quinta-feira, 13 de novembro de 2025

[#1593][Nov/1999] MR. DRILLER

Embora hoje você possa pensar na Namco como meramente o sobrenome da Bandai-Namco, uma relíquia hifenizada dentro de um monólito corporativo que vale bilhões, nem sempre foi esse o caso. Era uma vez, a Namco era praticamente sinonimo de videogames. Antes da Konami aprender a aterrorizar você com Castlevania e Silent Hill, antes da Capcom soltar robôs azuis e artistas marciais que lançavam hadoukens, e muito antes da Nintendo ser qualquer coisa além de uma fabricante medíocre de brinquedos, a Namco era o estúdio que fazia os videogames existirem. 

O nome da Namco já foi tão poderoso que resitiu a tantas tempestades que enterraram dezenas de outros. Ela sobreviveu à grande crise dos videogames do início dos anos 80, suportou a ascensão da febre dos consoles domésticos que a Nintendo havia desencadeado, e mesmo quando a Sega se coroou a Rainha dos Arcades, a Namco manteve-se firme como a guardiã — zombando da novata com um sorriso de superioridade conquistado através de anos de domínio. As décadas de 1980 e início dos anos 90 foram uma guerra territorial total entre Sega e Namco pelo controle dos arcades, uma corrida armamentista movida a fichas travada em fliperamas enfumaçados e botecos com cheiro de pinga barata. Cada cabinet era um campo de batalha.

E foi precisamente por causa dessa reputação — porque a Namco havia sido a pedra no sapato da Sega por tanto tempo — que a Sony recorreu a eles ao planejar o PlayStation original. A arma secreta da Sega no início dos anos 90 havia sido seu pipeline de conversão de arcade para console; a Sony queria jogar esse mesmo jogo, mas com hardware melhor e jogos mais legais. E funcionou. É fácil esquecer que os primeiros anos de um console que veio a ter jogos como Resident Evil, Metal Gear Solid e Final Fantasy VII na verdade foram bem dificeis, 94 e 95 foram áridos para o PS1. E justamente nesse período tão dificil que a Namco carregou o sistema nas costas com Ridge Racer, Tekken e Soul Edge. Sem a Namco, o PlayStation poderia ter sido apenas mais um "experimento multimídia" descartado. 

Mas, na virada do novo milênio, esse disco já estava gasto. Os fliperamas — o reino da Namco, sua força vital — estavam encolhendo rapidamente, tornando-se cantinhos nostálgicos em shoppings e armadilhas para turistas. Os jogos estavam evoluindo para algo complexo, cinemático e cada vez mais caro para produzir. A velha fórmula de "colocar uma ficha e jogar por dois minutos" simplesmente não era mais suficiente para com as epopeias de horas e horas da era do PlayStation. Até os jogos de luta, os últimos defensores da cultura de arcade, estavam sendo conquistados pela conveniência dos consoles. Por que gastar fichas quando os videogames da sexta geração entregavam a mesmíssima experiencia no seu sofá de graça?

E conforme o império dos arcades caía, o trono da Namco também desabava. A outrora parceira essencial do PlayStation agora era apenas mais uma entre tantas. Ridge Racer, outrora carro-chefe de corrida da Sony, foi deixado comendo poeira digital para Gran Turismo. Tekken e Soul Edge ainda importavam, claro, mas eles não eram mais eventos. Eles eram apenas mais alguns entre tantos... e definitivamente fazer de Soul Calibur um exclusivo de Dreamcast não ajudou a pagar muitas contas.

Então, em 1999, a poderosa Namco — a mesma empresa que deu ao mundo Pac-Man, que definiu o que era um fliperama — havia se tornado uma convidada em sua própria casa. A cena mudou, as crianças seguiram em frente, e a empresa que outrora moldou o futuro agora tinha que explicar quem ela era para conseguir entrar na festa.

E é exatamente aqui onde nossa história começa — no crepúsculo da era dos arcades, quando a Namco, machucada, mas ainda não derrotada, via o mundo dos videogames se afastar cada vez mais dela. 

No final de 1999, a Namco não estava indo bem financeiramente. A era de ouro dos fliperamas com luzes de néon e o tilintar de fichas havia se ido há muito tempo, e a empresa que outrora definiu aquele mundo agora mancava através dele. As coisas não melhorariam tão cedo também. Na verdade, elas piorariam tanto que, em 2006, a Bandai — o conglomerado de brinquedos nadando em dinheiro, mas sem qualquer prestígio real nos jogos — apareceu para o que só poderia ser descrito como um casamento de conveniência estilo vitoriano. A Bandai trouxe o dote, a Namco trouxe o nome da família, o know-how do mercado e algumas relíquias empoeiradas (Pac-Man, Tekken, Ridge Racer). 

Mas a Bandai-Namco é mais para frente. Por agora, ainda estamos naqueles mesmos dias de inverno — e a Namco precisava de algo, qualquer coisa, para manter as luzes aces e os empregados alimentados. Então, é claro, eles voltaram para a coisa que eles sabiam fazer de melhor, mesmo que fosse algo que agora mal importava: os fliperamas. Além de compilações movidas a nostalgia como Namco Museum, a empresa havia entrado na fase de desespero de "atirar qualquer coisa na parede e ver o que cola". E dessa sessão de brainstorming caótica surgiu uma ideia: Dig Dug 3.

Ok, agora oficialmente chegamos ao estágio do "botão de pânico".

DIG DUG, de 1982

Não me entenda mal — Dig Dug era ótimo no início dos anos 80. Charmoso, colorido e estranhamente violento quando você pensa sobre isso. Quero dizer, você jogava com um homenzinho que escava túneis e enfiava uma bomba de ar na boca de monstros para inflar eles até estourarem como balões de carne. Imagine essa cena renderizada com gráficos realistas — as veias saltando, o som do ar forçando caminho na carne, aquela chuva de entranhas voando por toda parte por conta da implosão. Meio brutal esse mano, heim?


Mas voltando aos jogos, se Dig Dug 2 já foi forçar a barra — que funcionou no NES porque, bem, tudo funcionava naquela época. Mas Dig Dug 3? Em 1999? Isso não é uma aposta — é um pedido de socorro. O que eles poderiam possivelmente adicionar desta vez para justificar esse jogo? Uma mecânica de quebra-cabeça? Alguns blocos de Tetris? Talvez tornar a escavação mais... rítmica? É, isso seria totalmente ridículo... Ah. Espera. Eles... literalmente fizeram isso.

Bem, para ser mais preciso (e sempre somos a favor da acuidade histórica neste blog, não é?), o conceito de Dig Dug 3 estava mais para Columns do que de Tetris realmente. Mas sim, essa era a ideia principal — você dig e dugueava através de blocos coloridos, e conforme você abre seu caminho para baixo, esses blocos caiam com a gravidade. Quando blocos da mesma cor se tocam, eles desaparecem em combinhos organizados, liberando espaço e dando a você aquele doce hit de dopamina de puzzle.

E sabe o que mais? Não é uma ideia ruim. Nada ruim mesmo. Na verdade, tem algo estranhamente satisfatório nisso. Você tem a emoção tátil de Dig Dug — a escavação, a claustrofobia, a descida — fundida com as reações em cadeia hipnóticas de Columns. É a serotonina de dois jogos comprimida em um. Você cava e faz combos — isso realmente funciona.

E não sou só eu que pensava isso. Em algum lugar nos corredores mal iluminados da sede da Namco, um jovem designer chamado Yasuhito Nagaoka — que mais tarde se tornaria a mente criativa por trás de Gravity Rush — estava defendendo este projeto curioso e peculiar. Intrigado, ele chamou a atenção de Hideo Yoshizawa, um dos produtores veteranos da Namco e um homem com sérias credenciais old-school (você deve conhecê-lo melhor como o criador de Ninja Gaiden nos anos 80).

Yoshizawa viu potencial imediatamente. Sob o absurdo de "Dig Dug, mas com quebra-cabeças de gravidade", ele reconheceu algo que poderia realmente ser uma coisa interessante — uma ponte entre o passado e o futuro, entre os instintos de arcade da era de ouro da Namco e as sensibilidades de uma nova geração. Mas ele também sabia que uma coisa tinha que sumir: o nome.


Vamos ser honestos, em 1999 ninguém que jogava videogames tinha idade para saber — e muito menos se importar — com o que era um Dig Dug. O nome evocava arcades empoeirados, fliperamas enfumaçados e uma época pela qual a maioria dos novos gamers nunca havia vivido. Dig Dug 3 soava menos como uma sequência emocionante e mais como um lançamento triste direto para VHS. Então Yoshizawa tomou a decisão: o jogo precisava de uma nova identidade, e de preferência um rosto mais fofo do que um minerador psicótico armado com uma bomba de ar.

E assim, através de partes iguais de criatividade e instinto de sobrevivência corporativa, a Namco deu à luz um novo herói — alegre, colorido em tons pastel e com menos homicidios que seriam censurados em 358 países. Foi assim que chegamos ao... Sr. Perfurador.

Nossa história aqui — porque claro que nós temos uma história, isso aqui não é a Casa da Mãe Joana... ainda! — se passa em uma cidade que, bem, nem mesmo tem um nome. Escolha a que você menos gosta, é essa. Enfim, esta pobre cidade sem nome está sendo invadida por blocos gigantescos e coloridos saindo do chão. Ninguém sabe porquê, mas aparentemente, este é um problema sério. E se tem algo que essa cidade não tolerará é ter pavimentos coloridos atrapalhando o transito, é aqui que eles traçam a linha!

Mas não tema! O povo chama o único homem que pode salvá-los. A lenda. O mito. O cara que por acaso estava por perto com ferramentas de construção civil. Sim, senhoras e senhores — o Sr. Perfurador!

Agora, logicamente, você assumiria que ele vai remover todos aqueles blocos perigosos e restaurar a cidade à segurança. Isso faria sentido. Mas não. Em vez disso, Mr. Driller decide que a melhor maneira de resolver a crise é escavando uma linha reta para o centro da Terra. Porque é claro que é assim que resolvemos as coisas agora. Não posso dizer que tenho certeza de como isso vai resolver o problema dos blocos na superficie, ou ao menos se ele está tentando resolver isso!

Talvez seja apenas um caso espetacular de confiança mal colocada, o povo da cidade simplesmente depositou fé demais em um cara aleatório com uma furadeira porque assumiram que isso era parte do plano para resolver o problema. Talvez ele nem saiba que tem um problema para ser resolvido!


Enfim, sua missão como Mr. Driller é simples: perfure até o núcleo da Terra — cerca de 2.500 metros ou 5.000 metros de profundidade, dependendo do modo que você escolher. O que, se você parar para pensar, torna este mundo incrivelmente raso. Tipo, perturbadoramente raso. Eu costumava achar que o Dragon Ball Z era raso, mas aparentementenem se compara a todo um planeta que tem apenas alguns milhares de metros de espessura. Mas suponho que eu esteja overthinking demais essa premissa. Você é Mr. Driller, você tem uma furadeira, e há muitas cores entre você e a vitória. Esse é o enredo. Essa é a missão. Essa é a arte.

Portanto, dito isto, a jogabilidade em si é deliciosamente simples — mas surpreendentemente cativante, como qualquer bom jogo de puzzle de arcade deveria ser. Você perfura seu caminho para baixo, tentando não ser esmagado pelo avalanche que inevitavelmente acontece quando você remove o bloco de suporte errado, tudo enquanto corre contra seu suprimento de ar que diminui. Ah, e por alguma razão, você também pode gastar ar extra para quebrar blocos marrons mais resistentes — o que, de uma perspectiva de engenharia, não faz absolutamente nenhum sentido, mas vamos aceitar.

Agora, eu entendo a lógica de jogabilidade por trás do temporizador de oxigênio. É um truque clássico de arcade: pressão é igual a tensão é igual a fichas. Você precisa de um relógio correndo para fazer o jogador entrar em pânico e alimentar a máquina com mais uma ficha. Mas o que eu não entendi a princípio foi a lógica real disso. Quer dizer, qual é — se você está cavando buracos, o ar não simplesmente... te segue? Não é como se o oxigênio tivesse uma rixa pessoal com túneis. Por que este cara precisa de um tanque de ar?


Bem, a coisa interessante é que Mr. Driller na verdade tem uma razão muito científica para estar inalando oxigênio engarrafado — e acredite ou não, é cientificamente preciso. O problema não de cavar um tunel assim não é a falta de ar, é o excesso dele. Veja, quanto mais fundo você vai, mais peso do ar em cima de você tem — o que chamamos de pressão atmosférica. Na superfície, a pressão atmosférica é irrelevante, nossos corpos são tão adaptados a ela que nem a notarmos. Mas conforme você desce, esse peso invisível aumenta dramaticamente. Vá fundo o suficiente, e você não precisa de pedras caindo para te matar — o ar sozinho fará o trabalho com prazer.

E mesmo que o Mr. Driller tivesse algum tipo de super armadura ou pele mágica, o ar ainda acabaria envenenando ele. Por quê? Porque ao nível do mar, a pressão do ar é de cerca de 1 kg por cm², e o ar que respiramos é aproximadamente 21% oxigênio — o ponto ideal. Mas à medida que a pressão aumenta, esses mesmos 21% começam a compactar muito mais moléculas de oxigênio em cada respiração que você dá. Oba, mais oxigenio é melhor ainda, certo? Não. É mortal.

Em altas concentrações, o oxigênio se torna tóxico para o sistema nervoso central. Ele causa convulsões, ataques e, eventualmente, a morte — o mesmo efeito delicioso que os mergulhadores de águas profundas arriscam se ficarem muito tempo sob alta pressão. Isso pode começar a acontecer a profundidades de apenas seis metros se você estiver respirando oxigênio puro. Agora se falamos de vários quilômetros para baixo, não é a falta de oxigenio que você tem que temer, é o excesso dele.


E então tem o nitrogênio, o outro grande componente em nosso coquetel atmosférico. Sob pressão, ele começa a intoxicar seu cérebro, entorpecer seus sentidos  e provavelmente te fazer ligar pra sua ex. Os mergulhadores chamam isso de narcose por nitrogênio, mas nome chique a parte é basicamente ficar bêbado de ar.

Então sim, por todas as contas, Mr. Driller precisaria de tanques de ar porque ele claramente está vestindo um traje pressurizado para sobreviver a essas profundidades absurdas. Claro, isso levanta uma questão totalmente diferente: por que existem tanques de oxigênio perfeitamente funcionais convenientemente espalhados por seu caminho subterrâneo? Existe um clube de mergulho subterrâneo de que nunca ouvimos falar?


Bem, como em todos os bons videogames, alguns mistérios são melhor deixados para a magia do "porque é jogabilidade". Mas ainda assim — não é fascinante como tudo isso acaba sendo cientificamente preciso?

[VOCÊ SÓ ESTÁ FALANDO SOBRE ESSAS COISAS DE CIÊNCIA PORQUE ACABOU AS COISAS PARA DIZER SOBRE O JOGO, NÉ?]

Absolutamente, Jorge! Eu não conseguiria espremer outra frase sobre a jogabilidade em si mesmo que minha vida dependesse disso. Mas se eu puder encher o word count com curiosidades sobre toxicidade atmosférica, pode apostar que eu vou!

Mas tá... deixando de lado toda a ciência acidental, como é realmente jogar Mr. Driller? Numa palavra: estressante. Mas do jeito certo. Mr. Driller é o tipo de puzzle que não exige grandes esforços do seu intelecto (o que é bom no meu caso, pq eu não tenho muito mesmo), mas você tem que estar sempre microcorrigindo sua rota e reagindo ao que acontece. Você está constantemente decidindo se deve cavar até aquele suculento tanque de ar a alguns metros de distância ou jogar seguro e seguir o caminho principal — que, claro, imediatamente desaba em cima de você porque este jogo te odeia pessoalmente. Mas esse é o ponto: a tensão é constante, mas o suficiente para manter seu cerebro ocupado sem realmente exigir demais de vc. 


O que, paradoxalmente, é estranhamente calmante. Há um ritmo no caos — o clique da furadeira, o desmoronar suave dos blocos caindo, as cores pastel deslizando para a eliminação. Isso te leva a um transe hipnótico, onde seu cérebro começa a desligar e suas mãos assumem o controle. Você para de pensar em sobrevivência, ou pressão, ou envenenamento por oxigênio — você apenas perfura. Mr. Driller meio que deixa de ser um jogo de puzzle e se torna uma espécie de meditação. E não é isso que se poderia pedir de um puzzle game?

MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 071 (Julho de 2000 - Semana 1)