Eu quero te pedir um favor: feche seus olhos... e vou esperar você abrir de novo porque isso é um texto né... e imagine um tipico robo gigante de anime. Obviamente que o que você pensou foi isso, claro:
... hã, não? Você não imaginou um robo daqueles bem durões que parecem saídos dos filmes de ficção dos anos 50? Você está me dizendo um robo com fins mais militares com metralhadoras, canhões e quem sabe uma lamina capaz de cortar metal como se fosse papel?
Eu estou falando de coisas tipo uma colonia orbital inteira ser jogava em cima de Sidney, por exemplo |
Nada diz mais a época que esse anime foi feito que o fato do uniforme das mulheres ser rosa e dos homens ser azul |
Ramba Ral, o mais legal dos oficiais Zeon. Vc era muito awesome para esse mundo |
Mas mesmo quando você não leva em consideração a qualidade da animação, esta é uma série com vários problemas. Embora mais curto do que o número médio de episódios para uma série de Gundam hoje (50 ou mais), acho que o MSG se beneficiaria de ter ainda menos. A série tem um começo muito bom e se mantem por um tempo antes de começar a arrastar de forma terrível. O ultimo terço melhora bastante, mas não é tão bom quanto o começo e o fim é meio seco.
O que faz a série arrastar tanto é que ela essencialmente se torna um comercial de brinquedos, e não de uma forma boa. Infelizmente, por volta do episódio 10, se revela que o cockpit do Gundam é na verdade um Core Booster (pense em um caça espacial) que pode ser usado como cockpit para o Guntank, o Guncannon e o Gundam. É a ideia mais descarada para vender brinquedos de toda série, mas eu realmente comecei a odiá-la quando percebi o uso recorrente da sequência de transformação na série.
Além de ver o segmento repetido várias vezes (ocasionalmente várias vezes em um único episódio), não fazia nenhum sentido a estratégia idiota de enviar Amuro, a única pessoa a bordo da White Base que sabia pilotar o Gundam, em um mobile suit diferente apenas para no meio da luta ter que transferir ele pro Gundam.
As coisas ficam ainda piores mais tarde, à medida que mais brinquedos pra vender mobile suits são dados à tripulação da White Base com mais tempo sendo gastos em transformações que vc sabe que não vão dar em nada.
Climão, meu |
No final do dia, porém, esta série não é lembrada com carinho por sua animação ou uso de sequências transformadoras de Gundam. As pessoas se lembram do MSG por causa da história e como os personagens são tratados. Eles se lembram da série por causa de como o realismo foi incorporado a narrativa de robos gigantes, de como a guerra é representada nessa série.
Sendo uma série longa, existem vários arcos episódicos aqui e ali, alguns dos quais não importam para a história maior, mas esses arcos contribuem para o desenvolvimento dos personagens. É bastante sofisticado para uma série de anime robôs gigantes basicanebte porque não é apenas um anime sobre robôs gigantes. É sobre personagens e como a guerra influencia e impacta os seres humanos.
O desenvolvimento de Amuro ao longo da série em particular é fascinante de assistir. As mudanças que ele enfrentou durante a série me afetaram também. Eu me importei com, fiquei com raiva dele e e tive pena dele. Personagens complexos geram reações complexas dos espectadores e esta série é um exemplo disso.
Um arco que me marcou bastante é um que a White Base visita a cidade onde a mãe do Amuro mora. Isso é mais pra metade da série, ele já tá endurecido depois de tantas batalhas e matar tanta gente. Então os agentes da Zeon descobrem ele ali, e para que a cidade não fosse punida por estar acobertando soldados da Federação puxa sua pistola e mete chumbo nos caras sem piscar.
O Amuro do começo da série não teria feito isso, ele teria hesitado ou mesmo se negado. Mas não foi esse ponto que me marcou, e sim que a mãe dele testemunha aquilo e fica horrorizada ao ver o que o filho dela se tornou e é aí que cai a ficha do Amuro, ao ver sua mãe chorando ao olhar pra ele, que puxar uma arma e meter dois tiros no peito de um cara como se não fosse nada mais que um inconveniente era algo horrível. Ele havia se transformado em um monstro e foge com horror de si mesmo.
Alias o Amuro é um bom termometro para a série, pq como ele começa como civil reflete bem só os efeitos da guerra não apenas na personalidade dele como na sua relação com os outros. Ele e o capitão da White Base, o Bright, tem uma relação que vai se deteriorando com o tempo devido ao stresse da situação e conforme o Amuro vai vencendo mais batalhas e se tornando mais renomado ao ponto que os Zeon chamam o Gundam de "demonio branco", ele vai ficando mais convencido e arrogante. Tem um arco que ele bate boca com o capitão justamente pq ele está estrelinha demais e não está obedecendo a cadeia de comando militar, então o Amuro e decide ir embora e levar o Gundam junto.
Quando ele volta, a recepção de braços abertos que ele recebe é ... prisão na solitária até calçar as sandálias da humildade, tá achando que o exército é putaria mermão?
E o tabefe come solto nessa série, o capitão Bright mantém a ordem na White Base literalmente na mão grande |
Tem outra cena que mostra bem o quão forte é essa série, que é quando um grupo de inimigos Zeon decide como último recurso tentar um ataque suicida contra a White Base. Eles sabem que provavelmente o poder de fogo da White Base vai transformar eles em passoca antes que consigam causar qualquer estrago... mas é a última coisa que resta fazer.
Então a comandante desse pelotão pessoalmente agradece um por um pelo que eles iam fazer, chamando eles pelo nome (para mostrar que não eram apenas grunts genéricos). Alguns deles estão segurando o choro, porque eles não querem morrer. Ninguém quer. Mas eles sabem que não tem como vencer o Gundam e a White Base, e tentar um ataque kamikaze é a última coisa que eles podem fazer. Novamente, isso é um anime de 1979, quando os vilões normalmente só queriam dominar o mundo because mwahahahaha.
O show é repleto de momentos assim, em que os inimigos não são retratados como maus, mas apenas como pessoas do outro lado. Alguns tem familia, alguns tem hobbie, vários tem honra - ao passo que na Federação da Terra, supostamente os mocinhos, varios dos comandantes são filhos da puta de marca maior. A guerra não é sobre o bem contra o mal, é só sobre pessoas matando umas as outras e Gundam passa essa mensagem muito bem.
Char meteu um headshot com uma bazuca, pq ele é cool desse jeito |
Tá, okay, no final a coisa descampa pros lideres do Zeon serem basicamente nazistas, mas eu totalmente entendo que no ato final eles queriam vilões mais tradicionais para encerrar a série porque é mais fácil de escrever e muita coisa aqui é inédita ou mesmo puramente experimental, então eu dou esse desconto de boas.
Até pq, considerando tudo que Gundam tenta fazer, fica fácil perdoar as muitas falhas do show pq é literalmente uma obra de ficção pioneira, tem muita experimentação, eles testam várias coisas para ver o que funciona, não é um nome de peso então tem muita interferência de estúdio e marketing , etc.
Mas, acima de tudo, foi um anime que levou muita coragem pra ser feito pq os animes focados em robôs gigantes eram mais super-heróis robos do que qualquer outra coisa. Mazinger Z é um clássico desse gênero. O realismo que MSG tentava empregar colocando seus robos em um cenário militar (que é onde eles seriam usados no nosso mundo, por exercitos) era algo completamente novo e muito muito diferente de outros programas da época.
Com efeito, sequer foi popular durante sua execução inicial pq era muito estranho e foi ameaçado de cancelamento - ao que o e o estúdio acabou concordando em encerrar o show mais cedo (por isso o arco final é meio rushado).
Demorou alguns anos para as linhas de brinquedos reacenderem o interesse pela série e então as pessoas descobrirem que "hey, não tem nada como isso na televisão, eu quero mais disso!". Hoje mechas são um dos pilares do anime, você não consegue pensar em um sem o outro, e Mobile Suit Gundam é o maior clássico de todos.
Isso sendo dito... vamos então falar do joguim que saiu para Saturn e é um raros jogos de Gundam até esse ponto que não é um simulador de nave ou algo do tipo.
No papel, esse é um run'n gun e um bem simplório: vc anda pra frente e atira. Tá, isso é a definição de run'n gun, mas nesse caso eu quero dizer de forma bem literal: as fases são espaços vazios que você vai pra direita, do ponto de vista mecanico as fases são grandes nadas.
Entretanto se no conceito não parece muito impressionante, porém a Bandai deu adoçada nessa pilula tanto quanto foi possível. Isso pq esse jogo é muito mais um colecionavel para fãs do que um jogo por si só. O que eu quero dizer com isso?
Que a cada 15-30 segundos o jogo para afim de rodar trechos do anime, sejam dialogos com aúdios saídos diretamente do anime sejam com videos mesmo. O que em qualquer jogo seria absolutamente irritante, mas o ponto aqui é que esse jogo foi feito para fãs de Gundam então ao invés das interrupções atrapalharem o jogo a sensação é mais o contrário, o jogo que está no caminho das cutscenes.
Tendo essa abordagem em mente é mais fácil entender o proposito do jogo, e ajuda também que a apresentação do jogo é bem legal. Tudo é bem animado, e cortar os inimigos com o sabre laser do Gundam dá uma animação do Mobile Suit Zeon sendo cortado ao meio.
O gameplay também se esforça pra fazer o que dá, todos os botões do controle do Saturn são usados. Você tem um botão para seu escudo, espada, rifle laser, pistola, atirar pra atrás, travar alvo, pular (poucas vezes é usado) e bazuca. Os inimigos vêm de todos os lados, então sempre tem muito o que fazer.
Por si só, solto no vácuo, esse jogo do Gundam seria um run'n gun bonitinho porém super simplório. Mas como um colecionavel para rever cenas do anime, em uma época que não tinha tudo a mão na internet é um produto válido.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 027 (Junho de 1996)