[#846][SCD/PS1] LUNAR 2: Eternal Blue [Dezembro de 1994]
Essa contracapa limpa da versão americana de PS1 é algo que definitivamente deveria ser feito mais vezes
Nos mundo dos RPGs japoneses, o termo "continuação" é usado de forma muito vaga. Muitas vezes, o único elo real entre dois jogos em uma série é o título e algumas referências mais ou menos obscuras lançadas aqui e ali. Muitas vezes eles acontecem em mundos diferentes (assumimos) e apresentam personagens, enredos e temas que têm pouco ou nada a ver com as edições anteriores.
Não é muito dificil imaginar o porque disso: jRPGs usualmente duram dezenas de horas e como tal contam histórias completas com começo, meio e fim. De modo que os seus criadores sentirem que já disseram tudo que queriam dizer sobre aquele mundo não é realmente surpreendente.
Isso é parte do que torna Lunar 2 interessante: ao contrário de tantas outras franquias de RPG, Eternal Blue não deixa o mundo original ser consumido pelas areias do tempo. Embora a continuação não dê uma data exata (tem uma referencia que te permite calcular que se passa 16 gerações depois, ou seja aproximadamente 400 anos) Alex, Nall e amigos não foram esquecidos.
Ao viajar pelo novo mundo de Lunar, você notará alguns marcos familiares, cruzará as mesmas cidades e até encontrará alguns descendentes dos heróis originais. Visitar a loja de Ramus em Meribia ou a família Ausa na mansão Vane. A oeste de estão as ruinas de Vane fica o Pico de Taben, que é na realidade as ruínas da Grindery. Existem até participações especiais de alguns dos personagens de Silver Star Story que fazem sentido ainda estarem vivos 400 anos depois.
Mesmo para os padrões dos jRPGs esse é um chefe final... único, vamos dizer assim
Com efeito, as melhores partes desse jogo e as que mais me emocionaram foram as referencias ao jogo original - como uma cena onde aparece uma Luna já idosa, tendo vivido uma vida longa e feliz. E enquanto esse tipo de coisa realmente me fez feliz, também acendeu o alerta amarelo para esse jogo: se as melhores partes dele são as referencias ao original, algo errado não está certo.
Lunar 2 passa um feeling bastante de A Lenda de Korra, que você assiste para ver as referencias ao original apenas para perceber que não está se importando tanto com as coisas novas introduzidas - e quando isso acontece mesmo alguém que é totalmente contra fechar seu coração para novas experiencias por causa do bullshit de "antigamente tudo era melhor", algo que eu abomino... então definitivamente algo errado não está certo aqui.
Mecanicamente, a grande diferença agora é que você tem um membro extra no grupo (a Lucia) que você não controla no combate, mas ela revida se for atingida (seja com cura ou causando dano), então enquanto você não controla ela você coloca-la na frente pra absorver ataques e revidar... operação escudo-Lucia, ativar!
Uma obra original usualmente fica anos, as vezes decadas, cozinhando na cabeça de seus criadores antes de ser realizada. Literalmente você coloca sua experiencia de vida em um projeto, e isso é algo que você só pode fazer um determinado número de vezes (a menos que você seja um fora de série, mas como o próprio nome sugere, isso é raro). Então a solução mais simples para fazer uma continuação em apenas um ano (ou dois, no caso de Lunar) é pegar os elementos do original e replica-los numa escala maior.
Maior, mais barulhento, com mais coisa em jogo, os riscos agora são maiores, os vilões mais ameaçadores, as ideias são mais complexas, a duração é maior, mais dungeons, mais cutscenes, mais dialogos, enfim, como diria o Daft Punk: Harder, Better, Faster, Stronger.
Poe Sword. Tira Sword. Poe Sword. Tira Sword. Quantas vezes vocês acham que eu fiz essa piada durante o jogo?
... e isso é literalmente o oposto do que fez o LUNAR: The Silver Star Story original funcionar. Eu escrevi bastante sobre isso no texto de LUNAR: The Silver Star Story, mas o que faz esse jogo funcionar é que ele é um jogo indescritivelmente simples mas em compensação sua simplicidade é feita com tanto carinho e atenção que não tem como você não se apaixonar.
O melhor exemplo disso é que Luna não é uma personagem terrivelmente complexa, mas sua simplicidade de não saber quem - ou mesmo o que - ela é gera uma das cenas mais bonitas da história dos videogames:
Na continuação, Lucia é uma personagem conceitualmente muito mais ambiociosa: ela é transportada da Blue Star para Lunar completamente vazia emocionalmente - ela é pouco mais do que uma máquina no corpo de uma novinha - e ao longo da sua jornada vai aprender sobre sentimentos e a complexidade das relações humanas. Okay, definitivamente Lucia não é a primeira kuudere na história as produções japonesas, mas isso sempre é muito dificil de executar sem que a sua personagem não termine escrita de uma forma que grita "anime mediocre" a plenos pulmões.
Para cada Ayanami Rei, temos pelo menos 20 das garotinhas "eu não me importo" tão edgys de Angel Beats. Não é algo fácil de executar, portanto ambicioso.
E de igual modo, todos os personagens aqui são conceitualmente mais ambiciosos do que suas contrapartes originais. Ronfar pode parecer apenas o seu tipico "beberrrão que dá em cima das mulheres" de anime, mas ele é um ex-sacerdote que perdeu sua fé devido a um evento trágico em seu passado. Lemina pode parecer apenas a sua tipica tsundere de anime que só se importa com dinheiro e nem quer ser sua amiga nem nada, baka, mas toda sua pose de nobre rica e mimada é apenas pose mesmo: Vane da onde ela vem (e se orgulha) hoje é um lugar pobre que tem apenas ruínas de um passado glorioso e mágico.
Nossa história começa quando o explorador de tumbas Hiro encontra uma novinha pelada em uma tumba, e decide que vai até o fim do mundo por ela pq ela é muito cocotinha. Eu não estou zoando, essa é a motivação dele GADO DEMAIS VÉI!!!
É esse tipo de coisa que eu quero dizer quando eu digo que esse jogo tenta coisas maiores, mais grandiosas, mais barulhentas que o seu original... e esse é meio que o problema aqui, eu não acho que eles tem o necessário (ou pelo menos não tiveram o tempo necessário) para desenvolver as ideias com o mesmo nível de carinho e cuidado do original.
A história aqui é estruturada para que cada personagem tenha um "par", ou contraparte, e esse personagem é essencialmente o único com quem eles interagem de maneira significativa (no sentido de que os personagens e seu relacionamento crescem com essa interação). No original, por exemplo, Jessica e Kyle são obviamente um par (e seu bickering é delicioso), mas Jessica também é uma grande amiga de Mia e perde seus marmores com as pataquadas do Nash. Agora Jean, por exemplo, meio que só ativa nas cutscenes da história dela com o Mestre Lunn (o NPC que é o "par" dela nesse jogo) e eventualmente em algum quip com o Ronfar. Como resultado, além do fato de que nunca os vemos crescer como um grupo, coisas que podem ser cruciais para as respectivas histórias dos personagens muitas vezes nunca são realmente exploradas.
PQ ELE É GADO D++++++++
Ainda falando da Jean, por exemplo, aparentemente apesar do seu jeito extrovertido e ultraconfiante ela chora à noite. Sabemos disso apenas porque algum membro aleatório de sua trupe nos diz isso (se falarmos com ele, é claro). Agora, se essa história tivesse sido bem feita, a party teria ficado em uma estalagem ou acampado em algum momento (como em Lunar vc recupera HP nas estatuas de Althena, parece que esses caras nunca dormem... mas divago) e alguém a teria ouvido chorar, e ido falar com ela. Isso teria dado a ambos mais profundidade, e também teria dado uma excelente cena para o jogo.
Mas como nada do tipo acontece, o resultado é que Jean apenas parece muito alegre para alguém com um passado tão sombrio, até que chega alguma cutscene que o passado dela "ativa". Não é o mesmo nível de carinho e atenção na escrita que fez eu me apaixonar por LUNAR: The Silver Star Story, isso eu posso dizer.
Não entendeu pq tu é... vcs já sabem
Ainda nesse campo, a outra coisa que me incomoda nesse jogo é que o ritmo da história é muito exaustivo. Durante toda a jornada para Pentagulia (que compõe todo primeiro CD), eu não pude deixar de sentir que nada realmente acontecia que movia a trama adiante. Era como se eu estivesse assistindo a inúmeros episódios fillers de um anime genérico. Claro, os personagens foram apresentados um a um em vários cenários diferentes, mas uma vez que eles se juntavam a party, nada de significativo foi feito com eles até que eles se encontrassem com seus respectivos "pares", e você pode facilmente dizer que o enredo fica parado a maior parte da história.
Sabe o que esse jogo me lembrou? Dangarompa 2: Goodbye Despair. Quando você joga D2 é bem fácil notar que o ato final era a parte do jogo que os seus criadores queriam realmente fazer e a parte dos assassinatos antes disso é apenas "ah tem que ter alguma coisa, né? Enche linguiça ae então". Lunar 2 com suas looooongas dungeons (que são bem tacanhas com MP, e isso torna o jogo bem mais dificil do que ele precisava ser) tem essa mesma vibe, o ato final do jogo no terceiro CD é claramente a história que eles queriam contar, mas a jornada até lá tem uma sensação bem de filler.
Eeeee ooooooo vida de gad... hã, tá, entendi agora.
Eu não me importo que uma história seja movida pelos personagens mais do que pelos eventos (tanto que FINAL FANTASY 6é um dos meus jogos favoritos da vida), mas se for assim então você tem que desenvolver esses personagens adequadamente ao longo do jogo, e Lunar 2 simplesmente não faz isso.
E ajuda menos ainda que a tradução da Working Designs não ajuda. As traduções deles sempre foram... coloridas... e repletas de adaptações para o publico americano dos anos 90 achar engraçadalho, mas aqui parece que eles se apaixonaram completamente pela sua própria graçódia e é muito dificil ter uma cena que não termine em uma piadoca pra quebrar o clima. É tipo assistir Guardians of the Galaxy 2 que qualquer assunto emocionalmente sério precisava terminar com algo tipo "vou dar uma mijada", a tradução de Lunar 2 é mais ou menos nessa pegada.
Olha, se você quer contar uma história mais épica, mais dramatica, com mais coisas em jogo - como é o escopo dessa continuação bigger - e se você quer que o jogador aceite a ideia de pessoas sofrendo, então você simplesmente não pode os personagens constantemente fazendo piadas sobre tudo. Isso torna impossível levar a sério suas supostas dificuldades.
UAU, MAIS DE 1600 PALAVRAS E VOCÊ SÓ RECLAMOU DO JOGO, DEVE REALMENTE TER ODIADO ELE...
Então, não. Eu não odeio Eternal Blue. E enquanto é verdade que ele não se compara emocionalmente a um jogo feito com tanto carinho quanto o Lunar original, não é um jogo ruim realmente.
Pra começar, e mais importante, aquele sistema de inventário desgraçado de ruim foi corrigido. Sabe aquela parte onde cada personagem só podia carregar 5 itens e você tinha que gerenciar item por item com uma burocracia soviética? Eles deixaram essa palhaçada de lado, agora o inventário é normal e os itens são stackaveis em pilhas de até 20. É pra glorificar de pé, igreja!
ALELUIA IRMÃO!!!
Falando em igreja, o conceito geral do cenário em si é algo que eu gostei bastante também: aproximadamente 400 anos depois, a igreja de Althena dominou o mundo. O problema é que, como qualquer religião que cresce demais, a igreja se tornou um proposito em si mesma e ela existe em função de estabelecer as suas regras, os seus preceitos, a sua burocracia. Os ensinamentos de Althena... quem é essa mesmo? Ah, a que mandava passar fogo em quem desobecesse a sua igreja, né?
Esse é um take bem interessante para o jogo, na real. Especialmente porque no jogo anterior você conheceu pessoalmente Althena e como ela se sentia a respeito das coisas, então é bem chocante ver o quão deturpada sua religião se tornou. Chocante mas não inesperado, porque é assim que as pessoas rolam... infelizmente.
É impressionante o número de pessoas hoje em dia que efetivamente acredita que a frase pela qual sua religião foi construída é "Ame o próximo como a ti mesmo, exceto se for preto ou viado, aí mete a porrada sem dó". Humanos...
Um dos personagens do grupo inclusive é um desses zelotes cujo arco de personagem é realizar que TALVEZ Althena não mandou ser um cuzão fascista, apenas talvez. Em um jogo mais enxuto, menos diluido por fillers e a tradução meio bocó da WA, teria sido um cenário realmente estelar. Não chega a ser ruim, contudo, é de fato um cenário interessante.
O sistema de combate também foi refinado, e agora a coisa das magias terem area e o posicionamento dos inimigos fazer diferença para o alcance do ataque corpo a corpo é levemente melhor, com você tendo um pouco mais de controle sobre isso (você pode usar alguns ataques especiais especificamente para posicionar o seu personagem, por exemplo). Mais importante que isso, agora seus comandos de combate dependem dos adversários enfrentados - o que deveria ser obvio, mas então no jogo anterior você usava os mesmos comandos toda santa luta não importava contra quem. Então é, o combate definitivamente melhorou...
Isso não é editado, toda troca de tela demora assim
... entretanto eu preciso dizer que a versão de Playstation cagou fora do balde com os loading times. TUDO nesse jogo leva quatro eras glaciais e meia para executar. Você seleciona os comandos, então o personagem fala sua fala, passa um ou dois segundos, e só então ele começa a se mexer para fazer o golpe. Agora imagine isso a cada luta do jogo e o resultado beira o enlouquecedor.
Isso sem contar que para trocar cada tela do jogo rola uma tela preta de alguns segundos, incluindo combates, o que faz a experiencia toda parecer se arrastar mais ainda - isso em um jogo que você já sente que está jogando 80% de fillers, yeah... not great, definitely not great. E enquanto eu não joguei a versão original de Sega CD, eu posso imaginar que os mesmos problemas existem dado que eu encontrei versões romhacks desse jogo na internet se propondo a consertar os mesmissimos problemas.
Meu deus como tudo nesse jogo é devagaaaaaaar
Mas tá, eu disse que ia focar nos aspectos positivos do jogo, então aqui vai outra coisa bastante positiva: esse é o jogo com o maior número de cutscenes em anime que eu lembro de ter visto. Isso porque enquanto o jogo original tinha apenas alguns minutos de anime e audio gravado, aqui ao longo dos 3 CDs do jogo são quase uma hora de animação e dialogo com audio. Isso tudo feito pelo competente estúdio Gonzo que pode não ser grande coisa hoje em dia, mas no começo dos anos 2000 era um dos grandes estúdios de animação japonesa com obras que eu gosto muito como Welcome to N.H.K., Saikano e o clipe do Linkin Park "Breaking the Habit"
Outra coisa extremamente positiva a respeito desse jogo é que a versão ocidental dele era vendida em um "pacote deluxe", repleta de coisas interessantes: além dos três CDs do jogo vinha também um CD de trilha sonora com música arranjada e expandida, um CD com o documentário "Making of Lunar 2", um manual de capa dura e livro de arte de Lunar 2, um mapa de papel com estatísticas em na parte de trás, um pingente de Lucia's dourado metálico em tamanho real e quatro miniaturas dos personagens. Ah, e isso não é tudo. Pra quem fizesse a preorder ainda vinha de brinde um fantoche Lango-Lango do Ghalleon. Ufa, isso que é conteúdo pra fazer o seu dinheiro valer, heim?
Bem, o resumo da coisa é que Lunar 2 não chega a ser um jogo ruim, mas também não esconde que é uma continuação feita um ano depois. Lunar 1 misturava segmentos de história com segmentos de dungeon em uma proporção quase perfeita. Lunar 2, por outro lado, joga muito pouca história entre as longas masmorras onde seu MP nunca vai ser suficiente, dando a todo o jogo uma sensação de arrastado. O problema, embora seja um grande incômodo, não chega a quebrar o jogo, mas exigirá muito mais paciência.
Narrativamente, Lunar 2 se afasta muito de suas raízes tentando uma história muito maior e mais épica, e que enquanto não é ruim oferece um desempenho menos espetacular que seu antecessor. De todos os RPGs já feitos pela raça humana, podemos afimar Lunar 2 definitivamente é um deles.