Talvez você esteja ciente, provavelmente não pq ninguém lê essa porcaria, mas estamos numa fase de transição aqui no blog. Diferente de muitos de vocês, pobres crianças traumatizadas, eu cresci com pais que me amavam o suficiente para me presentear com o melhor console 16 bits já feito. O que significa, é claro, que eu não tenho absolutamente nenhuma nostalgia pelas esculhambações que a Sega fazia. E nesse blog eu sempre chamei os truques deles pelo que eram: muito marketing, pouca jogabilidade. Essa é a colina em que plantamos nossa bandeira neste blog – a verdade, não os slogans, não as palavras da moda do marketing, e certamente não o nonsense pseudo-técnico. (Sim, estou olhando para você, "Blast Processing", nem a Sega sabia o que aquilo realmente fazia exceto além de soar legal na propaganda.)
Dito isso, gosto de pensar em mim mesmo como um juiz magnânimo e sábio do caráter dos videogames. Como eu sempre disse, eu chamo as coisas pelo que realmente são – e quer saber? Depois de anos (e eu digo ANOS) sendo a piada da indústria, a Sega finalmente acertou. Sim, estou tão chocado quanto você, mas o Dreamcast é... bom, na verdade. Tipo, bem legal mesmo. Suspeito que o puro desespero de ter que desviar de agiotas a caminho do escritório acendeu um tipo de chama da loucura no departamento criativo da Sega. Com a falência bafejando em seus pescoços e a dignidade de quem precisa reaproveitar a agua de ferver o ovo pra fazer o miojo, eles simplesmente decidiram pisar fundo no acelerador e ver o que acontecia.
E o que aconteceu foi uma das bibliotecas de jogos mais bizarras, fascinantes e simplesmente inspiradas que já existiram. A linha do Dreamcast parece um sonho febril coletivo – um grito de ajuda desesperado e brilhante traduzido em formato de GD-Rom. Estamos falando de ROOMMANIA #203, PHANTASY STAR ONLINE (um RPG online para consoles no ano 2000, veja você), SPACE CHANNEL 5, SAMBA DE AMIGO, CRAZY TAXI e – isso não é piada – THE TYPING OF THE DEAD. Sim, um light-gun shooter onde você destrói zumbis com um teclado. Isso não é marketing; isso é obra de gênios perturbados. A Sega, em suas horas finais, se tornou a empresa mais interessante dos games – não porque estava vencendo, mas porque não tinha mais nada a perder. É trágico, bonito e completamente insano. Então sim, contra todas as probabilidades, no último suspiro desesperado da Sega... eu meio que gosto deles agora.
"Sonic nunca foi bom" é um dos debates mais antigos da internet – e, para mim, um dos mais idiotas. (Então a internet nunca foi lá essas coisas desde o começo, hein?) Quer dizer, você já jogou aqueles jogos? É um jogo de plataforma que é ruim em plataformar! O Sonic parece pesado, lento, como uma bola de boliche de tênis, e você praticamente precisa de uma catapulta para fazê-lo se mover. (Na verdade, o jogo fornece exatamente isso, o que já deveria te dizer algo.) Isso é o oposto de um bom design de plataforma – pelo amor de Miyamoto!
[AH, MAS OS JOGOS DO SONIC SÃO SOBRE VELOCIDADE, NÃO SOBRE PULOS PRECISOS!]
É... Tenho a impressão de que você não joga esses jogos há bastante tempo, hein, Jorge? Sim, tem seções onde você "gotta go fast", mas essas são basicamente cutscenes de autoplay disfarçadas de jogabilidade. Você segura para a direita, o jogo faz todo o trabalho, e se você ousar apertar qualquer coisa, provavelmente estragará a "velocidade". Então, como, exatamente, isso é uma jogabilidade excelente mesmo? Assistir o jogo se jogar sozinho que é divertido agora?
Mesmo conceitualmente, todo esse mantra do "eu sou a velocidade" desaba. Para reagir de verdade em alta velocidade, você precisa de espaço – trechos longos, pistas largas, espaço para ver o que está por vir. Há uma razão para as retas dos autódromos serem medidas em quilômetros, não em metros. Mas esse tipo de design não era tecnicamente possível em um console 16-bit. Então o que a Sega fez? Eles criaram uma única fase – Green Hill Zone – especificamente ajustada para vender a ilusão de velocidade. As rampas, loops e molas existem para fazer aquela primeira fase parecer rápida, suave e revolucionária.
E funcionou. Bem demais, na verdade. Porque uma vez que venderam essa imagem, a Sega não tinha a memória do hardware, o espaço nas fases, ou mesmo a consistência de jogabilidade para replicá-la. Então o resto das fases se transformaram em cursos de obstáculos estranhos e cheios de para-e-arranca que puniam você por tentar fazer o que os comerciais mandavam: "go fast". Toda a franquia – todo o legado do Sonic – foi construído sobre uma única fase. Um truque de marketing. Uma ilusão de diversão cuidadosamente construída. E as pessoas compraram. Literalmente.
Isso levou a uma das divisões culturais mais fascinantes da história dos games. No Japão, o Mega Drive mal fez cócegas – ele perdeu para o PC Engine, pelo amor de Deus. Os jogadores japoneses simplesmente não ligavam para o mascote azul e arrogante da Sega se os jogos não eram tudo isso. Mas no Ocidente? Ah, aqui o Sonic se tornou um rockstar. O messias das crianças dos anos 90. Posters, desenhos animados, cereais, pelúcias, groupies furries – só faltavam os jogos bons. Mas quem se importava? Eram os anos 90, baby. No Ocidente, o marketing importava mais do que o conteúdo em si. Sonic não era um jogo, ele era um produto, uma identidade de marca, um dedo médio cheio de arrogância para o encanador "chato" da Nintendo. E esse "fator descolado" artificial carregou a carcaça da Sega por anos.
Então, quando chegou a hora de lançar o Dreamcast, a Sega of America sabia exatamente o que fazer. Eles sabiam que o Sonic conceitualmente era uma porcaria como jogo de plataforma 2D – e que ele seria uma catástrofe em 3D. Mas eles também sabiam que a América não se importava com profundidade, polimento ou integridade de jogabilidade, contanto que os comerciais parecessem chamativos e as revistas gritassem "PRÓXIMA GERAÇÃO".
Assim, nasceu SONIC ADVENTURE – um jogo projetado não como uma obra de arte, mas como uma declaração de sobrevivência. A Sega gritando em desespero: "NÓS AINDA SOMOS MANEIROS, SEU COROA!"
Mas... vamos colocar de forma gentil: SONIC ADVENTURE não é um grande jogo. Claro, parece incrível – em comerciais de TV, anúncios em revistas e naqueles clipes de .mp4 de cinco segundos que você baixou através de sua conexão discada de 14.4k depois de uma semana inteira de espera. Naqueles pequenos fragmentos de perfeição de marketing, o Sonic é um deus entre ouriços – correndo por tubulações brilhantes, balançando em cipós de selva em velocidade cegante, atravessando uma ponte desmoronando enquanto uma baleia explode pelo oceano atrás dele. É tudo rápido, barulhento e espetacular. O tipo de coisa que faz seu cérebro de 1999 gritar: "Esse é o futuro!"
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| SONIC ADVENTURE, Dez/98 | 
Exceto que... uma vez que você pega o controle de verdade, a ilusão não dura.
Aquela "ação em alta velocidade" que você viu? É basicamente você segurando para frente e ocasionalmente apertando o pulo. O resto é o jogo jogando sozinho, como um quick-time event do homem pobre onde sua principal contribuição é não tocar em nada que possa atrapalhar o "fluxo cinemático". Quando não está no piloto automático através de sequências de espetáculo, o jogo revela sua verdadeira face – lento, desengonçado, cheio de ângulos de câmera travados e momentum estranho. Você não se sente como um ouriço desafiando a física; você se sente como se estivesse tentando dirigir um carrinho de supermercado ladeira abaixo.
A verdade é que Sonic Adventure não foi construído para ser um jogo de plataforma coerente – ele foi construído para parecer um. O desenvolvimento grita "precisamos disso pronto para o lançamento do Dreamcast, custe o que custar", e meu irmão, como isso aparece. A física é inconsistente, os personagens parecem meio-prontos e áreas inteiras parecem ser mantidas unidas por chiclete e cafeína. Mas ei – a baleia parecia legal, né?
Então sim, Sonic Adventure é um jogo de plataforma 3D medíocre. Mas como um golpe de marketing? É uma obra-prima. É uma mostra de tudo que a Sega sempre fez bem: criar a ilusão de grandiosidade ao invés de um jogo de verdade. E sério, quando o Sonic foi qualquer coisa diferente disso?
E naquele momento de pavor existencial, a Sega tomou uma decisão – e uma bem digna, saiba você. Se eles estavam destinados a afundar, eles afundariam lutando. Não como um palhaço corporativo fazendo malabarismos com promessas falsas, mas como um artesão dando tudo de si em uma batalha que eles sabiam que não poderiam vencer. Já não era sobre vendas ou sobrevivência; era sobre legado. Os últimos dias do Dreamcast se tornaram o arco de redenção silenciosa da Sega – não triunfante, mas honesto. O que nos leva a Sonic Adventure 2 – o jogo que representa a última e desesperada tentativa da Sega de entregar uma experiência Sonic verdadeiramente boa. Eles conseguiram?
Claro que não. Nem a Nintendo poderia ter salvado esse pesadelo de filosofia de design. O conceito em si – um jogo de plataforma de alta velocidade tentando se comportar como um jogo de ação cinemático – era amaldiçoado desde o nascimento. Mas o ponto é que a Sega tentou. Realmente, genuinamente tentou. Pela primeira vez, você pode sentir a sinceridade sangrando através das rachaduras, o esforço de uma empresa moribunda tentando provar, apenas uma vez, que poderia ser levada a sério.
Existe uma razão para Sonic Adventure 2 ser frequentemente lembrado como o ponto alto da franquia. Não porque é perfeito – longe disso – mas porque é honesto. É a tentativa mais sincera e sem filtros de transformar a lixeira pegando fogo em algo que pelo menos cheira vagamente a um bom jogo. E em sua própria forma bagunçada e mal orientada... ele quase tem sucesso.
Sonic Adventure 2 é dividido em três estilos principais de jogabilidade (quatro, se você contar o tamagotchi-like conhecido como Chao Garden), divididos em duas campanhas. Você pode jogar a História dos Heróis, estrelando nosso amado trio de mascotes corporativos – Sonic, Tails e Knuckles – ou mergulhar na História Sombria, com os chamados vilões: Dr. Eggman, Shadow the Hedgehog e Rouge the Bat. E sejamos honestos, todos sabemos qual lado você escolheu primeiro. Não negue. Você foi direto para a morcega sexy ladra de joias. Seu completo degenerado.
Independente do seu alinhamento moral (ou, uh, interesses), ambos os lados se dividem nos mesmos três arquétipos de jogabilidade: Sonic e Shadow cuidam das fases de velocidade, Tails e Eggman pegam os níveis de tiro, e Knuckles e Rouge assumem as missões de caça ao tesouro. No papel, é uma divisão elegante – uma trindade de jogabilidade equilibrada onde cada estilo de jogo atende a um sabor diferente de jogador. Na prática... bem, na prática é um monstro de Frankenstein de mecânicas meio-cozidas coladas com o puro pensamento positivo.
Os mais fáceis de explicar – e os que a Sega claramente se importava mais – são as fases de velocidade. Essas são essencialmente Sonic Adventure 1.5: a mesma automação cinemática, mas agora com um toque a mais de agência. Claro, na maior parte do tempo você ainda está assistindo o Sonic fazer coisas legais enquanto você ocasionalmente aperta o pulo para acompanhar, mas desta vez há pelo menos uma maior ingerencia de jogabilidade, não muita, mas alguma. Você encontrará pequenas seções que realmente se assemelham a level design – lugares onde você precisa gastar meio segundo para, você sabe, pensar. Especialmente se vc tentar pegar todos os colecionaveis, aí sim ele realmente parece um jogo de verdade as vezes.
No seu melhor, ele canaliza uma emoção estilo CRASH BANDICOOT 2: Cortex Strikes Back, onde você passa correndo por hazards em uma pista de faixa única. No seu pior, você está de volta no piloto automático, segurando para frente enquanto a câmera tem espasmos e o Sonic dá cambalhotas por cenários como um ragdoll crackudo. Mas ei – pelo menos eles tentaram. Há uma estrutura agora o suficiente para contar como um jogo.
Mas se as fases do Sonic e do Shadow pelo menos tentaram ser alguma coisa, o mesmo absolutamente não pode ser dito sobre as do Tails e do Eggman. Quer dizer... o que eles estavam mirando aqui? Você não corre – você anda. Você tem um mecha com uma arma que trava automaticamente nos inimigos enquanto produz o bip mais irritante e causador de enxaqueca já gravado. Então você marcha para frente, segura o botão de atirar e observa as coisas explodirem automaticamente. É isso. Esse é todo o loop do jogo.
Pelo menos posso jogar essas seções sem me sentir culpado, porque é claro que a saúde mental de nenhum desenvolvedor foi prejudicada durante sua criação. De jeito nenhum alguém fez crunch para criar isso. Esse sistema todo provavelmente foi rabiscado em um guardanapo durante o almoço e codificado na manhã seguinte. A Sega olhou para PANZER DRAGOON e disse: "É, mas e se fosse mais lento, mais feio e fizesse seus ouvidos sangrarem?"
E ainda assim, se as fases do Tails e do Eggman são culpadas de não tentar, as caças ao tesouro do Knuckles e da Rouge são culpadas de tentar demais. Você explora mapas grandes e verticais em busca de fragmentos de esmeralda, armado apenas com um radar de proximidade e dicas vagas, estilo biscoito da sorte. O conceito parece bom – um pouco de exploração, um pouco de resolução de quebra-cabeças – até você perceber que essas fases são tão divertidas quanto procurar seu celular perdido debaixo do sofá por 20 minutos. Os ambientes são grandes demais, a verticalidade é pura agonia para navegar, e o sensor só reage quando você está praticamente pisando na gema. Para adicionar ofensa a injúria, as gemas tem que ser pegas em uma ordem especifica, então mesmo que você passe por cima de uma só vai poder pega-la depois de achar as outras.
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| Essa exclamação quando tá perto da gema é exclusivo do port pra GameCube, no Dreamcast não tinha isso | 
Então, se o sonho da sua vida era jogar "Onde Deixei Meu Celular?" estrelando uma morcega peituda de latex, parabéns – a Sega fez este jogo só para você. Para todos os outros, é puro sofrimento. O que é trágico, porque você pode ver vislumbres de bom design perdidos nessa bagunça. A fase da Colônia Espacial, por exemplo, tem mini-planetas com sua própria gravidade – basicamente uma versão beta do que a Nintendo mais tarde aperfeiçoaria em Super Mario Galaxy. Isso é brilhante! Mas o que você faz lá? Você vagueia por aí coletando pedras brilhantes enquanto um radar bipa em agonia. A Sega construiu um playground para então o transformar em uma lista de tarefas. Porque quem precisa de diversão em seus videogames, né?
E então, tem o Chao Garden. Ah, o Chao Garden. Um ecossistema completamente separado, desconectado do resto do caos em alta velocidade e da narrativa incoerente do jogo. Depois de explodir robôs, caçar gemas ou ser perseguido por baleias, você pode respirar fundo e entrar... um simulador de tamagotchi. Como eu expliquei em HEY YOU, PIKACHU!, nessa época todo mundo e a mãe de todo mundo queria ter um pet digital para chamar de seu.
Eu admito – o choque tonal é incrível. Um minuto você está assistindo um ouriço de nível militar cometer eco-terrorismo, e no seguinte você está alimentando uma gosma azul com mamadeira enquanto uma música de ninar calmante toca no fundo. É o equivalente em games a ir de Apocalypse Now para Animal Crossing no mesmo jogo.
Mecanicamente, o Chao Garden é uma fusão estranha de Tamagotchi e criação de Pokémon. Você cria essas criaturinhas, alimenta elas com os colecionaveis que pega nas fases, treina elas em mini-jogos e as alimenta com partes aleatórias de animais que você coleta de inimigos derrotados. (Sim, sério. Você surra um tigre, rouba seu rabo e dá para sua gosma de estimação. A Sega estava em um lugar estranho.) Quanto mais você as mimar, mais fortes e fofas elas ficam – e eventualmente, você pode até fazê-las reencarnar em formas angélicas ou demoníacas dependendo de qual campanha você joga. É bizarro, sem sentido e jusamente por isso absolutamente maravilhoso. Porque por todo o caos desengonçado lá fora, o Chao Garden realmente funciona. É lento, tranquilo e estranhamente viciante. A Sega acidentalmente criou um app de meditação dentro de seu jogo mais barulhento e caótico. Alguns jogadores passaram mais tempo criando Chao do que jogando a história de verdade – o que diz menos sobre as prioridades dos jogadores e mais sobre como o resto de Sonic Adventure 2 funciona.
E então temos a história – ou o que eu gosto de chamar de "Sonic Adventure 2: A Conspiração do Ouriço". Porque, acredite ou não, existe um enredo real aqui. Talvez um que nenhuma mente humana foi feita para compreendê-lo, mas nãa menos um enredo por conta disso.
Vamos começar simples: o jogo abre com o Sonic escapando de um helicóptero militar usando um pedaço de destroço como skate pelas ladeiras de San Francisco. Só isso já deveria ser o auge do absurdo do jogo, mas não – é só o ato de abertura. Porque dali, vamos de perseguições na estrada a espionagem governamental, a um laser lunar secreto, à forma de vida suprema nascida em um laboratório espacial cinquenta anos atrás, ao Presidente dos Estados Unidos checando seu email enquanto o Sonic invade sua limusine.
É uma montanha-russa de tom. Um minuto você está perseguindo esmeraldas por uma selva ensolarada, no seguinte você está aprendendo sobre a trágica morte de uma garotinha chamada Maria em uma colônia espacial chamada ARK – uma cena entregue com a solenidade de um thriller político e a dublagem de um desenho de sábado de manhã. É como se Neon Genesis Evangelion fosse dirigido por alguém que só queria vender mais Dreamcasts.
E no centro de todo esse melodrama está Shadow the Hedgehog, o messias gótico do universo Sonic. Ele é tudo que a angústia adolescente dos anos 2000 aspirava ser: nervoso, misterioso, levemente confuso sobre seu próprio propósito. Ele usa sapatos de foguete, remói sobre vingança e fala como se cada frase fosse arrancada diretamente de uma letra do Linkin Park. E ainda assim – de alguma forma – ele funciona. Shadow é ridículo, sim, mas ele dá à história algo que o Sonic nunca teve antes: pathos. Há uma sinceridade trágica em seu arco, como se o jogo estivesse desesperadamente tentando convencê-lo de que este ouriço de desenho animado é a personificação do sofrimento humano.
O problema é que Sonic Adventure 2 não sabe quando parar. Ele balança loucamente entre energia de quadrinhos e tragédia bíblica, entre pastelão e horror existencial. Dr. Eggman mantém o mundo refém com um laser espacial gigante, e todos reagem como se fosse apenas outra terça-feira. O roteiro genuinamente espera que você sinta o choque emocional sobre o destino da humanidade e ria com o Knuckles discutindo com uma morcega sobre pedras brilhantes – na mesma cutscene.
E ainda assim, é tão over the top, tão absurdo que não tem como odiá-lo. O puro comprometimento com a seriedade de algo tão besta é quase admirável. É como se os desenvolvedores olhassem para o Sonic – um ouriço azul neon que corre rápido – e dissessem: "Sim. Ele também deveria estrelar um thriller da Guerra Fria sobre corrupção governamental e amor perdido." E contra todas as probabilidades... eles fizeram funcionar, meio que. A história é um desastre, mas é o desastre deles – barulhento, sincero e absolutamente convencido de que está mudando o mundo.
E essa é a parte mais interessante para mim, porque Sonic Adventure 2 acaba sentando na mesma mesa do refeitório que aqueles jogos com história tão ruim, tão ruim, mas tão ruim que dão a volta completa e se tornam obras primas do Dreamcast, como SEVEN MANSIONS: Ghastly Smile ou D2. Sonic Adventure 2 é sobre ouriços falantes, golpes militares e lasers lunares, o jogo tenta explorar alguns temas surpreendentemente pesados: identidade, memória, vingança, criação e aquela questão eterna – "por que existimos?". O que é um movimento ousado para um jogo onde sua pontuação é classificada com um gigante "A" saindo da tela enquanto guitarras gritam "Live and Learn!" no seu ouvido.
Vamos começar com a dualidade – o tema mais óbvio do jogo. Sonic e Shadow não são apenas rivais; eles são reflexos espelhados um do outro. Um é um símbolo de liberdade, velocidade e otimismo; o outro, uma arma nascida da dor e arrogância humana. Eles correm os mesmos caminhos, lutam as mesmas batalhas, e até compartilham movimentos similares – ainda que um corra pela vida, o outro por significado. É uma configuração surpreendentemente poética, mesmo que entregue através de diálogos que soam como se tivessem sido escritos por uma IA treinada exclusivamente em slogans de bebida energética.
Então você tem o Dr. Eggman, o eterno vilão de desenho animado lançado em um drama de legado familiar. Seu avô, Gerald Robotnik, não é apenas outro cientista louco – ele é uma figura trágica que brincou de ser deus e pagou o preço. De uma forma estranha, a linhagem Robotnik se torna uma metáfora para a obsessão da humanidade com o progresso – um lembrete recorrente de que não importa o quão avançados ficarmos, ainda vamos estragar tudo de forma espetacular. Gerald tentou fazer a "forma de vida suprema" e acabou condenando a humanidade; Eggman só queria dominar o mundo e, de alguma forma, parece menos malvado em comparação.
E falando de criações trágicas, Shadow the Hedgehog é o centro emocional do jogo – ou pelo menos a tentativa dele. Sua história não é apenas sobre vingança; é sobre propósito. Ele é o monstro de Frankenstein do universo Sonic, nascido do amor e da perda, projetado para ser perfeito, mas assombrado pela memória. Quando ele se lembra do desejo de Maria para ele "trazer esperança para a humanidade", o jogo quase atinge uma gravidade emocional genuína. Quase. Então o Sonic dá um high-five nele, e o clima morre instantaneamente. Mas por um breve momento, Sonic Adventure 2 flerta com o existencialismo – a ideia de que a criação não concede significado; a escolha sim.

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| Alias eu achei impressionante o quanto a voz original do Shadow realmente já parece a do Keanu Reeves, o que faz dele um cast realmente perfeito | 
Até a Colônia Espacial ARK funciona como simbolismo. É a Torre de Babel em órbita – a humanidade alcançando a condição de deus, apenas para cair no caos. Seus corredores estéreis e vazio assustador ecoam aquela mesma solidão encontrada em muitos jogos japoneses do início dos anos 2000: uma melancolia silenciosa enterrada sob todo o barulho e explosões. A música, especialmente nas fases do Shadow, inclina-se para aquele tom com suas melodias sombrias e vocais sussurrantes, como se o jogo em si estivesse de luto pela história que está contando.
No final, o brilho – ou a loucura – de Sonic Adventure 2 está em sua sinceridade. É um jogo infantil fingindo ser uma ópera espacial, mas nunca pisca para o público, nunca admite o quão absurdo tudo isso é. Ele se leva inteiramente a sério em sua tolice e é isso que o torna estranhamente bonito. Ele realmente acredita em tudo o que diz. Ele quer fazer você sentir, mesmo que não tenha ideia de como as emoções realmente funcionam.
O resultado é algo raro: um jogo que é profundamente idiota e acidentalmente profundo. É uma história sobre clones e esmeraldas do caos, mas também sobre a dor da existência – sobre não saber por que você foi feito, ou o que você deveria fazer com esse conhecimento uma vez que o descobre. Em algum lugar entre todo o barulho, Sonic Adventure 2 quase alcança a transcendência... então ele imediatamente cai de cara. Mas por aquele segundo antes do impacto, é glorioso.
É quase poético como Sonic Adventure 2, um jogo sobre dualidade, acabou dividindo a alma da franquia Sonic em dois. De um lado, você tinha o borrão azul brilhante e alegre da era Genesis – toda a coisa de chilly dogs e "gotta go fast" e energia de sábado de manhã. Do outro, você tinha essa novela sombria, melodramática e cheia de guitarra sobre clones, mentiras do governo e a morte da inocência. Desta união profana, uma nova criatura nasceu – a Era do Ouriço Emo, onde todo personagem Sonic tinha uma história trágica, todo mundo falava sobre destino, e alguém estava sempre olhando dramaticamente para a lua.
Com SA2, a Sega não apenas fez uma sequência – eles acidentalmente criaram um modelo cultural. Sonic Adventure 2 se tornou a Pedra de Roseta para a personalidade do Sonic dali em diante. Este foi o momento em que o Sonic parou de ser um mascote e se tornou um personagem. Sabe, um cara com diálogo real, atitude e algo que se assemelha a emoção (embora filtrado por uma direção de voz terrível). Deste ponto em diante, o Sonic não era apenas um "cara legal e rápido" – ele era arrogante, autoconfiante, às vezes imprudente, mas com uma bússola moral vaga que sempre apontava para "acredite em si mesmo". Tanto que muito, para não dizer tudo, da personalidade do Sonic nos filmes live action vem de Sonic do Adventure 2 – o arquétipo pós-2001 solidificado.
E o elenco de apoio seguiu o exemplo. Tails se tornou o parceiro ingênuo que admira o Sonic mas luta para encontrar sua própria identidade. Knuckles se transformou no escada sem noção para as piadas, sempre socando pedras e fingindo que entende o que está acontecendo. Eggman se formou de bufão de desenho animado para um personagem real com motivos, ego e até ocasional profundidade. Até o Eggman de Jim Carrey parece um sucessor espiritual daquele que uma vez ficou no espaço e assistiu a Terra quase morrer – engraçado, sim, mas com um toque de grandeza por trás da loucura. E Shadow... bem, Shadow se tornou o ícone da rebeldia do início dos anos 2000 – o modelo para todo anti-herói "espelho sombrio" da década. Couro preto, mechas vermelhas, trauma, armas, amnésia – ele era o pacote completo da época.
É engraçado que Sonic Adventure 2 deveria ser o canto do cisne do Dreamcast – o último suspiro da Sega antes de sair da guerra dos consoles. Ainda assim, de alguma forma, acabou definindo o futuro da marca mais do que qualquer coisa que veio antes. Mesmo depois que a Sega saiu do hardware, todos os projetos Sonic subsequentes – de Sonic Heroes a Shadow the Hedgehog, Sonic 2006, e até Forces – estavam perseguindo o fantasma do Adventure 2. Seu tom, sua música, sua falsa-gravidade – tudo isso assombrou a série por décadas.
Até o Eggman de Jim Carrey parece um sucessor espiritual daquele que uma vez ficou no espaço e assistiu a Terra quase morrer – engraçado, sim, mas com um toque de grandeza por trás da loucura.
Então, não, Sonic Adventure 2 não é um grande jogo enquanto vidoegame – nem perto. Mas então, Sonic nunca foi sobre bons jogos, e pelo menos dessa vez a Sega ao menos fez ele significar significar algo. Esse é o último jogo do Sonic lançado para um console da Sega (e em um paradoxo ironico, também o primeiro a ser lançado para um console da Nintendo no posterior port para GameCube), e eu diria que foi um requiem a altura: barulhento, bagunçado, sincero e queimando com a energia de uma empresa que sabia que o fim estava próximo. E essa sinceridade – essa recusa em piscar ou recuar – é exatamente por que seu legado funciona.
Duas décadas depois, SA2 ainda é a pedra angular emocional do mito Sonic. Toda vez que o Sonic tenta ser legal, toda vez que o Shadow olha para o céu e sussurra algo sobre destino, toda vez que um remix de "Live and Learn" toca, é o Adventure 2 ecoando através dos anos – o jogo que transformou um mascote em um mito, e uma franquia infantil em um melodrama sobre vida, morte e esmeraldas do caos. É profundamente idiota? Sim, é. Bastante. Mas nós não iriamos querer de nenhuma outra maneira.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMESEDIÇÃO 153 (Julho de 2000)
EDIÇÃO 080 (Novembro de 2000)
EDIÇÃO 070 (Junho de 2000 - Semana 4)
EDIÇÃO 001 (Abril de 2002)




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