[#903] DRAGON QUEST 6: Realms of Revelation [Dezembro de 1995]
E hoje é o dia, da alegria e a tristeza nem pode pensar em chegar... não, hoje é dia de algo muito importante nesse blog: dia de falar de Dragon Quest. Então, a coisa sobre Dragon Quest é que no ocidente a gente não realmente tem muita noção do tamanho da coisa no Japão: é colossal. Dragon Quest não é apenas uma franquia, é um acontecimento, é praticamente um feriado nacional.
É meio dificil imaginar isso mas, no Japão, dia de lançamento de Dragon Quest é tipo dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo: o país para. Isso é tão verdade que desde Dragon Quest 3 a série passou a ser lançada apenas aos fins de semana, pq se fosse lançada dia de semana seria o caos.
Dia de lançamento de Dragon Quest é dia que a criança chora e a mãe não escuta
Dragon Quest é desse tamanho, mas... pq? Bem, a resposta é surpreendentemente simples: ele foi o primeiro jRPG. Simples assim. Não, sério, antes de Dragon Quest de 1985, os RPGs pareciam com isso:
Black Onyx, 1984
Ou isso:
Wizardry, 1981
E então em 1985, a Enix lançou isso:
ESPERA, ISSO EU CONHEÇO! É UM JRPG!
Exatamente. Andar no mapa, ter encontros aleatórios, visão de cima, cidades entre as dungeons... tudo que entendemos hoje como um tipico jRPG começou com Dragon Quest. Então Dragon Quest não é apenas "UM" RPG, ele é "O" RPG que deu origem a tudo, o primeiro que as crianças passaram dezenas de centenas de horas jogando quando não havia nada remotamente parecido no mundo.
Em adição a isso, toda parte artistica do jogo - as artes conceituais que viraram sprites e as ilustrações do manual - foram feitas por um mangaka que talvez você tenha vindo a ouvido falar do seu outro trabalho:
Pois é, toda parte artistica desse jogo é feito por ninguém menos que o fodendo Akira Toriyama. Caceta Jorginho, o que esse cara toca realmente vira ouro, heim? Pois é, aí você soma o primeiro jRPG ever com arte do criador de Dragon Ball e temos um jogo que o país inteiro cresceu amando ao ponto que hoje Dragon Quest é uma instituição por si só.
TÁ, ISSO REALMENTE EXPLICA PQ DQ É POPULAR NO JAPÃO, MAS... PQ NO OCIDENTE ISSO NÃO ACONTECEU?
Boa pergunta, e a resposta é mais simples ainda de responder: primeiro, pq crianças americanas pararaem pra jogar um jogo que tem que ler e você faz escolhas por menus? Yeah, boa sorte com isso. Mas tem outro motivo realmente: Dragon Quest não foi lançado nos EUA até três anos depois de lançado no Japão. Quando o jogo chegou aos Estados Unidos em 1989, os gráficos, o som e a interface estavam todos datados. O que no seu lançamento era tecnicamente impressionante, quando chegou nos EUA era primitivo. Isso fez com que muitos jogadores americanos ignorassem completamente o título e se concentrassem em jogos mais atualizados.
Aí somou uma coisa com a outra e o maior RPG do mundo não foi algo com que ninguém cresceu por aqui. No máximo asssistiu Fly - O Pequeno Guerreiro (que é o anime da adaptação em manga de Dragon Quest) no sabado de manhã... e esse anime nem terminado foi, parou no episódio 32. E eu quero dizer literalmente parou, não é que ele foi terminado nem nada.
Bem, agora que eu pude falar sobre o que é Dragon Quest, vamos falar da sexta iteração da série... mais um RPG nunca lançado fora do Japão mas a Super Game Power metia mesmo assim e foda-se vai aprender japonês mané, igual a ROMANCING SAGA 3 e TRIALS OF MANA.
Esses jogos, é claro, foram relançados decadas depois traduzidos e foi assim que eu joguei eles, e no caso de Dragon Quest 6 só foi possível pq em 2008 (apenas DOZE anos depois) ele saiu em inglês para Nintendo DS. Se você viu o jogo na SGP e ficou esperando... demorou um pouquinho pra poder jogar ele, né? Mas enfim, ao jogo.
"Aceite nossa oferenda, ó principe das trevas"
Bem, explicar Dragon Quest usualmente é bem simples: feche os olhos e imagine um RPG japonês. Pronto, você visualizou Dragon Quest. Eu sei que essa é uma forma bastante simplória de descrever um jogo, mas no caso especifico de Dragon Quest isso é verdade já que ele é o compilado de todos os clichês básicos do RPG.
Isso soa mais duro do que é realmente, ser o grande compendio dos clichês RPGs não é necessariamente uma coisa ruim já que de tempos em tempos é comum ter aquela coceira de jogar um RPG raíz, um RPG moleque, um RPG toco y mi voy, e Dragon Quest coça essa coceira de um RPG básico, mas de tamanho gigantesco e sempre muito bem feito.
Ou melhor explicando, como tão bem colocou o agente Coulson:
Então, é, eu definitivamente entendo pq os japoneses continuam voltando para Dragon Quest toda vez após todos esses anos, é uma franquia extremamente confortavel em sua familiaridade e maestria em não tentar reinventar a roda (o que, curiosamente, é o exato oposto de Final Fantasy que a cada reedição tenta justamente se reinventar). A questão que tem que ser feita, então, é como essa edição em particular tempera sua experiencia de RPG raíz. Que tipo de sabor tem a variação número 6 da busca do dragão?
Bem, já que estamos nisso, saiba você que Dragon Quest 6 foi o último jogo do lado mais japonês da série (até o 7 os jogos eram exclusivamente japoneses e apenas raramente lançados no ocidente, depois do 8 que Dragon Quest passou a ser lançada mundialmente). E não é difícil ver por que eles deixaram este para o último, o seu gameplay é o mais japonês de todos os jogos antigos da série.
E o que eu quero dizer com gameplay tipicamente japonês? Bem, no ocidente a coisa que realmente pega é a sua narrativa: a dungeon é um desafio para avançar no jogo. Os RPGs japoneses dos anos 80 tem um feeling de dungeon crawling onde o grinding é o próprio objetivo em si.
É mais ou menos a relação que nós temos no ocidente com os jogos de esporte: ninguém joga um jogo de futebol "pra ver o final", as pessoas jogam pela partida em si. Os RPGs japoneses dos anos 80 tem essa mentalidade no seu design, e Dragon Quest 6 é o mais "anos 80" dos jogos da série até então.
Isso não foi 100% intencional, entretanto: o criador da série e seu grande designer, Yuji Horii, passou boa parte de 95 com a atenção focada a CHRONO TRIGGER. O que quer dizer que muita parte desse jogo, lançado em dezembro de 95, foi feito sem o input do seu designer. E isso é algo que dá pra ver, e da pra ver MUITO.
Sério, eu não pesquisei sobre o jogo antes de jogar (como eu normalmente faço), apenas joguei e fui ficando com algumas impressões. Quando eu vi sobre o desenvolvimento desse jogo MUITA COISA fez sentido, é muito claro que ele foi feito como um projeto secundário do seu designer.
Em 2008 o jogo teve um remake para DS, o que acrescenta algumas melhorias de qualidade de vida mas não tanto assim
Eu digo isso pq jogando isso a sensação que esse jogo passa é que uma coleção de "vila da semana": você vai até uma vila e ela tem um problema. Você resolve o problema dela e vai para a próxima, onde tem outro problema. Como um seriado que toda semana tem um episódio isolado, mas esses episódios não se conectam para contar uma história maior. Eu falei disso em TRIALS OF MANA, e não é uma estrutura que eu particularmente gosto.
Eu gosto de uma história que tem um tema, que as coisas se desenvolvem, que os personagens e as relações entre eles se desenvolvem. O que não é algo fora de proposito pedir para a época, FINAL FANTASY 6 e LUNAR: The Silver Star Story já tinham quase dois anos a essa altura. É isso que eu quero dizer com Dragon Quest ter uma estrutura tradicional, pq é assim que os RPGs eram feitos antigamente.
Essa opinião não é apenas minha, eu descobri depois, como da Nintendo Power na época: Na Nintendo Power vol. 81, a revista escreveu um artigo de 6 páginas sobre Dragon Quest VI, dizendo que torcia para que jogo fosse lançado na América do Norte, mas entendia pq a série nunca emplacou no ocidente: embora fosse familiar e confortável para os japoneses, tinha muito grinding e encontros aleatórios demais atravancando o jogo para o gosto dos americanos (ou seja, eles não via o grinding como sendo o jogo em si).
Novamente, isso é ruim? Não necessariamente.
Em especial pq as histórias das vilas em particular são bastante interessantes, e as vezes até mesmo pesadas para um jogo de Super Nintendo. Eis um exemplo: você chega em uma vila nas montanhas e todas as pessoas da vila foram transformadas em estátuas de gelo. Existe um único sobrevivente na vila, um velho rabugento que diz que não importa o que você fizer, não continue subindo as montanhas - o que é óbvio que você faz.
No coração das montanhas você encontra uma yuki-ona, que pergunta se você encontrou o cara na cidade e se ele explicou a situaçaõ pra você. Como ele não falou nada, ela explica que 50 anos atrás ela salvou um viajante perdido nas montanhas sob a condição de que ele nunca falasse sobre ela. O que ele acabou fazendo após alguns goles na taverna e já meio alto se gabou que encontrou um espirito do inverno. Como punição, a yuki-ona congelou a vila inteira e deixou apenas o cara sozinho.
Essa caverna que eu to falando também tem um desses puzzles de ginásio de pokemon, o que não é algo que eu realmente gosto muito
Quando você trás o cara para ver ela, ela percebe que já se passaram 50 anos e que para os humanos isso é muito tempo (ele está bem velho, afinal) e que isso foi punição suficiente. Ela levanta a maldição e todos na vila retornam a vida como se nem um segundo tivesse passado. Na verdade para as pessoas da vila não aconteceu nada, elas não tem a menor ideia de que se passaram 50 anos. A unica diferença é que tinha um cara falando alto no bar e no instante seguinte ele desapareceu - e que do nada surgiu um velho morando na casa dele.
E isso é tudo que você pode fazer para ajudar. Como recompensa por ter ajudado o velho te dá a localização da espada que você está procurando, mas a grande verdade é que você não pode devolver os 50 anos que o cara passou sozinho, toda sua vida que ele perdeu convivendo sozinho com estatuas de gelo.
Como eu disse, as histórias das vilas são interessantes, são boas mesmo. Só tem o problema que elas não se conectam a nada, e seus personagens meio que não importam - não é como se eles tivessem muita personalidade... ou qualquer uma para depois da cena em que eles se juntam ao grupo. Isso para um jogo de praticamente 1996 é complicado, a gente espera mais de um RPG a essa altura - mesmo um RPG baseado em personagens literalmente sem personalidade alguma como SUPER MARIO RPG: Legend of the Seven Stars nos dá algo nesse sentido.
E o que eu disse da narrativa também se aplica as mecanicas do jogo. Eu digo isso pq além do básico de um jRPG (atacar, curar, usar itens, magia, etc), o jogo tem uma mecanica de classes: sua classe não apenas dá atributos e ataques/magias únicas, mas chegar aos níveis máximos de algumas classes desbloqueia classes de prestigio ainda mais poderosas.
Por exemplo, se você chegar ao nível 8 de Martial Artist e Priest, você desbloqueia a classe paladino que além de bonus pra força, agilidade e wisdom tem buffs defensivos muito massa. Ou se você chegar ao nível 8 Mage e Priest desbloqueia o Sage, que além de magias de ataque foda tem a excelente habilidade de castar magias com desconto no MP. Você pegou a ideia.
O melhor é que as magias e ataques que você aprende quando sobe o nível da classe ficam com você mesmo que você troque de classe, então vc pode pegar tipo 4 níveis de priest pro seu guerreiro ter uma magia de cura melhor se vc quiser. Dá pra fazer algumas coisas interessantes com essa mecanica... na teoria.
Na prática, isso tem vários problemas - a começar que essa mecanica abre só na metade do jogo. Até a primeira metade (por volta de mais de vinte horas de jogo), Dragon Quest 6 é um RPG sem absolutamente nada de especial. Enquanto eu sou a favor de adicionar novas mecanicas para manter as coisas interessantes mesmo que seja na metade do jogo (Persona 5 faz isso muito bem), DQ6 realmente não te dá nada de nada por mais de uma dezena de horas. Não é como se você tivesse uma classe e então abrisse trocar, ou pegar a classe de prestigio, não tem nada mesmo.
Esse NPC metido numa cabana aleatória te dá a "dica" do qual seu jogo inteiro depende... se vc entender isso
Outro problema é que o jogo não te diz nada a respeito disso. Depois que você termina a primeira metade do jogo e o templo abre para pegar classes e trocar, a única informação que você tem dessa mecanica tão importante é que um NPC aleatório em uma cidade aleatória que é pouco relevante para a história que menciona algo sobre revisitar o templo.
Se você perder esse NPC, o jogo vira um desastre de trem porque suas habilidades não serão suficientes dado que o jogo espera que você use a evolução das classes para ter poder suficiente - só que você não tem ideia de que isso sequer existe. Não ajuda que existam dois templos - um em cada mundo - e apenas um esteja funcionando. Se você for para o templo do mundo que o NPC deu a deixa (se vc encontrar ele), não vai ter nada lá. Vc tem que trocar de mundo e só então ir para o templo.
Vish... isso que eu falei parece confuso e que é muito dificil entender isso sem estar seguindo um walkthrough? Então parabens, vc está começando a entender Dragon Quest 6. O maior problema é que não apenas a história beira o inexiste, o jogo sequer te dá dicas do que vc tem a fazer e quando dá é algo completamente vago e criptico.
O jogo todo é composto por momentos que você fica se perguntando como diabos eles esperavam que você soubesse isso, como a cidade em que você precisa falar com os NPCs numa ordem especifica para o jogo avançar e o jogo não dá a menor dica de que vc tem que fazer alguma coisa ali, muito menos se está no lugar certo ou fazendo a coisa certa. Se vc não estiver seguindo um walkthrough, vc apenas fala com todo mundo na cidade, nada acontece e então depois de um tempo vai pra outro lugar pra ver se deixou algo passar.
Esse jogo é um design de um tempo em que era aceitável esse tipo de coisa em um RPG, em que você simplesmente não ter mais pra onde ir e tem que rechecar todas as cidades e NPCs do mundo inteiro (dois mundos, na verdade) pra ver se acontece alguma coisa. E na maior parte do tempo você vai isso com o encontro aleatório comendo no lombo, o que torna o progresso pelo mundo leeeeeento.
E isso é justamente uma das coisas mais estranhas a respeito desse jogo, pq ele tem essa execução arcaica (que já era assim em 1996), mas na teoria seu conceito geral é bem mais ambicioso e moderno do que qualquer outro RPG de seu tempo. Isso pq a primeira metade do jogo finge que você está embarcando em uma missão padrão para salvar o mundo, logo fica claro que a realidade não é o que parece e você acaba com dois mundos gigantes para explorar.
A ideia de que existe o mundo real e o mundo dos sonhos, e que obviamente o segundo é uma versão do primeiro, é uma ideia bem legal e daria pra explorar muitas coisa disso. Tipo o barão rico no mundo dos sonhos é apenas um estivador pobre no mundo real que sonha em ter uma vida menos dura da que a ele vive. Dá pra fazer muita, muita coisa com isso - e o fato de vc vir do mundo dos sonhos levanta questões interessantes sobre quem, ou o que, vc é realmente e qual o seu papel no mundo.
Descobrir isso É, de fato, interessante... ou seria, se tudo não estivesse tão espalhado e as coisa se conectassem de forma tão aleatória que em 90% do tempo vc não faz ideia de nada realmente, apenas está andando pelo mundo pra ver o que dá. Adicionalmente, a coisa do mundo real/mundo dos sonhos foi implementada de maneira tão vaga de modo que é claro como esses mundos interagem um com o outro.
Basicamente, qualquer coisa poderia acontecer sem explicação nenhuma - em uma cidade dos sonhos vc pode voltar no tempo para alterar os acontecimentos do mundo real, em outra mudar a pessoa no mundo dos sonhos influencia no mundo real e em outras são lugares completamente não relacionados apesar de uma cidade ser versão da outra. A sensação que fica é que o "mundo dos sonhos" é apenas uma coleção de Deus Ex-Machina onde qualquer coisa é qualquer coisa e foda-se.
Se o mapa do mundo tivesse os nomes da cidade ou ao menos indicasse se vc está no mundo real ou no mundo dos sonhos minha vida seria tão mais feliz...
Acho que isso é o que mais me incomoda em Dragon Quest 6, pq vc vê que todas as boas ideias estão lá nos três pilares de um RPG: mecanica de combate, narrativa e construção do mundo. Só que é tudo tão bagunçado e sem foco que isso atrapalha o quanto dá pra se aproveitar da coisa toda.
Olha, eu entendo, fazer uma narrativa aberta é realmente dificil pq é muito dificil não ficar parecendo papo de maluco quando vc fala para o jogador de coisas que ele pode não ter visitado ainda (como do nada os NPCs começam a falar da terceira reliquia para derrotar Mortmer... e vc nem sabia que tinha que derrotar alguém, quando mais que existem reliquias para isso)... mas eu entender que é dificil não torna a experiencia menos desconjuntada.
Como por exemplo, os conceitos dos personagens são realmente legais quando eles são introduzidos... só que para por aí, a maioria dos personagens apenas anda com vc ... pq eles não tem nada melhor pra fazer, eu acho? Eles não têm motivações, ambições ou arcos de personagens - exceto pelo herói, Carver e Milly. E desses três, apenas o herói tem algum tipo de motivação depois da metade do jogo, que é apenas o vago "vá encontrar seu corpo real just because".
Então todos os elementos para um RPG absolutamente lendário estão lá, eles só precisavam ser polidos e ter uma direção melhor - o que não foi o caso pq boa parte da equipe estava ocupada naquele ano com CHRONO TRIGGER. Em um universo ideal, DQ6 teria sido feito com toda calma do mundo e seria absolutamente lendário.
Embora do jeito que é ainda é bastante bom pq Dragon Quest raramente é ruim. Esse jogo não é ruim e representa tudo que faz a série ser tão amada no Japão, apenas fica um gosto meio agridoce pq chegou tão perto de ser tão mais que isso...
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER Edição 008 (Novembro de 1994)