certo? Certo?
Bem, não é.