quarta-feira, 29 de junho de 2022

[#914][SAT] MOBILE SUIT GUNDAM [Dezembro de 1995]

Eu quero te pedir um favor: feche seus olhos... e vou esperar você abrir de novo porque isso é um texto né... e imagine um tipico robo gigante de anime. Obviamente que o que você pensou foi isso, claro:

... hã, não? Você não imaginou um robo daqueles bem durões que parecem saídos dos filmes de ficção dos anos 50? Você está me dizendo um robo com fins mais militares com metralhadoras, canhões e quem sabe uma lamina capaz de cortar metal como se fosse papel?


Em algum ponto robos gigantes deixaram de ser um tipo de superheroi goofy no imaginário popular e se tornaram armas militares futuristas. O que é estranho, porqueo Japão sequer tem uma cultura militar, e muito menos os animes tem - por motivos que eu imagino que são óbvios para todo mundo.

Então em que ponto isso mudou? Em que ponto associamos robos gigantes com exercito, crianças lutando em guerras e a propria corrupção da alma humana? Esse ponto é a Armadura Movel Gundam.

Tradicionalmente a cultura norte-americana idolatra a guerra como algo belo, nobre, heroico e admiravel. Quando você pensa em guerra, na cultura americana, vai pensar em homões da porra fazendo coisas muito fodas de homões da porra. Claro, quem efetivamente esteve ou viu uma guerra não vai achar isso nada "glamuroso", muito pelo contrário, mas o publico geral achava guerra o maior tesão.

Foi apenas a partir de 2001 (por motivos óbvios) e os despautérios da administração Bush que esse status quo começou a mudar para "espera, tem gente de verdade morrendo porque politicos estão na sala confortável deles politicando... cara, isso é triste pra caralho". Não é um modo de vista realmente recente, já tem uns vinte anos isso, mas no grande esquema das coisas não faz tanto tempo assim.

O Japão, no entanto, tem essa visão bem menos glamurosa da guerra a muito mais tempo. E novamente, suponho que não é dificil imaginar o pq. A guerra é onde o ser humano fracassou em seu grau máximo, o elo perdido que prova que somos realmente apenas outro tipo de animal. Nada depõe mais contra a pretendida superioridade do intelecto humano do que guerras não apenas existirem hoje como isso ser um conceito não completamente aberrante.


Então, é, eu diria que de todas as coisas eu não chamaria a guerra de algo glorioso, épico e admiravel onde coisas fodas acontecem. É uma pilha de miséria e desgraça, é isso que ela é. E esse é todo o ponto da franquia Mobile Suit Gundam: é sobre robos gigantes sendo usados como armas de guerra... e isso é uma tragédia, pq a guerra é uma tragédia.

A história de Mobile Suit Gundam, o anime de 1979, emplaca bem o conceito da série que de modo geral é recontada até hoje de diversas formas diferentes. No ano Universal Century 0079 (ou seja, 79 anos após a humanidade ter abandonado o calendário Anno Domni com a expansão para as colonias orbitais) as coisas não estão bonitas.

O Principado de Zeon, a organização politica mais forte entre as colonias orbitais, e a Federação da Terra tem sérias disputas por recursos e a coisa escalona para a guerra - mais precisamente, a chamada "Guerra de um ano", sendo que com dado o nível das armas em apenas um mês metade da população de ambos os lados já tinha morrido.

Eu estou falando de coisas tipo uma colonia orbital inteira ser jogava em cima de Sidney, por exemplo

Embora o Zeon tenha um contigente  muito menor de soldados que a Terra, sua tecnologia é muito mais avançada e sua principal são os "mobile suits", robos gigantes capazes de não apenas lutar em qualquer terreno mas fortes o suficiente para destruir naves de batalha inteira - e a Terra não tinha nada com esse poder de fogo e agilidade para responder.

O que, obviamente, era algo que eles precisavam resolver. Assim a história do anime começa quando Zeon ataca uma colonia orbital pacifica - a Side 7 - que na verdade era onde a Terra estava desenvolvendo tanto o seu projeto de Mobile Suit quanto uma nave de batalha capaz de enfrentar esquadrões de Mobile Suits sem ser destruída. Essa é a história do Mobile Suit Gundam, e da warship experimental White Base.

Gundam foi bastante inspirado pelo sucesso na época de Battlestar Galactica, de modo que a White Base é essencialmente um porta-aviões espacial para o lançamento de Mobile Suits - tal como a Galactica

Durante a confusão do ataque a Side 7, o filho do cientista chefe do projeto Gundam acaba ficando preso no meio do fogo cruzado e não tem outra saída a não ser usar o mecha para sobreviver. Mas como ele sabia operar o Gundam? Muito simples, ele literalmente abriu o manual e ia lendo enquanto lutava - pq animes dos anos 70 são maravilhosos assim.

Verdade seja dita, o Gundam tinham poder de fogo e resistencia suficiente pra sobreviver ao ataque mesmo que seu piloto estivesse literalmente lendo o tutorial da coisa. Assim a White Base e o Gundam conseguiram fugir da colonia, seu jovem piloto de 16 anos foi conscrito pelo exército porque eles estavam no meio da guerra e se já tinha alguém que sabia operar o mobile suit, ele ia ficar pq eles não podiam se dar ao luxo perdendo tempo de treinar alguém que nem podia ser bom como quem já estava entregando resultado.

Outro motivo do garoto ter ficado na White Base é que seus amigos e vizinhos do Side 7 também são recrutados, já que um ponto recorrente da série é o comentário que a guerra está tão feia que eles estão se obrigando a usar crianças (no caso adolescentes, mas mesma merda) por pura falta de pessoal.

Char "Red Comet" Aznable não apenas é o personagem mais legal da série, como se tornou um pilar de Gundam: praticamente todas as iterações da franquia tem um cara mascarado com a sua própria agenda de interesses no meio da guerra

Agora, tudo isso provavelmente soa muito pratico e militaristico, mas na realidade o que estou descrevendo é apenas o pano de fundo para a parte realmente importante de Mobile Suit Gundam: o elemento humano e como as pessoas reagem a guerra.

Esses episódios fazem uma introdução impressionante à série. Não são apenas boas histórias da galerinha muito louca aprontando altas confusões na White Base tentando sobreviver no campo de batalha, mas que também definem os elementos fundamentais para o resto da série. Quase todos os personagens principais são apresentados, alguns com mais detalhes do que outros, mas todos serão desenvolvidos à medida que a série progrede. Alguns dos principais vilões também são apresentados, especificamente Char Aznable, também conhecido como o Cometa Vermelho. Mas antes disso, quero falar sobre o elefante na sala: animação de 1979.

Posso dizer sem sombra de dúvidas que cair de paraquedas hoje numa animação de quase 45 anos de idade não é algo fácil. É apenas natural bater o olho e achar que a animação de MSG é datada, com muitos poucos quadros de animação, sem polimento e difícil de assistir. Se você já assistiu anime antes, é um efeito chocante passar do que estamos acostumados hoje, disso...


... para isso:


Mas quer saber? Depois de três episódios comecei a me acostumar e me acostumar. Depois de um tempo, eu parei de reparar na animação mais antiga e só lembrava o quão antiga ela era quando assistia algo moderno. Se você tem a mente aberta e, como eu, pode aceitar que é o que dava pra fazer na época e que isso não especificamente é animação ruim, você poderá se concentrar na história e nos personagens... mesmo que a maioria das explosões são rosa e que os mobile suits se movem como se fossem feitos de uma única peça sólida ou feitos de borracha e se dobrassem de uma forma que não faz muito sentido eles serem ser capazes de dobrar. 

Mas eu reconheço que assistir hoje um anime de 1979 não é fácil.

Nada diz mais a época que esse anime foi feito que o fato do uniforme das mulheres ser rosa e dos homens ser azul

O interessante de assistir um anime antigo assim é que você percebe que tem coisas nos animes de hoje em dia que você não gosta, mas coisas que você dá graças a deus que são feitas hoje. Como por exemplo, a consistência na animação. O RX-78 Gundam raramente parece 100% igual de um episódio para o outro. Ou na forma como ele se move, como se a cada episódio suas articulações estivessem em locais diferentes - quando não inexistentes. Outra coisa boa da animação moderna que a gente não dá o valor que merece é a iluminação, em MSG tudo é iluminado quase uniformemente e você perde aquela sensação de profundidade e peso que uma boa iluminação pode proporcionar. 

Por outro lado, existe um charme muito grande na quantidade de detalhes que a animação a mão da época proporcionava, e como era muito caro fazer as tomadas tinham um ritmo bem menos frenético - você tinha tempo para ver todos os detalhes da cena com calma.

Ramba Ral, o mais legal dos oficiais Zeon. Vc era muito awesome para esse mundo

E os detalhes e conceitos são tão bons que muitos dos visuais icônicos da franquia ainda usados hoje são retirados diretamente do MSG ou são versões atualizadas do que vemos pela primeira vez nesta série. É desde coisas óbvias como o RX-78 Gundam, o Zakus e a White Base até coisas menores como o cockpit do Gundam, particularmente a alavanca que desliza para frente e para trás. Até a maneira como esse dispositivo é usado no cockpit se tornou um marco na franquia. Quando empurra a alavanca pra frente dramaticamente é pq a batalha ficou séria e o pau vai comer na casa de noca.

Mas mesmo quando você não leva em consideração a qualidade da animação, esta é uma série com vários problemas. Embora mais curto do que o número médio de episódios para uma série de Gundam hoje (50 ou mais), acho que o MSG se beneficiaria de ter ainda menos. A série tem um começo muito bom e se mantem por um tempo antes de começar a arrastar de forma terrível. O ultimo terço melhora bastante, mas não é tão bom quanto o começo e o fim é meio seco.

O que faz a série arrastar tanto é que ela essencialmente se torna um comercial de brinquedos, e não de uma forma boa. Infelizmente, por volta do episódio 10, se revela que o cockpit do Gundam é na verdade um Core Booster (pense em um caça espacial) que pode ser usado como cockpit para o Guntank, o Guncannon e o Gundam. É a ideia mais descarada para vender brinquedos de toda série, mas eu realmente comecei a odiá-la quando percebi o uso recorrente da sequência de transformação na série. 


Além de ver o segmento repetido várias vezes (ocasionalmente várias vezes em um único episódio), não fazia nenhum sentido a estratégia idiota de enviar Amuro, a única pessoa a bordo da White Base que sabia pilotar o Gundam, em um mobile suit diferente apenas para no meio da luta ter que transferir ele pro Gundam. 

As coisas ficam ainda piores mais tarde, à medida que mais brinquedos pra vender mobile suits são dados à tripulação da White Base com mais tempo sendo gastos em transformações que vc sabe que não vão dar em nada.

Climão, meu

No final do dia, porém, esta série não é lembrada com carinho por sua animação ou uso de sequências transformadoras de Gundam. As pessoas se lembram do MSG por causa da história e como os personagens são tratados. Eles se lembram da série por causa de como o realismo foi incorporado a narrativa de robos gigantes, de como a guerra é representada nessa série. 

Sendo uma série longa, existem vários arcos episódicos aqui e ali, alguns dos quais não importam para a história maior, mas esses arcos contribuem para o desenvolvimento dos personagens. É bastante sofisticado para uma série de anime robôs gigantes basicanebte porque não é apenas um anime sobre robôs gigantes. É sobre personagens e como a guerra influencia e impacta os seres humanos. 


Uma das minhas cenas favoritas do anime é enquanto toca essa super animada Ai Senshi ("Guerreiro do Amor", ó a ironia) durante o ataque a base da Federação da Terra em Jaburo, uma caralhada de gente morrendo, Mobiles Suits explodindo em chamas pra todo lado... e a musica maior alto astral. Sensacional essa cena.

O desenvolvimento de Amuro ao longo da série em particular é fascinante de assistir. As mudanças que ele enfrentou durante a série me afetaram também. Eu me importei com, fiquei com raiva dele e e tive pena dele. Personagens complexos geram reações complexas dos espectadores e esta série é um exemplo disso.

Um arco que me marcou bastante é um que a White Base visita a cidade onde a mãe do Amuro mora. Isso é mais pra metade da série, ele já tá endurecido depois de tantas batalhas e matar tanta gente. Então os agentes da Zeon descobrem ele ali, e para que a cidade não fosse punida por estar acobertando soldados da Federação puxa sua pistola e mete chumbo nos caras sem piscar.

O Amuro do começo da série não teria feito isso, ele teria hesitado ou mesmo se negado. Mas não foi esse ponto que me marcou, e sim que a mãe dele testemunha aquilo e fica horrorizada ao ver o que o filho dela se tornou e é aí que cai a ficha do Amuro, ao ver sua mãe chorando ao olhar pra ele, que puxar uma arma e meter dois tiros no peito de um cara como se não fosse nada mais que um inconveniente era algo horrível. Ele havia se transformado em um monstro e foge com horror de si mesmo.

Alias o Amuro é um bom termometro para a série, pq como ele começa como civil reflete bem só os efeitos da guerra não apenas na personalidade dele como na sua relação com os outros. Ele e o capitão da White Base, o Bright, tem uma relação que vai se deteriorando com o tempo devido ao stresse da situação e conforme o Amuro vai vencendo mais batalhas e se tornando mais renomado ao ponto que os Zeon chamam o Gundam de "demonio branco", ele vai ficando mais convencido e arrogante. Tem um arco que ele bate boca com o capitão justamente pq ele está estrelinha demais e não está obedecendo a cadeia de comando militar, então o Amuro e decide ir embora e levar o Gundam junto.

Quando ele volta, a recepção de braços abertos que ele recebe é ... prisão na solitária até calçar as sandálias da humildade, tá achando que o exército é putaria mermão?

E o tabefe come solto nessa série, o capitão Bright mantém a ordem na White Base literalmente na mão grande

Tem outra cena que mostra bem o quão forte é essa série, que é quando um grupo de inimigos Zeon decide como último recurso tentar um ataque suicida contra a White Base. Eles sabem que provavelmente o poder de fogo da White Base vai transformar eles em passoca antes que consigam causar qualquer estrago... mas é a última coisa que resta fazer. 

Então a comandante desse pelotão pessoalmente agradece um por um pelo que eles iam fazer, chamando eles pelo nome (para mostrar que não eram apenas grunts genéricos). Alguns deles estão segurando o choro, porque eles não querem morrer. Ninguém quer. Mas eles sabem que não tem como vencer o Gundam e a White Base, e tentar um ataque kamikaze é a última coisa que eles podem fazer. Novamente, isso é um anime de 1979, quando os vilões normalmente só queriam dominar o mundo because mwahahahaha. 

O show é repleto de momentos assim, em que os inimigos não são retratados como maus, mas apenas como pessoas do outro lado. Alguns tem familia, alguns tem hobbie, vários tem honra - ao passo que na Federação da Terra, supostamente os mocinhos, varios dos comandantes são filhos da puta de marca maior. A guerra não é sobre o bem contra o mal, é só sobre pessoas matando umas as outras e Gundam passa essa mensagem muito bem.

Char meteu um headshot com uma bazuca, pq ele é cool desse jeito

Tá, okay, no final a coisa descampa pros lideres do Zeon serem basicamente nazistas, mas eu totalmente entendo que no ato final eles queriam vilões mais tradicionais para encerrar a série porque é mais fácil de escrever e muita coisa aqui é inédita ou mesmo puramente experimental, então eu dou esse desconto de boas.

Até pq, considerando tudo que Gundam tenta fazer, fica fácil perdoar as muitas falhas do show pq é literalmente uma obra de ficção pioneira, tem muita experimentação, eles testam várias coisas para ver o que funciona, não é um nome de peso então tem muita interferência de estúdio e marketing , etc.

Mas, acima de tudo, foi um anime que levou muita coragem pra ser feito pq os animes focados em robôs gigantes eram mais super-heróis robos do que qualquer outra coisa. Mazinger Z é um clássico desse gênero. O realismo que MSG tentava empregar colocando seus robos em um cenário militar (que é onde eles seriam usados no nosso mundo, por exercitos) era algo completamente novo e muito muito diferente de outros programas da época. 


Com efeito, sequer foi popular durante sua execução inicial pq era muito estranho e foi ameaçado de cancelamento - ao que o e o estúdio acabou concordando em encerrar o show mais cedo (por isso o arco final é meio rushado). 

Demorou alguns anos para as linhas de brinquedos reacenderem o interesse pela série e então as pessoas descobrirem que "hey, não tem nada como isso na televisão, eu quero mais disso!". Hoje mechas são um dos pilares do anime, você não consegue pensar em um sem o outro, e Mobile Suit Gundam é o maior clássico de todos. 

Isso sendo dito... vamos então falar do joguim que saiu para Saturn e é um raros jogos de Gundam até esse ponto que não é um simulador de nave ou algo do tipo.


No papel, esse é um run'n gun e um bem simplório: vc anda pra frente e atira. Tá, isso é a definição de run'n gun, mas nesse caso eu quero dizer de forma bem literal: as fases são espaços vazios que você vai pra direita, do ponto de vista mecanico as fases são grandes nadas.

Entretanto se no conceito não parece muito impressionante, porém a Bandai deu adoçada nessa pilula tanto quanto foi possível. Isso pq esse jogo é muito mais um colecionavel para fãs do que um jogo por si só. O que eu quero dizer com isso?


Que a cada 15-30 segundos o jogo para afim de rodar trechos do anime, sejam dialogos com aúdios saídos diretamente do anime sejam com videos mesmo. O que em qualquer jogo seria absolutamente irritante, mas o ponto aqui é que esse jogo foi feito para fãs de Gundam então ao invés das interrupções atrapalharem o jogo a sensação é mais o contrário, o jogo que está no caminho das cutscenes.

Tendo essa abordagem em mente é mais fácil entender o proposito do jogo, e ajuda também que a apresentação do jogo é bem legal. Tudo é bem animado, e cortar os inimigos com o sabre laser do Gundam dá uma animação do Mobile Suit Zeon sendo cortado ao meio.


O gameplay também se esforça pra fazer o que dá, todos os botões do controle do Saturn são usados. Você tem um botão para seu escudo, espada, rifle laser, pistola, atirar pra atrás, travar alvo, pular (poucas vezes é usado) e bazuca. Os inimigos vêm de todos os lados, então sempre tem muito o que fazer.

Por si só, solto no vácuo, esse jogo do Gundam seria um run'n gun bonitinho porém super simplório. Mas como um colecionavel para rever cenas do anime, em uma época que não tinha tudo a mão na internet é um produto válido.

MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 027 (Junho de 1996)