quinta-feira, 27 de julho de 2023

[#1143][Out/97] THE CURSE OF MONKEY ISLAND

Videogames raramente são concebidos como visões artisticas. Na sua grande maioria, eles são concebidos e vendidos como brinquedos: vc acha que algo vai ocupar as pessoas o suficiente a ponto delas pagarem por isso, vc faz e vende esse brinquedo. E é isso. Não é que vc quer compartilhar sua visão sobre nada, ou falar artisticamente sobre um ponto, nem nada assim. Vc viu a chance de vender um brinquedo e vc vendeu, é assim que a imensa maioria dos jogos são feitos.

Não é que tenha algo errado com isso, diabos os jogos do Mario são feitos assim e o próprio Miyamoto diz se ver muito mais um fabricante de brinquedos do que um artista. E eu estarei morto e enterrado em meu gélido tumulo muito antes do dia que afirmar que Miyamoto está errado.

Porém, contudo, todavia, porém, entretanto... alguns jogos só são o que são pq eles são concebidos como mais do que um brinquedo, mais do que algo que vive e morre pelas suas mecanicas e cujo texto poderia ter sido escrito pelo chatGPT. THE SECRET OF MONKEY ISLAND é um desses jogos.


Tendo sido o filho concebido por Ron Gilbert, Dave Grossman e Tim Schaffer, esse jogo é a visão deles de uma paródia de todos os clichês dos filmes swashbuckling e pulp - que estavam na moda nos anos 80 depois do colossal sucesso dos filmes de Indiana Jones. A sequencia, MONKEY ISLAND 2: LECHUCK REVENGE, é a conclusão desse conceito.

Nesse jogo o trio fez todos os puzzles que achou que cabia a temática, fez todas as paródias que faltava fazer, se deu por satisfeita e concluiu a história. De uma forma esquisita, diga-se de passagem, mas concluiu. Tanto é que, feito esse jogo, eles sentiram que tiraram do seu sistema tudo que queriam fazer a respeito de Monkey Island e seguiram suas vidas.


Em 1997, Ron Gilbert e Dave Grossman já haviam saído da Lucas Arts para trabalhar no seu próprio estúdio (o que não deu lá muito certo, mas enfim) e Tim Schaffer estava liderando um projeto inteiramente diferente dentro da Lucas Arts (que viria a ser Grim Fandango, mas falaremos sobre isso dentro em breve). Sem nenhum dos seus criadores originais, o time responsável pela criação de THE SECRET OF MONKEY ISLAND estava desfeito, mas tudo bem pq o que havia para ser feito nessa obra já havia sido feito. Caso encerrado, vida que segue.

... né, Lucas Arts? NÉ?


Então...

Bem, em 1997 a Lucas Arts decidiu que precisava de um novo jogo de sua franquia de point'n clicks mais famosa. Pq razão, vc pergunta?


Então eis o que a Lucas Arts fez: pegou duas pessoas que trabalharam nos jogos anteriores e os promoveram a diretores criativos da coisa toda. Só que por "trabalhou" eu não estou falando de alguem que tomou decisões conceituais ou algo do tipo, eu quero dizer literalmente foram trabalhadores braçais no projeto, não tomadores de decisão.

Com efeito, Larry Ahern era apenas animador e Jonathan Ackley era programador. Agora, essa é uma decisão... estranha. Vc não pode simplesmente pegar dois operários de chão de fábrica, promover eles a liderança criativa e esperar ter o mesmo resultado pq "eles estavam lá", como a Lucas Arts achou que isso ia possivelmente colar com o publico como qualquer coisa que não um cashgrab barato e...

... E MINHA NOSSA SENHORA HOLY POUTA QUE O PARIU, COMO ESSE JOGO É BONITO!

O duelo de insultos foi resgatado do primeiro jogo, o que não é algo original mas ao menos é uma mecanica que eu gosto

Sério, a animação desse jogo é três ou quatro passos além de qualquer coisa que a Lucas Arts (ou qualquer um, na verdade), já tinha feito em point'n clicks antes. Sério, esse nível de fluídez e quadros de animação é absolutamente impressionante não apenas para a época, é algo muito rico mesmo hoje.

Eu sei que a expressão "é como jogar um desenho animado" é usado com certa leviandade no mundo dos videojogos, porém nesse caso é bem literal: a qualidade da animação é espetacular.


Mas hey, não é como  se a Lucas Arts achasse que pode se safar em fazer um novo jogo sem a essencia dos seus criadores e que ninguem ia perceber o golpe apenas pq ele é muito, muito bonito, né?

... a quem eu estou querendo enganar, é óbvio que isso vai dar certo. Adicione a isso ao "efeito Myst(ao contrário de 58 disquetes dos jogos anteriores, esse jogo era vendido em práticos CDs e por isso facilmente espalhado pelo mundo em revistas e tal) e esse jogo é atolado de memórias afetivas por essencialmente todo mundo. Com efeito, mais frequentemente sim do que não, vc vai encontrar reviews desse jogo abrindo com "amo esse jogo pq foi o primeiro point'n click que eu joguei" ou algo nesse sentido. "Efeito Myst".

Com efeito, uma das poucas que apontou que esse terceiro jogo era muito razzle dazzle e pouco conteúdo interessante foi a minha revista favorita da época, a Next Generation em sua edição 39:

The Curse of Monkey Island

After a five-year hiatus, the Monkey island series returns with its third installment. But it seems the development team (with the notable absence of original creator Ron Gilbert) decided that more of the same would be good enough. The only token effort to advance the time-honored, pointand-click gameplay involves several quasi-action sequences, although at least these are seamless and don't jar the player's attention.

The game's main appeal, then, is its extremely attractive facade. A great deal of effort has gone into the top-notch production values — sound, music, art, voice acting, animation — that are synonymous with the LucasArts brand. It showcases the usual fine attention to detail and continues the emphasis on creating a world that is integral to the storyline.

All this surface flash doesn't mean anything in the end, however, if the story and puzzles aren't up to par, and unfortunately, this is where the game falters — it doesn't fall exactly, but it falters. After the initial sensory rush, the less-than-inspired (and occasionally maddening) puzzle design slows the pace to a crawl, and the lack of a strong narrative pull belies the gorgeous exterior.

Humor has always been the driving element behind the Monkey island games, and Curse doesn't drop the ball in this regard. However, the increasing number of pop culture references sprinkled throughout adds a postmodern flavor that many times just doesn't fit well and ends up jolting the player from the meticulously constructed atmosphere that is the series' greatest strength.

At the end of the day, however, despite its flaws, Curse, like its two predecessors, is still just fun enough to remain a satisfying experience. The Monkey Island games are massively popular for a reason: People enjoy playing them. So it's hard to find too much fault with LucasArts for epitomizing the axiom, "If it ain't broke, don't fix it."
Taí, em 317 palavras perfeitamente resumido: Monkey Island 3 não serve pra ser tirado pra um jogo ruim, ele não é ruim por nenhuma medida de tempo e espaço... mas também não é muito impressionante - exceto pelos gráficos, isso é. Assim como a Disney sempre lançava continuações direto pra DVD sem alma de seus grandes filmes de sucesso, MI3 é tipo isso: uma continuação sem alma de uma franquia de sucesso feita pq ia vender e isso é isso.


Pra mim o grande ofensor dessa "continuação pra DVD" é, de longe, o humor. Enquanto Tim Schaffer e Ron Gilbert tem um senso de humor muito único, que mescla hilariamente humor negro, quebra de quarta parede, paródias de clichês e trocadilhos... Ackley e Ahern são tão engraçados escrevendo quanto o pessoal do departamento de contabilidade da empresa. Eu realmente espero que eles não dependam do humor para sustentar suas familias, pq esse passa longe de ser o forte deles.

Por exemplo, uma cenas mais engraçadas do primeiro jogo é quando você tem que dopar um cachorro com sonífero para passar por ele, então um disclaimer interrompe o jogo para parodiar o aviso que todos animais digitais nesse jogo são atores profissionais e nenhum animal digital foi ferido durante a produção do jogo.


Esse jogo tenta reeditar essa piada com o timing e o senso de humor de um advogado: em determinada cena Guybrush mistura remédios com bebida alcoolica e o jogo para para fazer um PSA que na vida real não se deve fazer isso. Tudo isso com o carisma de uma caixa de papelão molhado, because yay fun...

E um Monkey Island que não é remotamente engraçado... é o que então? Eu poderia dizer que tem os puzzles, mas a verdade é que eu não sou particularmente apaixonado pelos puzzles desse jogo também.

Enquanto é verdade que o jogo tem alguns puzzles bem sacados, eu diria que na maior parte do tempo esse jogo flerta com o lado SAM & MAX HIT THE ROAD da força. Por exemplo, em determinado momento vc precisa de um mapa e lhe é dito que terminado NPC o tem. Quando vc o encontra, ele está tomando sol na praia.


O que o jogo não te diz, entretanto, é que você tem que adivinhar que por um motivo completamente aleatório ele tem o mapa tatuado nas costas, então vc precisa virar ele pra só então conseguir o mapa da pele dele. Espera, o que? Como assim eu tenho que adivinhar que aleatoriamente alguem tem o mapa tatuado nas costas?! Quem é que pensa isso?!

Depois que você faz o puzzle todo e literalmente arranca a pele dele dá pra entender que eles tavam tentando parodiar o mapa de pele nojento de CUTTHROAT ISLAND... que a minha mente tinha bloqueado por razões óbvias... mas sério, quem é que pensa isso?



Ou então alguém pode justificar o jogo pensando que você descobrirá que pode contrabandear um dente de ouro de um restaurante de frango respirando hélio, depois enfiando o dente em chiclete e soprando uma bolha com ele, que obviamente flutua pela janela? É uma ideia muito cartunesca, mas que não tem muita lógica realmente.

É muito irritante porque um simples prompt de diálogo teria tornado tudo muito mais razoavel, mas o jogo apenas assume que você tem todo o tempo do mundo e que a diversão não é deduzir os puzzles e sim apenas tentar tudo com todas as opções interagiveis possiveis. Yeah, a minha noção de diversão em point'n click definitivamente não é a mesma de Ackley e Ahern, eu posso te dizer isso...


No fim, eu realmente não me diverti tanto com esse jogo quanto eu esperava. Curse funciona perfeitamente bem mecanicamente (eles usam o sistema de interação de FULLTHROTTLE, o que sempre é uma coisa boa), mas o humor é frequentemente no nível "isso era pra ser engraçado?" e os puzzles são... funcionais, se vc tiver um walkthrough a mão. Uma continuação direto pra DVD esquecível, mas nada muito além da animação incrivelmente bonita.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 124 (Fevereiro de 1998)