domingo, 2 de novembro de 2025

[#1585][Nov/2001] METAL GEAR SOLID 2: Sons of Liberty


O escritor e jornalista americano Finley Peter Dunne, ainda na década de 1890, disse certa vez que o dever dos jornais era "consolar os aflitos e afligir os confortáveis". Com o tempo, essa citação evoluiu para uma espécie de mantra do que a própria arte deveria ser.

Agora, eu não acho que a arte NECESSARIAMENTE tem que deixar você desconfortável – mas, na maioria das vezes, é isso que acontece. Quando Spike Lee faz um filme sobre racismo, ele não está convidando você para uma noite agradável com pipoca no sofá. Ele está pedindo que você pense – que desafie o que você acredita, que reexamine suas ações, que reavalie seus princípios fundamentais. Quando Joseph Conrad escreveu Heart of Darkness, ele não estava interessado em uma aventura feliz por terras exóticas; ele estava dissecando a podridão moral do colonialismo europeu. Sua história expôs a ganância, a crueldade e a decadência psicológica que cozinhavam sob a chamada "missão civilizatória". A intenção é fazer você se sentir pesado, olhar para a humanidade através de olhos alheios e, talvez, vislumbrar um lado de si mesmo que você preferiria ignorar.

Claro, a arte nem sempre precisa bater em você com um martelo para causar uma impressão. Às vezes, ela esconde suas arestas mais afiadas sob um sorriso gentil. Jane Austen, por exemplo. Na superfície, seus romances são romances tolos sobre jovens mulheres inteligentes encontrando felicidade e amor. Mas, olhando mais de perto, você percebe que ela está espetando as hierarquias sociais absurdas de seu tempo com um humor cirúrgico. Aquele momento quando cai a ficha e você entende: "Pera aí, ela está debochando de toda essa bobagem, não está?" – é impagável. É a prova de que a arte pode abalar sua perspectiva tão profundamente através da sutileza quanto através da força bruta.

Existem inúmeras maneiras pelas quais a arte pode impactar o público – através da beleza, do riso, do horror, da ironia ou até mesmo do silêncio. E mesmo havendo tantas formas de faze-la, o resultado final ainda é que a arte nos videogames é... complicada.

Por um lado, no início dos anos 2000, os videogames ainda eram vistos majoritariamente como brinquedos glorificados para crianças e adolescentes. Essa percepção não era totalmente infundada – afinal, ainda não havia havido passado tempo suficiente para uma geração inteira crescer com videogames. Se hoje eu jogo videogame com quarenta e poucos anos, é pq é algo com que eu cresci – e tão importante quanto, foi uma industria que cresceu e amadureceu comigo em escopo, temas e capacidade de se expressar artisticamente. Mas isso hoje, porque no ano 2000, sim, videojogos eram majoritariamente para crianças e adolescentes.

E crianças, por definição, não carregam a bagagem cultural ou a profundidade emocional para processar temas complexos. Os adolescentes acham que sim (todos nós achávamos), mas eu não conheci uma única pessoa na minha vida que não sinta vergonha do quanto seu eu de 14 anos achava que sabia alguma coisa sobre qualquer coisa na vida.

Tem também o lado comercial da mídia. Jogos são caros para fazer – muito caros. O que significa que, se você está investindo milhões em desenvolvimento, você quer vender para todos, não apenas para um grupo nichado que aprecia comentários existenciais. Isso é um problema ainda maior hoje, onde os orçamentos AAA são  absurdamente obscenos (o custo de produção de GTA 6, por exemplo, está estimado na casa de um BILHÃO de dolares, se não mais), mas mesmo em 2001 os grandes players – Capcom, Konami, Nintendo – estavam atrás do apelo massivo. Não é que fazer um jogo com ambição artística fosse impossível (não faz muito tempo que eu escrevi sobre DEUS EX e FINAL FANTASY 9 fazendo exatamente isso), mas aqueles jogos eram bons jogos em primeiro lugar, e arte em segundo. Seus criadores priorizavam o entretenimento do jogador, não a provocação.

Nenhum desenvolvedor em sã consciência intencionalmente alienaria ou frustraria o jogador em nome da "expressão artística".
Bem... nenhum desenvolvedor que não se chamasse Hideo Kojima, pelo menos.


E é aí que Metal Gear Solid 2 entra em cena – um jogo que fez exatamente o que ninguém esperava. Ele desafiou, subverteu e até traiu seu público, muitas vezes de propósito. Era ousado, frustrante, confuso, meta e autoconsciente de maneiras que poucos jogos jamais ousaram ser. É uma obra que não apenas te diz algo – ela cutuca onde te incomoda para fazer você sentir. Porque em 2001, Kojima não fez apenas uma sequência. Ele fez uma declaração – sobre jogos, sobre jogadores, sobre informação e sobre como consumimos e construímos a própria verdade.

Mas antes de falarmos sobre Metal Gear Solid 2, precisamos voltar um pouco – porque de onde viemos importa, e importa muito.

Veja, METAL GEAR SOLID de 1998 é um jogo estranho. É o décimo título mais vendido na história do PlayStation, recebeu uma chuva de elogios e prêmios, e foi infinitamente citado em revistas e reviews nas duas décadas seguintes. Sempre que um novo jogo de tiro em terceira pessoa tentava fazer qualquer coisa levemente mais sutil, alguém, em algum lugar, inevitavelmente o comparava com METAL GEAR SOLID. A reputação do jogo o precede e eu não preciso explicar seu peso cultural para qualquer um que tocou em um controle nos últimos 25 anos. Mas aqui está a parte estranha – e é BEM estranha: apesar de ser tão lendário, Metal Gear Solid é um jogo que as pessoas lembram... errado.

Pergunte a qualquer pessoa para descrever MGS, e eles vão te contar sobre rastejar por dutos de ventilação, enganar guardas, se esconder nas sombras e fugir de alarmes. E claro, tudo isso está no jogo. Esses elementos foram revolucionários em 1998 – eles remodelaram como pensávamos sobre stealth e narrativa em jogos. Mas aqui está a coisa que bem menos gente lembra: METAL GEAR SOLID não é realmente sobre nada disso.


Aquele slogan "Ação de Espionagem Tática" na capa dura cerca de 30 minutos – talvez 50 se você se perder ou ficar brincando de agente secreto, o entusiasta de caixas de papelão mais metódico do mundo. Porque no resto do tempo o jogo é algo completamente diferente. O que você realmente faz em MGS é assistir a longas cutscenes cinemáticas e lutar contra uma série de chefes bizarros e inesquecíveis.

Esse é o verdadeiro núcleo da experiência: chefes e monólogos. Você se infiltra um pouco, claro – mas majoritariamente, você duelava com personagens estranhos e maiores que a vida que quebravam a quarta parede, liam seu memory card, psicanalisavam seu estilo de jogo e morriam entregando solilóquios filosóficos sobre dissuasão nuclear ou destino genético. METAL GEAR SOLID não é "um jogo de stealth com elementos de história". É uma peça de performance narrativa disfarçada que por acaso tem um pouco de stealth nele – e a maioria dos jogadores não percebeu isso na época.

E essa é a parte fascinante. Todos se lembram de como era jogar MGS, mas muito poucos se lembram do que ele realmente era. É como se a memória coletiva do jogo tivesse sido sobrescrita – um Efeito Mandela da nostalgia, onde nos lembramos da ideia de METAL GEAR SOLID, não do fato em si.

Agora, não posso te dizer com certeza se Hideo Kojima planejou esse truque psicológico desde o início. Mas o que posso te dizer é que ele estava profundamente ciente desse fenômeno – da maneira como as pessoas mitologizaram o MGS em algo que ele nunca foi, de como a memória, a mídia e a percepção se distorcem com o tempo. E isso, meu amigo, vai importar muito quando chegarmos a Metal Gear Solid 2.


Três anos depois – o que, para um videogame de 2001, é um baita de um tempo de desenvolvimento – entra Engrenagem de Metal Sólida 2: Filhos da Liberdade. O primeiro verdadeiro carro-chefe do PlayStation 2. Claro, as pessoas já estavam comprando o console como um player de DVD barato, mas agora elas finalmente tinham um motivo para jogar games de verdade nele (ou pelo menos junto com Devil May Cry GRAN TURISMO 3 A-SPEC, pelo menos). O resultado foi o sexto título mais vendido no console mais vendido de todos os tempos.

E eu não tenho como exagerar a expectativa – nosso idioma simplesmente não possui adjetivos suficientes para descrevê-la. Isso não era apenas hype; era um fervor religioso. A imprensa de games, os fãs e toda a indústria estavam salivando para ver o que Kojima e a Konami fariam depois que MGS1 redefiniu tantas coisas nos videogames. E logo de cara, o MGS2 dá aos jogadores exatamente o que eles estavam sonhando por três longos anos.

É noite. A chuva cai sobre a Ponte George Washington (NY), encobrindo tudo em um brilho cinematográfico. Nosso amado espião – a lenda de voz rouca, fumante de cigarro e geneticamente modificada, Solid Snake – aparece vestindo um traje de stealth óptico estiloso, pronto para desaparecer na escuridão. Então, em uma das aberturas mais legais já renderizadas em polígonos do início dos anos 2000, ele pula da ponte e aterrissa em um navio-tanque.

Há uma breve cutscene, um pouco de conversa no Codec, mas surpreendentemente pouca exposição para os padrões de Metal Gear. E então – sem mais delongas – o jogo dá o controle ao jogador. Nenhuma introdução de vinte minutos, nenhuma palestra sobre genes ou dissuasão nuclear. Apenas Snake, um convés escuro de um navio e a liberdade para se esgueirar, rastejar e brincar com os guardas.

É tudo o que os fãs se lembravam que METAL GEAR SOLID era – não o que ele realmente foi, como discutimos antes, mas o que eles pensavam que era. A versão fantasia de Metal Gear agora tornada real, com todo o poder do PlayStation 2 bancando a brincadeira. Você se esgueira por corredores metálicos brilhando com a chuva. Você atrai guardas com passos e sombras. Você tira fotografias de carga suspeita para seus relatórios de missão. Você pode até se esgueirar por trás dos soldados, rende-los com uma arma e fazê-los ceder itens – uma mecânica tão nova que parecia revolucionária.

E então, nem vinte minutos dentro do jogo, você já está em uma batalha de chefe – um duelo contra Olga Gurlukovich, uma comandante russa que instantaneamente ganhou imortalidade na história dos videojogos por suas axilas peludas e por mostrar o uso impressionante de física, luz e detalhes ambientais do MGS2. Capas flutuam, holofotes te cegam na chuva e a tempestade brilha na superfície do navio enquanto vc atira tranquilizantes o suficiente em uma mulher grávida para nascer um X-Men daí. Naquele momento, Metal Gear Solid 2 chegou chegando – tudo o que os fãs sempre quiseram, perfeitamente entregue. Era Metal Gear, evoluído. Maior, mais ousado, mais elegante. A sequência definitiva.

... certo?
Ou pelo menos... era isso que ele queria que você pensasse.

O primeiro ato termina com um estrondo. Rostos familiares retornam: Revolver Ocelot, agora rebatizado com um codinome ainda mais maneiro – Shalashaska – e, somehow, Liquid Snake returned. Não pergunte como, até o próprio roteiro do jogo mal sabe. O navio-tanque afunda em uma tempestade de explosões, um novo protótipo de Metal Gear hiperletal afunda nas profundezas, e Snake é dado como morto nos destroços. Claro, todos sabemos que não – estamos falando de Solid Snake. O homem poderia sobreviver a uma explosão nuclear com nada mais que um maço de cigarros e uma bandana.

Dois anos se passam.

No local onde o navio tanque afundou, o governo dos EUA constrói uma enorme instalação offshore para conter e purificar os produtos químicos que vazaram na Baía de Nova York naquela noite. A estrutura é tão massiva que se torna uma espécie de maravilha moderna – um monumento da nova era para a limpeza ambiental. Excursões escolares são organizadas para lá. Turistas tiram selfies na frente. Até o próprio Presidente a visita para uma inspeção oficial. E é aí que tudo vai para o inferno.

Um grupo de terroristas toma a instalação, fazendo o Presidente de refém e exigindo um resgate de trinta bilhões de dólares – provavelmente rindo como o Dr. Evil no processo. Em resposta, um agente novato da FOXHOUND é enviado para salvar o dia, neutralizar a ameaça e resgatar o Presidente. Cenário clássico de Metal Gear, certo?

Então, a esse ponto, Metal Gear Solid 2 só precisa repetir o que fez tão perfeitamente no Ato 1 – mais algumas horas de stealth, um punhado de novas áreas, Snake retornando ainda mais foda do que antes, um pouco de "pew pew" aqui e ali, e boom – a galera vai a loucura. Os fãs se jogariam no chão de êxtase, implorando para Kojima pisar neles como o deus dos jogos cinemáticos que ele já era.


E, honestamente, se MGS2 tivesse feito apenas isso, provavelmente faria THE LEGEND OF ZELDA: Ocarina of Time suar em bicas pelo seu eterno primeiro lugar em toda lista de "melhores jogos de todos os tempos". A Konami teria sido ainda mais rica, Kojima teria ganho dinheiro suficiente para comprar um país ou dois, e os gamers transcendendo o plano material em jubilo ao ter exatamente o que eles pensavam que queria.

Se esse fosse o jogo que recebemos.
Mas não foi.

Porque, como eu disse na introdução – a arte não é sobre fazer as pessoas felizes. Não é sobre ganhar um tapinha nas costas por não incomodar ninguém. A verdadeira arte arrisca algo. Ela perturba. Ela provoca. Ela deixa as pessoas com raiva. E, MEUA MIGO, Metal Gear Solid 2 definitivamente deixou as pessoas com raiva.

Porque aqui está a coisa: já se passaram quase vinte e cinco anos desde que joguei Metal Gear Solid 2 pela primeira vez. Um quarto de século. Pessoas que nasceram DEPOIS que joguei este game agora já tem seus próprios filhos. O que significa que minhas lembranças originais do jogo foram erodidas pelo tempo – suavizadas pela nostalgia e pela amnésia seletiva – mas uma coisa eu sempre reparei nesse tempo todo: todo mundo sempre pareceu odiar o novo protagonista, o Raiden.

Você provavelmente já ouviu algo tipo também. "Ele é um chorão." "Ele é irritante." "Ele é um banana." "Ele é patético." Basicamente, todo insulto que você pode imaginar, faltando apenas chamá-lo de crime de guerra em forma humana. E por décadas, eu apenas assumi que era a internet sendo, bem... a internet. Você sabe – gamers chorando porque não ganharam seu herói de ação machão com uma voz feita de cascalho e arrependimento, fumando cigarros enquanto rosna falas de efeito sobre destino e guerra. Eu pensei que era tudo apenas masculinidade frágil surtando porque Kojima ousou lhes dar um garoto bonito em um traje de infiltração em vez do Snake 2.0.

E eu costumava acreditar que era isso – de verdade.
Até que joguei o jogo de novo para essa review.
E... Ai.
Meu.
Deus.

Acredite ou não, eu cheguei à conclusão de que a internet – a mesma internet que você conhece tão bem – estava na verdade sendo gentil com o Raiden. Misericordiosa, até. Porque não tenho outra maneira de descrevê-lo senão esta: ELE É UM IDIOTA. UM IMBECIL. UM MENTECAPTO. Pronto. Falei. É como se ele tivesse sido escrito especificamente para provar que o pirralho chato de ZONE OF THE ENDERS não era tão ruim assim – e de alguma forma, Kojima conseguiu. Meu deus, ele conseguiu.

Agora, você pode estar pensando que estou exagerando. Que estou me entregando ao exagero para um efeito cômico. Mas não – não estou. Uma conversa típica do Raiden é mais ou menos assim:

Coronel: "Raiden, você copia?"
Raiden: "Copia?..."
[Insira uma longa explicação sobre o significado da palavra 'Copia' neste contexto]
Coronel: "Ok, Raiden, boa sorte."
Raiden: "Boa sorte?"
[Insira uma longa explicação sobre o significado da frase 'Boa sorte'.]
Coronel: "Câmbio e desligo."
Raiden: "Câmbio e desligo?"

...

Eu não estou exagerando – ele é praticamente um Cavaleiro de Bronze denso desse jeito. Mas na verdade, fica pior que isso, pq ele não é só um idiota: é um idiota arrogante, ainda por cima já que (assim como o jogador) só viveu a experiencia do primeiro Metal Gear através de simulações em realidade virtual e ainda sim acha que é o próprio Snake. Caceta, Kojima. Que diabos aconteceu aqui?

Raiden in a nutshell

E as cutscenes... puta merda, as cutscenes. Kojima sempre foi verborragico, claro, mas aqui ele perdeu completamente o controle da proporção. Alguns dias atrás, falei sobre como temia que SOUL REAVER 2 usasse o espaço extra de armazenamento e poder do PS2 para inflar o jogo original já inchado direto para a estratosfera. Felizmente, como apontei naquela review, Amy Hennig teve o bom senso de não cometer essa atrocidade.

Hideo Kojima, por outro lado, não tem um pingo de bom senso.

Quando digo que Metal Gear Solid 2 é um jogo onde você assiste mais do que joga, não estou exagerando. As cutscenes variam de cinco a vinte minutos de duração em média, com o final do jogo ostentando um finale de quarenta e cinco minutos que faz o final de O Retorno do Rei parecer um short para o TikTok. Você é interrompido em quase toda outra sala por uma chamada de Codec de dez minutos – ou pior, uma cutscene ainda mais longa – e tudo que eu queria era cruzar o maldito corredor, KOJIMA! Das aproximadamente sete horas que leva para zerar este jogo (se você sabe o que está fazendo), três horas e meia são cutscenes. Três horas e meia! Meu deus, Kojima, nem Tolkien tinha tanto a dizer!

...E ele certamente também não tem. Porque – meu chapéu – o que aconteceu aqui?

Eu não estou brincando quando digo que um tiroteio literal é interrompido por uma chamada de Codec da namorada do Raiden, que, por razões desconhecidas, atua também como operadora de save do jogo (Mei Ling está tomando cocktails em algum lugar nas Bahamas, aparentemente). Gostaria de estar exagerando, mas ela realmente liga para você no meio de um tiroteio para perguntar: "Você se lembra que dia é amanhã?"

Ok, mana. Entendo que você está chateada porque o Raiden esqueceu o aniversário de namoro ou alguma coisa assim, mas sabe, tem homens com AK-47s atirando em mim, e a única coisa entre meu crânio e uma bala é uma folha de metal mais fina que papel de impressora. Talvez, apenas talvez, este não seja o melhor momento para discutir o relacionamento.

E ainda assim o Raiden – querido, doce, adoravel Raiden – não apenas não manda ela a senhora genitora meretriz que a concebeu, mas na verdade fica preocupado em estar sendo um namorado ruim. Kojima... isso é uma piada? Você está brincando comigo, né? Você está ciente de que mesmo pelos seus próprios padrões verbosos e indulgentes, esta cena é além do ridículo, certo?

...Certo?


Em algum ponto, começa a parecer totalmente de propósito. O jogo roda nessa engine suave, brilhante, quase milagroso para a ação stealth – um dos melhores já feitos para um console na época. Sério, é ainda mais suave que DEUS EX. Os controles são precisos, a IA é reativa, o design de nível implora por experimentação... e ainda assim o jogo nunca me deixa usar nada disso, porque fica me interrompendo com bobagens ou outra cutscene interminável.

E então, finalmente, Snake retorna. Claro que ele retorna – porque isso é Metal Gear, e Kojima sabe o quanto todos nós o amamos. Mas quando ele finalmente aparece... nem posso jogar com ele. Não, em vez disso, estou preso como este novato chorão e confuso com a profundidade emocional de um papelão molhado. Até os chefes – aquelas personalidades gloriosamente bizarras e exageradas que definiram o original – foram reduzidos a três encontros mornos e você mal luta contra a Fortune; Vamp e Fatman são ok, mas eles não têm lá a mesma sensação de estranheza mítica ou ritmo narrativo que tornou as batalhas da FOXHOUND tão icônicas.

É irritante. É enlouquecedor. Porque todos os elementos para uma experiência incrível estão ali – posso vê-los, eu quase posso toca-los sob todas as interrupções, todas as conversas, todo o meta comentário. A mecânica, a apresentação, a música, a tensão – está tudo lá. Então por que não posso simplesmente ter o que eu quero, Kojima? Por que você não pode simplesmente me dar o que eu quero?

...Bem, porque Metal Gear Solid 2 não te dá o que você acha que quer.
E esse é todo o ponto.

O ponto todo é que o jogo foi projetado dessa maneira – para deixar o jogador desconfortável com a situação, com a falta de controle, com estar sendo manipulado. Metal Gear Solid 2 poderia simplesmente te dar um longo discurso sobre liberdade (e ele dá, várias vezes), mas isso não é suficiente. Palavras sozinhas não fariam você sentir. Em vez disso, Kojima usa a própria estrutura do jogo – suas interrupções, seus truques, sua exposição interminável – para prender você no mesmo tipo de manipulação sobre a qual está alertando.


Mais do que apenas te dizer que a verdade pode ser distorcida e a liberdade é uma ilusão, o jogo faz você SENTIR isso. Faz você sentir o desespero de não ser o mestre do seu próprio destino. Qualquer livro pode discutir a ideia de liberdade, qualquer filme pode mostrar um personagem se rebelando contra o controle, mas apenas um videogame pode fazer você experimentar, nos seus ossos, aquela perda gradual de agência – aquela frustração de ser um fantoche na peça de outra pessoa.

Ser controlado por um soberano invisível e indiferente não é apenas um tema que Metal Gear Solid 2 fala – é o estado de ser no qual o jogador é forçado. Toda chamada de Codec, toda interrupção roteirizada, todo momento em que você é negado o que quer é parte do experimento. Kojima não quer você confortável; ele quer você questionando por que você ainda está obedecendo, ainda seguindo ordens, ainda indo em frente em um sistema que claramente não se importa com sua liberdade.

E é por isso, voltando a como abri esta análise, que a verdadeira arte geralmente é desconfortável. Ela desafia suas expectativas, frustra você, força você a confrontar algo cru. Metal Gear Solid 2 não é apenas um jogo que você joga – é um jogo que joga com você.

Porque quanto mais você joga MGS2, mais você começa a pensar que Kojima estava apenas sendo preguiçoso. O jogo praticamente repete cada momento importante do original: terroristas tomam o controle de uma instalação, um agente da FOXHOUND é enviado, ele descobre que a demanda de resgate é uma cobertura para roubar ou ativar um Metal Gear, Otacon perde um ente querido em uma cena de morte melodramática,  tem um vírus bomba-relógio, você luta contra um desfile de aberrações com poderes absurdos, o chefe final acaba sendo alguém com uma conexão familiar com o herói e, claro – um ninja ciborgue aparece e corta balas no ar como se fosse terça-feira.

Existe algum motivo pelo qual o Metal Gear RAY se comporta como um animal? Bem, pq pareceu muito maneiro em Evangelion, basicamente

A sensação de déjà vu é esmagadora. Parece que você está jogando uma refilmagem aguada de Shadow Moses, drenada de cor, convicção e novidade. Tudo parece familiar, reciclado, vazio – como se Kojima tivesse ficado sem ideias e decidido apertar Ctrl+C em sua própria obra-prima.

E isso é inteiramente intencional.

Cada parte disso – desde o Raiden ser um novato banana até o diálogo mergulhar na estupidez absoluta – é por design. Não é incompetência, é construção. O jogo é feito para parecer artificial, para embalar você na crença de que está rejogando Metal Gear Solid 1 enquanto torce silenciosamente cada expectativa que você traz daquele jogo. Ele quer você frustrado. Ele quer você cético. Ele quer que você pergunte: "Por que estou jogando esta imitação barata?"

Porque esse é o ponto. A repetição é a mensagem. A manipulação, a vacuidade, a sensação de que tudo está sendo orquestrado e você está apenas performando um papel já escrito para você – isso é o que Metal Gear Solid 2 é realmente sobre. E é aí que tudo finalmente clica.se encaixa. 


Então, primeiro de tudo: o que tem nesse negócio de "Metal Gear" que tem dezenas de jogos girando em torno dele? Bem, além de parecer absolutamente fodão, o ponto central é que um Metal Gear é um tanque bípede capaz de lançar um ataque nuclear de qualquer lugar do planeta.

Veja, disparar um míssil balístico intercontinental não é exatamente um assunto casual – requer uma infraestrutura massiva, e esses locais de lançamento são constantemente monitorados por seus inimigos. Se os EUA tentassem enviar um míssil em direção a Moscou, os russos saberiam antes mesmo da coisa deixar o espaço aéreo americano. Claro, você poderia lançar uma bomba nuclear de um bombardeiro, e mesmo que mais dinheiro do que você consiga saber o nome do número é gasto desenvolvendo tecnologia stealth... ainda sim, boa sorte em esgueirar isso através do radar e de território hostil.

Agora imagine algo menor, móvel e quase impossível de rastrear – uma plataforma nuclear ambulante que poderia se esconder em qualquer lugar. Você não pode detectá-la com radar, não pode rastreá-la com satélites, e a única maneira de saber que ela está lá é um pasto de cabras casualmente esbarrar com ela e gritar "Metal Gear!" pelo rádio. É por isso que o conceito é tão aterrorizante: ele desestabiliza toda a ideia de dissuasão nuclear. Ele reescreve o equilíbrio do poder global.

Isso é o que Metal Gear sempre foi sobre – o pesadelo de uma arma que torna o conceito de destruição mútua assegurada sem sentido.
Ou pelo menos, costumava ser.

Isso porque em Metal Gear Solid 2, há algo muito mais poderoso e devastador do que uma arma nuclear. Algo que não apenas apaga cidades – pode apagar realidades inteiras. Essa arma é a informação. Se você controla a informação, você controla o que as pessoas pensam, o que elas querem, o que elas temem. E esse é o poder definitivo.

Até a década de 1990, a informação era relativamente fácil de gerenciar. Jornais, televisão e rádio te diziam o que estava acontecendo, moldando cuidadosamente o que você pensava sobre o mundo. Selecionando quais histórias contar e como contá-las, os guardiões da mídia podiam esculpir a opinião pública com precisão cirúrgica. E como esses veículos eram propriedade de um punhado de interesses poderosos, eles podiam ser comprados, silenciados ou persuadidos a servir quem detivesse o poder real.

Mas então, algo mudou. Quase da noite para o dia, o monopólio da verdade entrou em colapso. O novo milênio trouxe a ascensão da internet, e de repente qualquer um – qualquer pessoa comum com um computador – poderia alcançar tantos olhos e ouvidos quanto um grande veículo de transmissão. O fluxo de informação se tornou caótico, incontrolável e infinito.

Nesse novo cenário, claro – um Metal Gear capaz de lançar ogivas nucleares ainda tem seus usos. Mas o verdadeiro fator de mudança não é uma arma que destrói cidades; é uma que pode controlar a própria informação. Entra em cena o Arsenal Gear – um Metal Gear massivo, oceânico, cuja arma principal não são mísseis ou bombas nucleares, mas um data center que abriga uma inteligência artificial projetada para dominar o fluxo de dados mundial.


Diferente dos tanques ambulantes do passado, seu campo de batalha é o reino digital. O Arsenal Gear abriga uma rede de IA colossal destinada a monitorar, filtrar e manipular cada pedaço de informação circulando na internet. Não se trata mais de exterminar populações – é sobre reescrever a realidade controlando o que a humanidade vê, sabe e acredita.

E sim, algo assim precisaria ser enorme. O Arsenal Gear não é apenas uma máquina; é uma fortaleza móvel, defendida por um exército inteiro de Metal Gears convencionais menores. E aqui está a pegadinha – essa monstruosidade estava sendo secretamente construída bem debaixo do nariz de todos, escondida à vista de todos no fundo da Baía de Nova York. A tal Big Shell, a "instalação de limpeza" era apenas uma fachada, enquanto o verdadeiro objetivo dos terroristas era assumir o controle da fortaleza na forma de Metal Gear a quem isso servia. Mas aqui está a reviravolta: a fortaleza física – a besta de metal gigante rugindo sob o oceano – era apenas metade da história. Não era nem mesmo a parte mais importante.

Como você pode imaginar, controlar a internet não é tarefa fácil. É preciso um algoritmo capaz de moldar qualquer situação em qualquer outra coisa. Como um bot que discretamente semeia ideias para transformar, sei lá, uma discussão sobre o novo single da Taylor Swift em um debate sobre política de extrema esquerda — e de alguma forma fazer as pessoas pensarem que a ideia partiu delas.

[ESPERA AÍ — ESSE TIPO DE COISA MEIO QUE NÃO ACONTECE DE VERDADE HOJE EM DIA?]

Segure esse pensamento, Jorge — voltaremos a ele em um minuto. Mas, como eu estava dizendo, uma IA inteligente o suficiente para manipular todo o fluxo da internet precisa de dados incomensuravelmente ricos para aprender. E se esses dados ainda não existem... alguém precisa criá-los.


Entram em cena os Patriotas: um grupo obscuro que governa os Estados Unidos nos bastidores (meio que como os Illuminati, mas com um nome que o Mel Gibson ia achar mais legal) desde, bem... desde sempre. Eles estavam desenvolvendo essa IA e, para alimentá-la com os "dados definitivos", orquestraram o teste final: escolher o recruta mais burro e emocionalmente quebrado que pudessem encontrar, submetê-lo a uma simulação do incidente de Shadow Moses e — através de pura manipulação — transformá-lo em um soldado lendário à altura de Solid Snake. Se a IA conseguisse transformar um completo idiota em um herói, então estaria pronta para manipular qualquer pessoa em qualquer coisa.

E é por isso que Raiden é um idiota que não sabe nada sobre nada. Todo o seu arco narrativo é o teste. Cada conversa, cada cena absurda, cada manipulação emocional — é tudo a IA o treinando, apertando seus botões, moldando-o em uma ferramenta que prova que o sistema funciona.

O líder terrorista, Solidus Snake (sim, o terceiro irmão "Les Enfants Terribles" — pessoalmente, acho que ele deveria se chamar "Gaseous Snake" para combinar com Solid e Liquid) originalmente acreditava que o único propósito da IA ​​era criar o soldado definitivo sob demanda. Mas os Patriotas tinham um objetivo diferente: eles não estavam treinando Raiden, estavam treinando a IA.

E é por isso que o jogo se esforça tanto para replicar o incidente de Shadow Moses. Não é preguiça. Não é roteiro mal feito. É um programa de treinamento meticulosamente projetado — o Programa S3: Seleção para a Sanidade Social. Tudo o que inicialmente parece um desvio indulgente, frustrante ou absurdo — os diálogos ridículos de Raiden com sua "namorada", as interrupções intermináveis, o ritmo bizarro — foi intencional.


Tudo fazia parte do teste, tudo fazia parte da educação da IA. Kojima não falhou na escrita. Ele orquestrou a experiência do jogador para espelhar o tema central do jogo: manipulação, controle e a desconfortável percepção de que você, assim como Raiden, é apenas mais um participante em um sistema projetado para moldá-lo sem o seu conhecimento.

E aqui está a genialidade – o brilho de Metal Gear Solid 2 não está apenas em sua história, sua IA, ou mesmo no choro interminável do Raiden. Está no próprio jogo, na maneira como Kojima usa estrutura, ritmo e cutscenes para fazer o jogador viver a exata manipulação à qual Raiden é submetido.

Cada interrupção, cada chamada de Codec de dez minutos, cada conversa absurdamente encenada com uma "namorada" ou um oficial superior não é enrolação. Quer dizer, é, mas é de propósito. É a maneira do jogo de te ensinar uma lição que você não sabia que estava prestes a aprender: você não está no controle. Você acha que está jogando um jogo de ação stealth, planejando, se esgueirando e estrategizando... e então, de repente, o jogo puxa o tapete debaixo de você. Ele te força a sentar através de diálogos, a seguir ordens, a ficar frustrado e impotente. Você sente a desesperança do Raiden, sua confusão, sua irritação – porque Kojima projetou a experiência para que o jogador vivencie a mesma falta de agência que o personagem.

O Programa S3 não é apenas sobre transformar o Raiden em um soldado; é sobre transformar o jogador em um observador de sua própria manipulação. Você é a cobaia do teste da IA, assim como ele é. O absurdo das cutscenes, a repetitividade do "Shadow Moses redux", as interrupções intermináveis – tudo isso é parte do meta-comentário. É desconfortável, é enfurecedor e é excitante ao mesmo tempo. Você percebe que a genialidade não está no espetáculo, nos quebra-cabeças, ou mesmo nas mecânicas de stealth – está na experiência da impotência em si.


E é por isso que Metal Gear Solid 2 é ao mesmo tempo um dos jogos mais brilhantes e mais enlouquecedores já feitos. É um jogo que manipula seu jogador tão implacavelmente quanto Raiden é manipulado pelos Patriots. É um jogo que faz você questionar a própria natureza do controle, do livre-arbítrio e da informação. Ele frustra você, confunde você, zomba de você – e através de tudo isso, ele consegue fazer um ponto que nenhum outro meio de comunicação poderia entregar com a mesma força.

Você não apenas joga MGS2. Você vive isso. E quando os créditos rolam, você finalmente entende por que tudo – cada diálogo absurdo, cada cutscene prolongada, cada reviravolta ridícula de enredo – estava lá o tempo todo. Kojima não fez apenas um jogo; ele fez um experimento, e nós, os jogadores, éramos as cobaias.

[ESPERA, ESPERA – PODEMOS VOLTAR ÀQUELA COISA SOBRE "BOTS CONTROLANDO SUTILMENTE O FLUXO DA INTERNET"? PORQUE ISSO É ALGO QUE ACONTECE HOJE. UM JOGO DE 2001 PREVIU COMO A IA E AS FAKE NEWS MOLDARIAM A DEMOCRACIA EM 2025?]

Ah, Jorge... na verdade, é maior que isso. Porque o tema do Kojima sobre controlar a verdade não é uma visão caricata de senhores do Illuminati acendendo charutos com notas de dinheiro enquanto riem malignamente. É uma previsão assustadoramente precisa de como nosso mundo real evoluiria.

Aqui, deixe-me citar o diálogo real do jogo:

Raiden: Deixem de besteira! Se vocês são imortais, pra que tirar as liberdades individuais e censurar a internet?

Rose: Jack, não seja bobo.

Coronel: Você não sabe que nossos planos têm em mente os seus interesses — e não os nossos?

Rose: Jack, ouça com atenção, como um bom menino!

Coronel: O mapeamento do genoma humano foi concluído no início deste século. Como resultado, o registro evolutivo da raça humana está aberto para nós.

Rose: Começamos com engenharia genética e, no final, conseguimos digitalizar a própria vida.

Coronel: Mas há coisas que não são abrangidas pela informação genética. Memórias humanas, ideias. Cultura. História.

Rose: Os genes não contêm nenhum registro da história humana.

Coronel: É algo que não deveria ser transmitido? Essa informação deveria ser deixada à mercê da natureza?

Rose: Sempre registramos nossas vidas. Através de palavras, imagens, símbolos... de tábuas a livros... Mas nem toda a informação foi herdada pelas gerações posteriores.

Coronel: Uma pequena porcentagem do todo foi selecionada e processada, e então transmitida. Não muito diferente dos genes, na verdade.

Rose: Isso é a História, Jack.

Coronel: Mas no mundo digital atual, Informações triviais estão se acumulando a cada segundo, preservadas em toda a sua banalidade. Nunca desaparecendo, sempre acessíveis.

Rose: Rumores sobre assuntos insignificantes, interpretações errôneas, calúnias...

Coronel: Todos esses dados inúteis preservados em um estado não filtrado, crescendo a uma taxa alarmante.

Rose: Isso só vai retardar o progresso social, reduzir a taxa de evolução.

Coronel: Raiden, você parece pensar que nosso plano é de censura.

Raiden: Você está me dizendo que não é!?

Rose: Você está sendo bobo! O que propomos fazer não é controlar o conteúdo, mas criar contexto.

Raiden: Criar contexto?

Coronel: A sociedade digital fomenta as falhas humanas e recompensa seletivamente o desenvolvimento de meias-verdades convenientes. Basta olhar para as estranhas justaposições de moralidade ao seu redor.

Rose: Bilhões gastos em novas armas para assassinar outros humanos de forma "humanitária".

Coronel: Os direitos dos criminosos recebem mais respeito do que a privacidade de suas vítimas. 

Rose: Embora haja pessoas sofrendo na pobreza, enormes doações são feitas para proteger espécies ameaçadas de extinção. Todos crescem ouvindo a mesma coisa.

Coronel: Seja gentil com as outras pessoas.

Rose: Mas vença a concorrência!

Coronel: "Você é especial." "Acredite em si mesmo e você terá sucesso."

Rose: Mas é óbvio desde o início que apenas alguns podem ter sucesso...

Coronel: Vocês exercem seu direito à "liberdade" e este é o resultado. Toda essa retórica para evitar conflitos e proteger uns aos outros de sofrimento. As verdades não testadas, propagadas por diferentes interesses, continuam a se acumular no pântano da correção política e dos sistemas de valores.

Rose: Todos se isolam em suas próprias pequenas comunidades fechadas, com medo de um fórum maior. Eles permanecem dentro de seus pequenos mundos, vazando qualquer "verdade" que lhes convenha para o crescente esgoto da sociedade em geral.

Coronel: As diferentes verdades fundamentais não entram em conflito nem se harmonizam. Ninguém é invalidado, mas ninguém está certo.

Rose: Nem mesmo a seleção natural pode ocorrer aqui. O mundo está sendo engolido pela "verdade".

Coronel: E é assim que o mundo acaba. Não com um estrondo, mas com um lamento.

Rose: Estamos tentando impedir que isso aconteça.

Coronel: É nossa responsabilidade como governantes. Assim como na genética, informações e memórias desnecessárias devem ser filtradas para estimular a evolução da espécie.

Raiden: E você acha que está qualificado para decidir o que é necessário e o que não é?!

Coronel: Absolutamente. Quem mais poderia atravessar o mar de lixo que vocês produzem, resgatar verdades valiosas e até mesmo interpretar seu significado para as gerações futuras?

Rose: Isso é o que significa criar contexto.

Raiden: Eu decidirei por mim mesmo no que acreditar e o que transmitir!

Coronel: Mas será que essa ideia é mesmo sua?

Rose: Ou é algo que o Snake te disse?

[MINHA NOSSA SENHORA...]

Viu? Não é apenas sobre bots influenciando eleições. É sobre como moldar a "verdade"  é muito mais eficiente do que censura-la. É sobre a cultura da bolha de filtro, os algoritmos de recomendação e camaras de eco que agora domina as redes sociais. É sobre como os humanos passaram milhares de anos vivendo com conhecimento curado – com alguém decidindo qual informação era preservada, quais narrativas eram amplificadas, quais vozes eram silenciadas – e agora  não temos ferramentas para lidar com estarmos nos afogando em uma enxurrada de dados não filtrados, quase todos inúteis. É sobre como o politicamente correto e a cultura do cancelamento é menos sobre criar um ambiente mais saudável e mais sobre proteger nossos próprios egos. É sobre tantas, tantas outras coisas mais ainda tão relevantes que parecem ter sido escritas semana passada.


É genuinamente assustador como um videogame de 2001 pode prever tão precisamente o mundo em que vivemos hoje. Claro que MGS2 não previu literalmente Twitter, Facebook ou TikTok, mas ele parte de um ponto muito imporante: sistemas que curam ou censuram a informação que recebemos são inerentemente perigosos. Quem controla esse poder não apenas guia a opinião pública – ele controla a própria realidade.

O primeiro Metal Gear Solid focava nos genes e sua influência no destino de um indivíduo. O MGS2, no entanto, muda a lente para os memes – ideias, informação e tendências culturais que se espalham e evoluem como genes biológicos. O jogo argumenta que na era digital, os memes são tão poderosos, senão mais, quanto os genes na formação das vidas. A informação se espalha à velocidade da luz online, influenciando nossas crenças, nossos comportamentos e até como percebemos a realidade. Controle o fluxo de memes, e você não controla apenas o conhecimento – você controla pessoas, sociedades e, no final, o curso da história.

O mais impressionante é que o jogo sabe que é autoconsciente — ele pisca para o jogador com toda essa metanarrativa sobre controle de informações, manipulação digital e ilusão versus realidade. Mas, em algum momento, a piscadela se transforma em um tique nervoso. Você começa a se perguntar se Kojima está zombando de todo mundo — do jogador, dos críticos, talvez até de si mesmo. Ele quer fazer cinema, filosofia e comentários políticos ao mesmo tempo, mas esquece que, por baixo de tudo isso, deveria haver um jogo. Um jogo de furtividade, nada menos.

E quando você está preso na sua quinta conversa consecutiva pelo codec sobre o significado dos memes (do tipo de Dawkins, não do tipo da internet), enquanto o seu controle acumula poeira, você percebe algo aterrorizante: você não está jogando o sistema. O sistema está jogando você.

E é por isso que Metal Gear Solid 2 permanece terrivelmente relevante hoje. Não é apenas um jogo sobre stealth ou Metal Gears – é um jogo sobre guerra de informação, manipulação psicológica e a fragilidade da verdade em um mundo construído sobre dados. Kojima não fez apenas um conto de advertência; ele fez uma profecia.

Então, quais são meus pensamentos finais sobre este jogo? Bem... Metal Gear Solid 2 é o Senhor dos Anéis dos videogames (graças a Arceus ninguém lê este blog, ou eu nunca ouviria o fim disso por dizer isso.)

O que quero dizer com isso? A obra seminal de Tolkien é uma das peças mais importantes da literatura já escritas, e todos – sem exceção – deveriam lê-la pelo menos uma vez na vida. Isso é verdade. Mas também é verdade que não é uma leitura fácil. Meu deus, é exaustivo! Quando Frodo finalmente chega à Montanha da Perdição, mal conseguindo ficar em pé, você, como leitor, sente a mesma fadiga – arrastando-se através de página após página de lore intrincada, poesia interminável e descrições desnecessárias sem fim.


Metal Gear Solid 2 funciona de maneira similar. Assim como Tolkien, Kojima acredita que cada simples palavra que ele escreve é ouro puro e jamais corta uma única linha do seu rascunho original. O resultado é que ele entrega uma obra-prima absoluta de narrativa, uma história que não apenas fala sobre agência, manipulação e a importância da liberdade – ela faz você desejá-la, gritar por ela, se debater por ela. É brilhante. O uso do jogo de meta-narrativa, quebras de quarta parede e camadas temáticas é tão audacioso que poucas mentes na história humana poderiam sequer concebê-lo – muito menos executá-lo letra por letra com tal genialidade.

Mas, e esta é a pegadinha... não é um jogo fácil de amar. Meu deus, eu revirei os olhos tantas vezes que quase acertei um jackpot. O choro interminável do Raiden, as interrupções, as intermináveis chamadas de Codec – eu puxei meus cabelos em desespero tantas vezes que minhas próximas férias serão na Turquia. MGS2 é uma obra-prima que opera em tantos níveis, ainda que simultaneamente o enlouqueça a cada curva possível.

E ainda assim, como eu disse no início, a arte raramente deve ser gentil, confortável ou fácil. Metal Gear Solid 2 não é nenhuma dessas coisas. Em quase 1.600 reviews neste blog, nunca encontrei uma peça de arte maior, mais ousada ou mais audaciosa do que Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty. Ele é enfurecedor, exaustivo, perplexo e às vezes absurdo – mas também é incomparável, inesquecível e inegavelmente brilhante. Eu absolutamente te odeio, Kojima, mas você é um filho da puta de um gênio.

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