Qualquer gamemaníaco, como diria a Ação Games, pode te dizer que consoles de videogames são mais do que uma peça de mobília em plástico, são parte da nossa história. Por isso adquirir um novo aparelho nunca é algo trivial, até porque videogames não são baratos e mais sim do que não as pessoas te contarão histórias de como eram suas vidas e as condições em que adquiriram os ditos cujos - como quando eu viajei 8 horas de carro até o Paraguai para adquirir um Wii.
Por isso mesmo, justamente por não serem pouca coisa, em troca videogames tem que te oferecer bem mais do que um passatempo barato. Videogames tem, e frequentemente eles fazem, que oferecer experiencias, aventuras. Videogames são, na verdade, sobre te vender sonhos de vidas que você nunca viverá, mas por algumas horas pode tornar sua.
E um novo videogame tem que, acima de tudo, responder a pergunta "tá, mas o que é que essa coisa faz que o anterior já não fazia?"
Eu estou falando isso pq em 1995 o grande amor da minha vida videogamistica era SUPER METROID. Cara, como eu amava (e ainda amo) aquele jogo. Super Metroid é mais do que eu amavar jogar enquanto jogo, eu amava pensar sobre ele, imaginar o que aconteceu e como era a vida no planeta Zebes, a sensação de solidão e de ser a caçadora de recompensas da qual as mamães piratas espaciais contavam histórias de terror a noite para seus piratinhas espaciais.
Tá, mas por que eu falando de Super Metroid e do quanto esse jogo significou para mim? Pq alguns anos depois um jogo teve o mesmo impacto em mim, um jogo tão diferente de tudo que eu sequer achava que era possível fazer em um jogo, um jogo que era o próximo passo na evolução dos videogames. Um jogo que me fez querer muito um Playstation (que eu nunca tive, ao menos na época) e passar tardes inteiras apenas imaginando como seria.
E hoje falaremos desse jogo. Falaremos de Resident Evil.
A primeira coisa que você recebe na tela ao ligar Resident Evil, é que ele é um jogo diferente de qualquer coisa que você já jogou na vida até então. Em um corredor mal iluminado, um homem é caçado por alguma coisa terrível e não resta nada a fazer senão gritar em desespero enquanto o narrador anuncia com a voz mais grave do mundo: RESIDENT. EVIL.
Se curar com ervas no papel, seeeei |
Ai corre Bergue que os marimbondo tão pegando |
Imagens da sua infancia que você consegue ouvir |
Mas mais importante ainda, é que a verdadeira estrela da diversão em Resident Evil é o seu level design. Enquanto em ALONE IN THE DARK você recebe uma pequena porção da mansão de cada vez para ser a "fase" que você está jogando, RE é essencialmente um metroidvania nesse sentido: você pode ir a qualquer lugar, mas no seu caminho você vai se deparar com locais que você não tem os recursos necessários para acessar agora e vai ter que lembrar deles para voltar mais tarde (embora você não precise lembrar literalmente de cabeça, o mapa tem uma interface ótima e é muito confortável controlar por ele onde vc não foi ainda).
Isso é uma coisa que permanece verdade até hoje (embora eu não tenha jogado RE Village, até o 7 se nota isso bastante) que por trás de toda tonica de horror e sobrevivencia, Resident Evil é essencialmente um metroidvania bem desenhado - usando inclusive gerenciamento dos limitados espaços de inventário como ferramenta do level design.
Então não é apenas sobre coletar itens aloucadamente e tentar tudo em todos os lugares, você tem que planejar as rotas que vai fazer pq o seu inventário tem apenas 6 ou 8 espaços (dependendo do personagem que você joga). Por outro lado, aqui entra o toque mágico da Capcom novamente: essa mecanica é desafiadora, mas nunca é incomoda. Existem salas para depositar itens bem espalhadas pela mansão e a mansão em si é do tamanho exato para não ser tão pequena quanto em MANSION OF HIDDEN SOULS mas ao mesmo tempo não tão grande de modo que vc sempre pode ter um mapa mental dela.
Os clássicos, eu te digo |
O design da mansão em si é algo que a Capcom passou mais de ano polindo para ser um mapa de metroidvania ideal, e isso é uma das coisas que que torna RE tão satisfatório de se jogar.
Voltando então ao que eu disse no começo do texto, esse conjunto de atmosfera, experiencia e leval design excelentemente polido era a resposta que todos estavam se fazendo: pra que eu preciso de um Playstation? O que ele pode fazer que o Super Nintendo não faz até melhor?
Um pouco rude, tenho que dizer |
Resident Evil e TEKKEN 2, são os primeiros jogos que satisfatoriamente respondem isso. É por ISSO que você precisa de um Playstation, essa é uma experiencia nova que vc não tem como ter no Super Nintendo ou em qualquer outro lugar. Isso é o novo, é o passo a frente.
O clássico de survival horror da Capcom era exatamente o que a industria estava precisando naquele momento da história: um jogo horror decididamente maduro e implacável com ritmo fantástico, uma atmosfera assustadora e uma narrativa que - embora ridiculamente brega - pelo menos sugeria o tipo de narrativa cinematográfica que acreditavamos que a midia era capaz.
Olhando assim, no papel, a narrativa de RE não parece algo tão impressionante assim: uma corporação maligna do mal fez experimentos para desenvolver armas biologicas e pouco surpreendentemente, deu merda. Eu não sei o que é que corporações malignas do mal tem com armas biologicas que obviamente vão sair do controle ao invés de apenas investir, sei lá, em milhares de drones controlados remotamente (pra não ter nem o risco de uma IA dominar tudo), mas o que eu sei é que essa narrativa já foi usada deste os tempos do Master System.
O que torna RE especial nesse sentido, entretanto, é a forma com que ela é apresentada: você é largado numa mansão no meio do mato sem ideia do que está acontecendo senão que a equipe B tinha sido enviada para investigar os estranhos relatos de desaparecimento e corpos mutilados proximos a mansão Spencer. Conforme você avança na mansão você encontra zumbis e outros tipos de monstros, e alguns diarios dos habitantes dos ultimos dias da mansão relatando como foi enquanto as coisas gradualmente se transformavam no inferno.
Mais uma vez, hoje isso tudo é muito simples e não ajuda que as atuações são pra lá de ridiculas (quer dizer, ajuda mas como entretenimento trash), mas então na época não era comum assim um jogo que aos poucos vc ia desvendando que caralhos aconteceu aqui enquanto joga o jogo. E, kudos onde kudos são devidos, no inicio pode parecer apenas ridiculo que as pessoas continuem se separando mesmo quando esta mais do que claro que essa mansão não tá pura, mas: a) é um cliche dos filmes de horror e personagens fazem esse tipo de decisão idiota por tradição e b) existe um motivo dentro da narrativa pra isso, alguns personagens tem suas proprias agendas ocultas e tem mais coisas para fazer na mansão que vc não pode saber, então eles dão a desculpa de "se separar para investigar melhor". Novamente, é tudo bem brega, mas eu realmente aprecio que eles se importaram o suficiente pra explicar.
Existe um argumento antigo de que uma obra de entretenimento (seja ela um videogame, um filme, ou o que diabo for) deve ser divertida. Eu não acho que isso está errado, só que "diversão" é um conceito mais amplo. Algumas pessoas se divertem passando medo, algumas pessoas se divertem correndo riscos (ainda que totalmente seguros, como saltar de bungee jump ou despencar numa montanha russa), algumas pessoas se divertem ficando tristes com belas histórias.
E nesse sentido, em 1996 Resident Evil é um exemplo de cartilha sobre o que videogames podem ser, e sobre o que um survival horror deveria ser. A atmosfera adequada, a dificuldade de acordo, reconhece a importância do downtime no horror, apresenta uma história que acentua as macanicas e reúne todos esses elementos como nunca um jogo tinha acertado até então.
Resident Evil, junto com Tomb Raider e Silent Hill que vieram depois é o que eu chamava de "adult starter pack". Os videogames estão em outro patamar agora, e tudo isso começou com um sanduíche de Jill.
Obrigado por sua descrição, Barry, eu jamais teria deduzido o que uma arma é de outra forma |
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 104 (Junho de 1996)
Edição 022 (Janeiro de 1996)
Edição 009 (Julho de 1996)