sexta-feira, 27 de maio de 2022

[#895][SNES/MEGA] CUTTHROAT ISLAND [Feveiro de 1996]


Eis aqui uma obra que eu tinha muita curiosidade de conhecer melhor, pq quando eu era criança tinha "A Ilha da Garganta Cortada" para Super Nintendo na locadora do meu bairro e eu aluguei uma vez. Era um beat'm up que eu consegui passar da primeira fase apenas uma vez - para morrer imediatamente na segunda. O que é uma merda, mas não é algo tão incomum assim na época, jogos que não foram feitos pra vc passar da primeira fase são um legado do Nintendinho que estava quase desaparecendo mas não totalmente.

Porém não é isso que me deixou curioso a respeito dessa obra e sim o filme no qual o jogo é baseado: esse filme entrou para o livro dos recordes como o maior fracasso financeiro da história do cinema - título infame que manteve até 1999 quando perdeu para o 13o Guerreiro, e ainda hoje é o quinto na lista de maior grana perdida em um filme com assombrosos 187 milhões de dolares de preju auferidos ao estúdio.


Agora a coisa curiosa a respeito disso é que eu lembro de ter visto esse filme na Tela Quente... e eu não lembro dele ser tão ruim assim. Aí então eu reassisti o filme para esse projeto e... pior que não é mesmo. Não é um filme tenebroso. É desinteressante? Sim. Podia ser cortado 30-40 minutos do filme? Deveria. Mas o maior flop de todos os tempos? Meh, podia ser pior.

O que aconteceu então?


Bem, no começo dos anos 90 a Carolco era a produtora mais quente de Hollywood, empilhando um sucesso atrás do outro como se ela estivesse sendo paga pra isso... o que ela de fato estava, essa expressão não funciona tão bem nesse caso... e era só tijolada grossa?

QUER DIZER ALÉM DO CROSSOVER ENTRE CÃEZINHOS DO CANIL E URSINHOS CARINHOSOS?

Pra vc ver como eles são ambiciosos, chupa MCU que isso que é crossover! Mas não, estou falando de vários filmes de sucesso de verdade, muitos dos quais eu conheço melhor do que eu gostaria devido aos jogos terríveis feitos baseados neles como TERMINATOR 2: JUDGEMENT DAYUNIVERSAL SOLDIER, THE LAST ACTION HERO e CLIFFHANGER. Além de alguns outros filmes de grande sucesso que certamente dariam material para jogos como "Eles Vivem" e "Instinto Selvagem".

TENHO QUE DIZER QUE UM JOGO DE INSTINTO SELVAGEM É ALGO QUE EU CONSIGO VISUALIZAR A LJN OU A OCEAN FAZENDO... INFELIZMENTE.

E não é? Mas então, a Carolco era toda e não era prosa. 


Porém como um jogador de futebol milionário que aos 40 anos não tem mais onde morar, a Carolco tinha o talento de gastar tanto dinheiro quanto fazia... e rapaz, eles faziam muito dinheiro - então apenas imagine o quanto eles gastavam.

Pra vc ter uma ideia do quanto eles torravam sem dó, quando Schwarzenegger assinou para fazer TERMINATOR 2: JUDGEMENT DAY a Carolco pagou para ele um cachê de 15 milhões de dolares.

ATÉ ONDE ME CONSTA ESSE É UM SALÁRIO OKAY PARA UM SUPERASTRO DA ÉPOCA, NÃO VEJO QUAL O PROB...

... em adição a um jatinho particular de 17 milhões de dolares que eles deram de "presente" pra ele. Então só com o salário da sua estrela o filme já precisava fazer mais de 30 milhões de dolares, apenas com isso. O que, é óbvio, Terminator 2 fez e com folga. Mas a Carolco vivia essa vida loka 24/7 e era salário astronomico, festas faraonicas, "brindes" milionários... ou seja, eles viviam de vender o almoço pra pagar a janta. 


O que é uma forma muito perigosa de viver a vida quando vc vive em uma indústria em que nada é garantido. Não que em alguma midia qualquer coisa seja garantida, mas vc depender do seu filme ser sempre um fenomeno de bilheteria sem ter margem de erro... é uma forma perigosa de viver a vida, para dizer o minimo.

Seja como for, bastava apenas um flop para o estúdio bater as botas e é aqui que viemos parar na Ilha da Garganta Cortada. Mas hey, se é um projeto tão importante do qual a vida do estúdio dependia eles iam fazer isso com todo cuidado do mundo, certo?

... certo, caras? 


... esses caras vão totalmente se destruir, né?

Bem, para total surpresa de absolutamente ninguém, a produção do famoso filme que matou a Carolco é repleta de problemas. Pra começar que o roteiro foi reescrito diversas vezes e ao ponto que as filmagens começaram sem sequer ter o protagonista masculino escolhido.



Isso pq a ideia original da Carolco era ter Michael Douglas como protagonista. Nosso querido doutor Hank Pym estava superquente na época, tendo estrelado vários sucessos como "Um Dia de Fúria" e o já citado "Instinto Selvagem" que não virou jogo da Ocean. Até aí beleza, o problema era que o diretor do filme tinha outra ideia: ele queria que a sua esposa, Gena Davis, não fosse apenas a protagonista do filme mas como a grande estrela da porra toda e o cara fosse apenas um sidekick engraçadalho e por isso o roteiro foi reescrito por ele mesmo.

Claro que a esse ponto vc pode argumentar que o produtor do filme é que manda nessa porra e ele tinha que ter intervido pra colocar ordem no negócio... mas então, onde estava o produtor da Carolco a essa altura mesmo?


Compreensível.

Bem, isso levou a Carolco ter que correr atrás de um protagonista masculino que atraísse publico pro cinema com as gravações já em andamento, e todo mundo que valia alguma coisa viu a puta roubada que isso tava e polidamente recusou. E por "todo mundo", eu quero dizer todo mundo mesmo: o papel foi oferecido a Tom Cruise, Keanu Reeves, Russell Crowe, Liam Neeson, Jeff Bridges, Ralph Fiennes, Charlie Sheen, Michael Keaton, Tim Robbins, Daniel Day-Lewis e Gabriel Byrne. 

O resultado foi que o protagonista acabou sendo a 13a opção da produção, Matthew Moddine. E enquanto ele é um ator okay (mais conhecido pelo soldado Joker em "Nascido para Matar"), absolutamente zero pessoas em qualquer multiverso iriam ao cinema por causa do nome dele.


Não que faça muita diferença realmente, pq a essa altura seu papel já havia sido reescrito para ser apenas coadjuvante nas incríveis aventuras da esposa do diretor.

E isso foi apenas UM problema que esse filme teve. Adicione aí navios construídos em tamanho real e então acidentalmente pegando fogo, a todo um tanque de milhares de litros de agua construído para as cenas de batalha aquática ser inutilizado pq estourou um cano septico, o diretor de fotografia quebrou a perna caindo de uma grua no primeiro dia e o filme ficou parado uma semana até ele ser substituido, equipe sendo demitida a torto e a direito no set, o diretor insistindo que os atores fizessem as proprias cenas de ação (exigindo várias e várias tomadas quando um duble profissional provavelmente teria acertado de primeira) vc sabe, o pacote completo.


O resultado dessa folia é que quando o produtor da Carolco acordou do coma alcóolico, o boleto do filme ja estava em quase 100 milhões de dolares. O que, corrigido para os valores de hoje, dá apenas uns fodendos 200 milhões mais ou menos. 

E desses 100 milhões a Carolco podia bancar uns 60, quase metade do orçamento do filme foi obtida através de empréstimos e vendendo direitos de outras coisas que eles tinham como os direitos conexos de STARGATE.

Matthew Modine pode não ser um nome que atraia muito publico ao cinema, but at least he got it


Ou seja, quando viram esse filme já tinha consumido todo o orçamento de Pantera Negra em um filme de piratas do qual a vida do estúdio dependia... mas tudo bem, pessoas gostam de filmes de piratas, certo?

Só lembrar o grande sucesso de... hã... hmm.... eu estou tentando lembrar de algum filme de Pirata que foi um grande sucesso sem citar Piratas do Caribe, mas como eu não consigo imagine Piratas do Caribe... sem o Jack Sparrow... e em uma primeira versão do draft do roteiro. Okay, tenho que dizer que essa imagem não parece tão incrível assim, caras.

Como eu disse, A Ilha da Garganta Cortada não é um filme ruim, só é um filme... desinteressante. Seria okay uma produção de médio-baixo orçamento pra passar na Sessão da Tarde e rodar enquanto vc tá no esperando ser atendido no consultório do dentista, mas como um grande blockbuster que já  nascia obrigado a fazer 100 milhões de doletas? Nem fodendo.


Tá, pra não dizer que esse filme não faz nada de radicalmente errado, tem uma coisa que me incomoda sim nesse filme e não é pouco. Isso acontece logo na terceira ou quarta cena. Como eu disse, essa é uma história simples de caça ao tesouro: encontre as três partes de um mapa, decifre-o e encontre o tesouro. Vários personagens estão procurando por isso, alianças e traições, yadayadayada, a coisa se escreve sozinha. 

Onde o filme me perde instantaneamente é quando Morgan, a filha imparável de um capitão traído por seu irmão por não querer dar a sua parte do mapa pra ele, abraça seu pai moribundo e é instruída pelo seu último suspiro a raspar a cabeça dele. Hã... okay? Estranho, onde estamos indo com isso? 

Caralho mina, teu pai tinha um cabeção heim?

Acontece que um terço do mapa foi tatuado em seu couro cabeludo e Morgan arranca o escalpo do seu pai morto e o carrega com ela pelo resto do filme, sacando esse pedaço apodrecido de carne do pai sempre que precisa saber pra que lado fica o tesouro. Em um ponto, ela puxa pra fora de sua calcinha. Ninguém comenta isso no filme, mas não tem como não reparar nisso o filme todo, é tão macabro e desnecessário que vc não consegue prestar atenção em outra coisa. Vc não podia apenas transcrever o mapa em um papel, né Morgan? 

O mapa de couro cabeludo é a coisa mais memorável de Cutthroat Island, sempre que ele não está na tela, estou perguntando "onde está o mapa de couro cabeludo"?


Afora esse detalhe bizonho, entretanto... bem, quando vc diz "filme de pirata", a imagem mental que te vem a mente já dá spoiler de cada cena, dialogo e "reviravolta" que acontece no filme, e o filme não corre riscos além disso. É um filme que não precisava ser feito, mas em sendo feito não é ofensivo. Só não é muito bom.

Os maiores problemas são realmente a falta de um nome de primeira para abrir um filme de orçamento tão grande, um estúdio de cinema desesperado jogando roleta russa com seu futuro, uma série de acidentes, contratempos e atrasos durante a produção, uma data de lançamento mal cronometrada com quase zero publicidade, e um diretor ambicioso demais, incapaz de restringir suas fantasias. Dessa forma, embora esse filme não seja bom, as razões que explicam seu fracasso  indescritível estão muito mais por causa do que aconteceu fora da tela do que no filme em si.

Curiosamente, os próximos filmes que seriam oferecidos para a Carolco seriam Independence Day e Titanic, então se eles tivessem sobrevivido a isso... provavelmente teriam torrado o dinheiro do mesmo jeito em prostitutas e blackjack. Não vamos nos enganar a respeito disso.

Assim... pq? Quem foi que acho que transformar a espada curta em um metronomo deixaria a cena mais legal e que drogas essa pessoa estava tomando?

Mas bem, agora que falamos sobre o filme vamos então ao legado dele que nos trouxe aqui: o beat'm up lançado para SNES e Mega Drive. Pq afinal estamos nos anos 90, então você vai ter uma uma adaptação de videogame mesmo que o filme saia correndo das salas de cinema pra chutar filhotinhos no meio da rua. E os resultados de um jogo desse filme são exatamente o que você poderia esperar.

A história do jogo, contada através de paredes de texto, é exatamente como do filme: existem pedaços de um mapa de um tesouro lendário, e você tem uma. Você joga como a infame pirata Morgan Adams, ou seu sidekick William Shaw, e quer arrancar os outros três pedaços de seus donos. Nas partes posteriores do jogo, você montará o mapa, chegará à mítica Cutthroat Island e deverá navegar pela selva inóspita para reivindicar o loot. O que é um roteiro que numa competição de roteiro mais genérico do mundo tiraria segundo lugar - pq ele é genérico demais pra ser primeiro até nisso. Mas é o que filme é, e assim é o jogo.


Em sua essência, o jogo é beat'm up padrão. Morgan e Shaw passam por fases 2D simples enquanto espadeiam vários tipos de piratas pela tela. Teoricamente, você tem duas opções de estilo de luta na tela Opções – esgrima e sair na mão. A diferença entre os dois é basicamente se vc quer passar da primeira tela do jogo ou não.

Se vc lutar com espada, se beneficia do maior alcance e dano da espada que ambos os personagens carregam. Se você escolher “brawçer”, você ainda carrega a espada, mas seus ataques são modificados para golpear com o punho em vez de usar a lâmina. A ideia é que você possa encadear ataques mais rapidamente com brigas, mas na prática, vc não vai chegar perto de ninguém pq todo mundo usa espada aqui e mesmo que chegue, seu dano é tão menor que leva mais tempo do que a sanidade que vc tem disponível para derrotar um inimigo, pra não falar dos chefes.



De acordo com a lei dos anos 90, tem também uma fase de carrinho de mina desgovernado para "variar as coias". Nesse caso, desce colinas desviando de árvores e rochas. Só que ao contrário de DONKEY KONG COUNTRY, não tem como desacelerar o carrinho, apenas desviar para cima ou para baixo da tela. Como os objetos vem muito rápido na sua direção, não tem tempo de ter reflexos - a unica forma de passar de fase é decorar a sequencia... sendo limitado a três vidas.

E esse é o pior problema do jogo: as duas primeiras fases são as mais dificeis do jogo. Na primeira fase por algum motivo os inimigos tem um alcance FDP com suas espadas e vão drenar sua vida como se estivessem sendo pagos pra isso, na segunda é a fase do carrinho de mina (bem, o equivalente disso nesse jogo, vc entendeu). Porém depois que vc passa dessas duas fases (usando gamegenie ou algo assim, pq normalmente não tem como), o jogo é um beat'm up bastante normal. Não é ruim, mas também não é bom, é apenas normal e genérico.


... até o ponto quando o jogo de repente decide se tornar um jogo de plataforma na metade. Depois que você chega na Ilha da Garganta Cortada imediatamente se depara com um labirinto onde as cavernas levam você a novas telas e encontrar o caminho certo é pura tentativa e erro. 

O problema é que enquanto isso, poços de areia movediça camuflados se espalham pelo chão e basicamente significam morte instantânea. Você pode correr e pular neles se souber que eles estão lá (boa sorte com isso)... mas boa sorte com correr e pular nesse jogo.


Olha, esse jogo claramente foi desenhado pra ser um beat'm up. Seus pulos não são poderosos o suficiente, e a precisão de pixel necessária para um pouso seguro é muito mais difícil do que deveria ser. A distância do salto para a frente é predefinida e você não pode controlar ou encurtar seu salto uma vez no ar. Isso significa que você precisa medir seu salto com antecedência (tipo apertar o botão de pulo 2 pixels antes da beirada pra não passar direto), muitas vezes sem uma visão clara de onde deve pousar. E é claro que você perde uma vida se errar. Yay, fun.

Graficamente o jogo tem uma paleta de cores diferente do que normalmente é usada no Super Nintendo, lembra um pouco OUT OF THIS WORLD. A variedade de inimigos é okay para o tamanho do jogo e a animação também é muito boa, com os personagens principais tendo ótimos movimentos e detalhes incomuns para a época como o cabelo esvoaçante da Morgan.



Enfim, tirando a primeira fase que por algum motivo é a mais dificil do jogo e vai fazer todo mundo parar nela, a mecanica de beat'm up de Cutthroat Island não é tão ruim, e faz um trabalho decente em socar (ou espadar, nesse caso) a galera. O sistema de pegar armas de fogo pra usar com a mão secundária e dar alguns tiros adiciona variedade e funciona também. Então se o jogo tivesse se focado nisso, seria perfeitamente e em coop até mesmo divertido de se jogar.

Onde o jogo afunda são as partes terríveis de plataforma e as fases de carrinho de mina. Tal como o filme que o inspirou, o material base não é ruim mas teria que sofrer uma lipoaspiração pra ser divertido. Nos jogos cortar essas fases "diferentes" que não funcionam, e no filme cortar uns 40 minutos de filme. E ainda sim seria apenas "okay".


MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 085 (Julho de 1995)


Edição 104 (Junho de 1996)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 008 (Abril de 1996)