Bem, para a review de hoje—
... espera, não. Não, não. Essa não é a maneira certa de começar. Se vamos fazer isso, vamos fazer adequadamente. Jorge, por favor... coloque a trilha sonora.
Bem, aqui estou eu... C, o Rei. Rei de todos os jogos. Quem iria imaginar, hein? Eu, sentado no topo deste trono de cartuchos quebrados e latas de cerveja, olhando para a terra desolada de jogos de plataforma que não passaram de 2001. Mas como cheguei a isso, você pergunta? Quem são aqueles estranhos títulos que me rodeiam, aquelas mascotes caídas com seus olhos mortos e sorrisos congelados? Ah, sim. Isso você também pergunta.
Pois então. Chegue mais perto. Sente-se, sirva-se de um bom copo de leite gelado e deixe-me contar. É uma longa história. Tudo começou... em março de 2001. E que dia foi aquele! É o que eu gosto de chamar de... a bad fur day!
[a câmera dá close em mim, reclinado em uma poltrona de veludo, com um copo de leite na mão, usando óculos escuros dentro de casa]
Veja, meus drugues, no final dos anos 90, a Rare era a sensação do reino. Quando o PlayStation reinava sobre tudo que a luz do sol tocava, a Rare (e o Miyamoto, é claro) eram o cemitério de elefantes que o império de Tóquio nunca conseguiu conquistar — a última aldeia gaulesa que a própria Roma não pôde subjugar. E por isso, naturalmente, eles foram aclamados como heróis. Lendas foram contadas, louvores foram cantados, odes compostas em reverência aos dias de ouro da Rareware. Eles eram o último posto avançado mantendo as luzes do Nintendo 64 acesas, a pedra final e teimosa alojada no sapato de Ken Kutaragi.
E, pra ser sincero, eles mereciam. BANJO-KAZOOIE. GOLDENEYE 007. PERFECT DARK. DIDDY KONG RACING. Lendas foram contadas, louvores foram cantados, e todos reconheciam o milagre: que um único estúdio britânico de alguma forma impediu que a Sony tivesse um monopólio sem concorrencia. Então, claro, todos que trabalhavam lá deviam se sentir como heróis — gênios, profetas dos games, certo? Bem... seres humanos são um pouco mais complicados que isso.
Nossos cérebros são feitos para tribos. Somos animais sociais, sempre tentando nos encaixar em um grupo, e uma vez dentro desse grupo, começamos a esculpir outros ainda menores — os círculos mais fechados, os santuários internos, as panelinhas por trás das panelinhas. E a Rare, mesmo em seus dias em que ela parecia ser incapaz de errar, ainda era feita de pessoas (provavelmente).
O que significa, é claro, que mesmo dentro do paraíso, havia castas. Havia os meninos de ouro — a equipe do "Project Dream", os ungidos, os desenvolvedores que faziam as coisas acontecer e ainda ganhavam um tapinha nas costas do próprio Miyamoto, a mais sagrada das bênçãos. E então, havia os outros. Chris Seavor era um desses "outros". Não um dos prodígios radiantes desfilando pelos corredores do escritório com café em uma mão e o destino na outra — não, ele era um dos "outros caras". Os que pegavam as tarefas pouco glamourosas, os trabalhos de suporte, as funções de carregador de piano que nunca chegavam aos vídeos de marketing da E3. Ele não era um menino de ouro. Ele não fazia parte da lenda. Ele era apenas mais uma engrenagem na máquina da Rare — ou pelo menos era assim que era até então.
Quando SUPER MARIO 64 foi lançado, ele não era apenas um jogo — era um seminário inteiro intitulado "Como Diabos se Faz Plataforma em 3D". Porque antes disso, ninguém realmente tinha ideia do que fazer com o genero mais popular da geração passada em 3D (sim, estou olhando para você, JUMPING FLASH). SUPER MARIO 64 não apenas pulou para o 3D — ele o definiu. Foi como ver um homem das cavernas de repente inventar a roda e o conceito de leis de trânsito. Desenvolvedores em todos os lugares olhavam para suas telas, de queixo caído, como se Shigeru Miyamoto tivesse acabado de descer do céu e dito: "Contemplai, é assim que se usa a câmera, seus macacos."
Então, naturalmente, quando os irmãos Stamper — fundadores e senhores da Rare — pousaram os olhos em Mario 64, sua reação imediata foi bem simples: "Legal. Quero um desses". Havia apenas um problema. Seus melhores times já estavam ocupados até o pescoço em outros projetos: parte da equipe estava ajustando o KILLER INSTINCT GOLD, e o resto estava perdido em algum lugar no inferno de desenvolvimento de um RPG de ação conhecido como "Project Dream".
Todos os seus meninos de ouro estavam ocupados. O que deixou os irmãos com uma escolha: ou ficavam de fora dessa ou... chamavam os outros. E é aí que nosso querido azarão entra em cena.
Chris Seavor — junto com um punhado de outros cavalos de batalha menos celebrados da Rare — de repente se viram convocados para a sala do trono dos Stampers. E o decreto real foi mais ou menos assim: "Você aí. Sim, você. Você trabalha aqui, não é? Bem, não importa. O que importa é — faça um daqueles joguinhos de plataforma 3D. O mais rápido possível. Pronto. Yeehaw, rapaz!"
[VOCÊ SABE QUE ELES SÃO BRITÂNICOS, E NÃO TEXANOS, NÉ?]
Ah, certo. Erro meu. Vamos tentar de novo, a versão historicamente precisa: "Você rapazote. Sim, você. Você trabalha aqui, não é? Esp-lêndido. Não importa. O que importa é — faça um daqueles joguinhos de plataforma 3D. O mais rápido possível. Deveras! Pela Santa!"
Pronto. Muito melhor. Servindo bem para servir sempre, é o que eu digo. Seja como for, o ponto é que Seavor e os outros underdogs da Rare marcharam para construir um matador de Marios — a chance da vida, o bilhete dourado para sair das sombras e reivindicar o holofote para si. Um projeto dos sonhos. Algo para mudar o patamar da sua carreira.
...Até que, claro, deixou de ser.
Chris Seavor e sua equipe estavam cientes de muitas coisas naquela época. Em primeiro lugar, todos sabiam que esta era uma chance única na vida — o tipo de oportunidade que ou faz sua carreira ou a condena a passar o resto dela consertando o código spaghetti dos outros às três da manhã. Se eles estragassem isso, nunca liderariam outro projeto novamente. Eles seriam os zeladores do desenvolvimento de games — varrendo bugs e compilando assets para os "verdadeiros gênios".
E isso nos leva à sua segunda percepção: eles não eram os gênios. Eles não eram os caras do KILLER INSTINCT, não eram a equipe do DONKEY KONG COUNTRY — eles eram os outros caras. As sobras. Os que você chama quando todo mundo está ocupado demais sendo brilhante.
Então, sendo os sujeitos sensatos que eram, decidiram não inventar moda. Um jogo de plataforma fofo com mascote — porque isso era o que estava na moda na época — com alguns colecionáveis espalhados, uns pulinhos 3D leves e charme suficiente para manter a Nintendo sorrindo. Nada muito extravagante, sem sistemas de câmera revolucionários ou enredos cinematográficos. Apenas uma aventurinha simples e sólida para provar que eles podiam sentar na mesa com os meninos grandes.
E assim nasceu o mascote mais mascotável que já mascotou: um esquilo vermelho fofinho e dengoso chamado Conker, estrelando um jogo charmosamente intitulado Conker's Quest.
E por um tempo foi bom.
Até que os meninos de ouro — os caras trabalhando no Project Dream, o filho favorito da Rare — ficaram sabendo do que os "outros caras" estavam fazendo. E a reação deles foi algo tipo "hãaan, isso na verdade parece uma ideia muito boa. Novo plano, pessoal: o Project Dream agora é um jogo de plataforma 3D!"
E eis que assim o "Project Dream" evoluiu para um joguinho modesto que você talvez conheça — um sucesso tímido chamado... BANJO-KAZOOIE. E para o mundo isso era uma notícia maravilhosa. A Rare tinha acabado de encontrar ouro novamente, cementando seu lugar na história. Mas para Seavor e sua equipe improvisada foi um maldito pesadelo.
Porque agora, eles não estavam apenas fazendo um jogo de plataforma com mascote — eles estavam fazendo um no mesmo gênero, sob o mesmo teto, e contra o melhor time que a Rare tinha.
Imagine chegar em um show de talentos com um fantoche de meia só para perceber que os Beatles também vão se apresentar. É. Esse tipo de "ah fuck" que eles tiveram. Então veio a E3 de 1997.
A Rare desfilou no palco com seus dois novos e brilhantes jogos de plataforma 3D, pronta para mostrar ao mundo que eles também podiam brincar no parquinho do Miyamoto. E em minutos... a equipe de Chris Seavor foi eviscerada.
Não porque Conker's Quest fosse um desastre — pelos padrões de 1997, era perfeitamente aceitável. Mascote fofo? Check. Fases coloridas? Check. Ajudantes animais excêntricos? Check duplo. Tinha tudo que um respeitável jogo de plataforma 3D precisava. Mas bem ao lado, no mesmo palco, estava seu carrasco.
Banjo-Kazooie.
"Ô" BANJO-KAZOOIE. O jogo de plataforma 3D tão espetaculoso que até a Nintendo teve que parar e tomar notas. A magnum opus do gênero — elegante, imaginativo, explodindo com personalidade, e com um polimento técnico que fazia o hardware do N64 parecer ronronar de orgulho.
Ao lado daquela obra-prima, Conker's Quest parecia um projeto de feira de ciências do ensino médio exposto ao lado do Projeto Manhattan. Tudo dentro de um raio de 55 quilômetros do Banjo parecia amadorístico em comparação — e Conker's Quest estava literalmente sentado ao lado dele no estande.
Digamos que "cópia do Mario 64" foi o comentário mais gentil que alguém se deu ao trabalho de fazer. Os poucos que se importaram o suficiente para dizer alguma coisa, isso é. Foi um massacre. A sentença estava escrita na parede em Comic Sans. O fim da linha.
...Ou pelo menos, deveria ter sido.
Mas eis a coisa sobre os "outros caras" — eles estavam acostumados a perder. Eles tinham sido negligenciados, deixados de lado, desacreditados e esquecidos desde o dia em que pisaram nos corredores da Rare. Então, quando todo mundo estava pronto para puxar a tomada, Seavor e sua equipe destemida se recusaram. Eles iam fazer o Conker funcionar. De algum jeito. Por bem ou por mal, ou por esquilo.
Ok, eles não podiam bater de frente com o BANJO-KAZOOIE. Obviamente. Ninguém podia. Se nem o próprio Miyamoto queria peitar essa briga, então certamente não seriam os "outros caras" que venceriam. Isso estava claro. Hora de um novo plano — ou melhor, um novo-novo plano.
Eles precisavam de algo que diferenciasse o Conker do Banjo. Algo novo, algo que fizesse as pessoas dizerem: "Ah sim, este é o outro collecthaton de animais britânico — mas com um toque diferente!". E então, o momento eureca: dois personagens diferentes, cada um com habilidades únicas que complementavam o outro. Você jogaria como Conker, esbarraria em um puzzle que ele não poderia resolver, e então trocaria para sua namorada fofinha e adoravel, Berri, que poderia. Uma dinâmica de dupla! Talvez até um co-op para dois jogadores, se o pobre Nintendo 64 não derretesse tentando renderizar!
Sim! Essa era a ideia. Era diferente. Iria funcionar!
E assim, Conker's Quest evoluiu para "Twelve Tales: Conker 64". Um novo e ousado título, transbordando ambição, apresentando animais adoráveis brincando em um mundo de polígonos e possibilidades. Por um breve e brilhante momento, parecia que tudo estava de volta nos trilhos.
Até que deixou de estar.
Porque por volta de 1998, a Rare tinha um problema. Um problema muito grande, muito bravo e com a ameaça de ninjas da Yakuza. Dia após dia, Kyoto batia em sua porta perguntando: "Cadê, por tudo que é sagrado, a porcaria do meu DONKEY KONG 64, Rare?!". E a Rare... bem, a Rare estava ficando sem desculpas para dar a Nintendo.
Veja, BANJO-KAZOOIE tinha sido tão bom que colocou a Rare numa sinuca de bico criativa. Como você supera a perfeição sem parecer que está apenas fazendo um reskin dela? Até os melhores times da Rare estavam sem ideias. Foi quando alguém lá de cima olhou para o projeto do Seavor e disse, "Espera aí... trocar de personagens, habilidades únicas, exploração 3D... hmm. Isso é inteligente. Seria uma pena desperdiçar isso no time B."
E assim, a ideia foi silenciosamente tirada do caderno de Seavor e entregue à equipe do DONKEY KONG 64. A decisão foi simples, lógica, comercialmente sensata e totalmente esmagadora para a alma. De um ponto de vista comercial, era indiscutivelmente melhor canibalizar Twelve Tales do que enfrentar um exército de ninjas-yakuza da Nintendo armados com máquinas de fax e obrigações contratuais. E o que o Chris poderia dizer? Ele não era um menino de ouro. Ele não era um produtor. Ele era apenas mais um "outro cara".
Então ele assistiu — impotente — enquanto a única grande ideia de sua equipe era desmontada para servir de peças e enxertada em um monstro inchado que eventualmente se tornaria DONKEY KONG 64. E esse foi o momento exato em que ele surtou. Quase como um personagem de desenho animado enlouquecido — olho tremendo, lábios trêmulos, segurando meio que as lágrimas — ele se virou para sua equipe e disse: "Tá bom. Vamos dar a eles uma coisa que eles nunca vão OUSAR tirar de nossas mãos!"
E todo mundo entendeu.
Porque estavam fartos.
Fartos de serem invisíveis nos corredores.
Fartos de não importarem.
Fartos de ver seu suor e lágrimas serem entregues a "alguém que não os desperdiçaria".
Não. Aquilo acabava agora.
Eles fariam o jogo mais rebelde, revoltante, obsceno e chocante já feito — e se precisassem, eles mesmos o enfiariam goela abaixo dos Stampers. Porque basta era basta, e uma hora até o Zé Ninguém mais comum acaba explodindo. E explodir eles explodiram.
E daquela raiva, daquela rebelião, daquela sensação sufocante de impotência, nasceu...
Quando Chris Seavor marchou para o escritório dos Stampers com o documento de design embaixo do braço, ele tinha certeza de que seria demitido. Mas quer saber? Que se dane. Ele preferia ser demitido por sugerir um esquilo desbocado, embriagado e com humor de banheiro do que passar mais um dia como um desenvolvedor de segunda classe.
Ele entregou o documento a eles. Os Stampers leram em completo silêncio. O tempo se esticou em uma eternidade — tempo suficiente para a adrenalina de Chris passar e a realidade bater. Ele tinha uma hipoteca. Filhos. Talvez ser demitido por isso não valesse a pena. Mas era tarde demais. Tarde demais pra caralho.
Finalmente, os Stampers colocaram os papéis na mesa. Eles se olharam, depois olharam para ele, e calmamente disseram: "Chris... como você pode fazer um negócio desses..." era isso, ele estava acabado, ele já estava vendo os formulários do seguro desemprego na sua cabeça "... e demorar até agora pra nos mostrar? Nós absolutamente amamos esse negócio! A gente não sabia que você tinha isso em você. Por que não nos contou antes? É brilhante. É genial. É a melhor ideia para um jogo que eu já vi nessa
Chris apenas ficou parado, piscando em descrença. Não era assim que ele imaginava que aconteceria. Ele tinha imaginado esse momento cem vezes — a maioria delas terminando com a segurança o levando para fora. Ele sonhou com essa resposta positiva, claro, mas realmente ouvi-la? Nem em um milhão de anos.
A única coisa que ele conseguiu balbuciar, em choque, foi: "Mas... mas... e a Nintendo? Eles nunca vão permitir..." e os Stampers apenas acenaram com a mão, dismissivamente. "Nós lidamos com a Nintendo. Você faz seu trabalho — traga essa obscenidade linda à vida —, nós fazemos o nosso. Esse pequeno cretino agora é nosso protegido."
Chris assentiu, mal conseguindo segurar as lágrimas ali mesmo, no escritório de seus chefes. Pela primeira vez, ele sentiu que sua voz — crua, sem filtros, sem remorsos — estava finalmente sendo ouvida. E quer saber? Os Stampers realmente falaram sério.
A Nintendo, como você pode imaginar, não queria absolutamente nada a ver com um jogo absurdo, classificação 18+, sobre um esquilo de ressaca que mija em inimigos e luta contra uma literal pilha de merda. Mas a Rare não vacilou. E, bem, a Nintendo lhes devia mais de um favor — então um acordo foi alcançado. A Nintendo financiaria o marketing e o desenvolvimento... desde que o nome deles não estivesse em lugar nenhum perto disso.
As pessoas tinham que entender, sem a menor margem para interpretação, que esta era a loucura da Rare — a Nintendo não queria impressões digitais na cena do crime. Eles não o promoveriam na Nintendo Power, não usariam sua influência no varejo, e com certeza não colocariam o Mario em nenhum lugar no mesmo hemisfério que essa coisa. Se a Rare quisesse se jogar no fogo com essa grande tolice eles teriam que fazer isso sozinhos. E para a frente eles marcharam. Sendo a única vez na era da parceria Rare-Nintendo que a Rare lidou com a distribuição sozinha.
Havia, no entanto, um lado positivo nisso. Como a Nintendo se recusou a ser vista na mesma sala de reuniões que Conker's Bad Fur Day, eles basicamente deixaram o conteúdo intocado. Apenas duas coisas foram cortadas a pedido deles: uma referência a Pokémon, e uma piada com a KKK — esta última sendo, para ser justo, provavelmente seria um pouco demais para o ano 2000.
Então, agora que você ouviu toda a história absurda de como este sonho febril de jogo veio a existir, a pergunta que realmente resta é... era esse horrorshow todo mesmo, ou o ano 2000 apenas exagerou em algo que hoje mal levantaria uma sobrancelha?
Bem, permita-me dizer o seguinte: Conker's Bad Fur Day é um daqueles jogos onde você pode identificar imediatamente quem realmente jogou e quem está apenas repetindo o que ouviu. É como quando as pessoas falam de WILD ARMS como se fosse um tipo de RPG de faroeste — você sabe, com cowboys, bolas de feno e tiroteios — quando qualquer um que realmente jogou sabe que a vibe "western" termina após o tema de abertura e a primeira cidade. Depois disso, é apenas outro JRPG de fantasia com mais espadas do que revólveres. Conker funciona da mesma maneira.
Se alguém disser que o jogo era "chocante" e imediatamente mencionar o girassol com os magumbos gigantes — você pode ter certeza de que essa pessoa não jogou o jogo. Porque aquela cena é material de desenho animado de sábado de manhã comparado ao resto. As coisas reais? O verdadeiro Conker's Bad Fur Day? É muito, muito pior — lindamente, hilariamente, impiedosamente pior que isso.
Digamos que Conker's Bad Fur Day é o tipo de jogo que poderia fazer até os episódios mais obscenos de South Park pedirem educadamente para ele pegar mais leve. Estou falando de um jogo onde um NPC é casualmente convencido a se enforcar (e o faz), onde você esmaga uma criatura recém-nascida sob uma prensa gigante, onde você avança — não, nada — em um rio de diarreia como se fosse apenas outra terça-feira no escritório. E isso nem é o pico. Ah, não.
Este também é o mesmo jogo que apresenta a paródia mais chocantemente brutal do desembarque da Normandia já renderizada em um console da Nintendo. Imagine: Conker, o pequeno e fofo esquilo vermelho, invadindo uma praia sob fogo pesado enquanto seus amigos — animais de desenho animado, lembre-se — são desmembrados por balas, explodidos em pedaços e deixados gritando em desespero na areia com seus membros decepados enquanto os Teddiz (sim, ursos de pelúcia com tema de nazistas, porque claro) despejam fogo de artilharia. É grotesco, é absurdo, e é uma cena espetacular. Então sim, quando alguém menciona aquele infame girassol com os seios saltitantes, eu não consigo evitar de rolar os olhos. Essa é a menor das suas preocupações aqui. Isso é tolice nível quinta série comparado ao resto deste carnaval.
Conker's Bad Fur Day é violento de uma forma que faz SOLDIER OF FORTUNE parecer domesticado. É o tipo de jogo que faz Mortal Kombat olhar e dizer: "lol, é, a gente não vai a esse nível não. Nunca." A ultraviolência é constante, cartoonizada e impiedosa — seguida de perto pelo humor de banheiro, que nunca fica muito para trás. Mas eis a parte importante: eu não realmente acho que a Rare perdeu a noção do que estava fazendo. Isso não é algum experimento sem cérebro no estilo REN & STIMPY de "até onde podemos ir antes de alguem ser preso". Não. O humor aqui é mais próximo de um esquete do Monty Python sem limite — absurdo, autoconsciente e, acredite ou não, inteligente em como constrói sua própria estupidez.
Tudo em Conker está a serviço da piada. É vulgar, sim, mas também é deliberado. É um humor que sabe exatamente o que está fazendo, e embora a comédia seja sempre subjetiva, eu diria que na maior parte funciona. Tomemos, por exemplo, um dos meus momentos favoritos: Conker se infiltra em uma base militar dos Teddiz, e os cientistas ursos de pelúcia estão parados por lá, conversando e fumando exatamente como na missão de infiltração de MEDAL OF HONOR. O diálogo é mais ou menos assim:
Doutor Tediz 1: Realmente, isso é incrível.
Doutor Tediz 2: E se você desse este jogo para, digamos, vinte... pessoas inteligentes. Quero dizer, o que isso faria? Sejamos realistas. O que faria?
Doutor Tediz 1: Realmente, isso é interessante.
(Conker está fora da tela, carregando sua metralhadora)
Doutor Tediz 2: Que porra é essa! É aquele maldito esquilo! Rápido, entre no personagem!
Doutores Tediz 1 & 2: (palavrões em falso-alemão aleatórios e raivosos)
Isso aí é Conker em uma casca de noz — uma loucura total com timing cômico perfeito. Alguns momentos acertam mais que outros, claro, mas no geral, é uma aula de como misturar pastelão, paródia e humor negro em algo que parece igualmente ofensivo e brilhante.
E muito do que faz o humor de Conker's Bad Fur Day realmente funcionar se resume a uma coisa: a dublagem. O jogo inteiro é totalmente dublado — e não apenas algumas cutscenes, mas cada fala. Isso sozinho é impressionante para um título de N64. Na verdade, seria difícil citar cinco jogos de PlayStation com tantas falas dubladas quanto Conker, muito menos outro baseado em cartucho. A mágica de compressão aqui beira a feitiçaria. É um dos poucos jogos de N64 que exigiu um cartucho de 64MB (o mesmo tamanho de RESIDENT EVIL 2), o que já diz o quanto a Rare extraiu daquela caixinha cinza.
[TÁ, MAS... COMPRIMIR TANTO ÁUDIO EM UM CARTUCHO NÃO FAZ A COISA TODA SOAR HORRÍVEL?]
Bem, sim, faria. E faz. Soa áspero. Granulado. Distorcido. Como se alguém estivesse falando através de um walkie-talkie submerso em uísque barato. Mas é aí que o gênio da Rare aparece — eles sabiam que soaria uma porcaria, e eles abraçaram isso. Primeiro, os próprios personagens são animais cartoon, então o som fuzzy e supercomprimido na verdade combina com eles. E segundo, funciona especialmente bem para o próprio Conker. Sua voz não é "rouca" no estilo Solid Snake, da maneira gravelada e foda. Não — Conker soa como se estivesse bebendo desde a terça-feira passada e estivesse a um barulho alto de vomitar em seus próprios sapatos. A compressão de áudio só torna sua voz de ressaca mais convincente. O design de som se torna parte da piada, parte da atmosfera. Você quase consegue sentir o cheiro de cerveja velha através das caixas de som.
Enquanto falamos sobre as conquistas técnicas de Conker, há algo que vale a pena destacar: este jogo foi construído sobre puro impulso criativo. Assim que a notícia se espalhou pela Rare sobre o que a equipe de Chris Seavor estava fazendo — uma paródia cinematográfica obscena com um esquilo falante e uma pilha de bosta cantora — as pessoas quiseram participar. Desenvolvedores de outras equipes literalmente fizeram fila para contribuir com ideias, piadas, ou até pequenas cenas só porque o conceito todo parecia divertido demais para deixar passar.
Então, enquanto Conker's Bad Fur Day começou como um projeto paralelo do "Time C" — os underdogs, a equipe esquecida — ele rapidamente evoluiu para um playground colaborativo onde algumas das melhores mentes da Rare ajudaram. Você sente isso no produto final: a programação é afiada, a animação é incomumente fluida e a variedade é francamente impressionante. É como se cada departamento na Rare quisesse deixar sua própria impressão digital nele.
Por exemplo, peguemos a paródia de "O Resgate do Soldado Ryan". O sistema de câmera cinematográfica usado nesse capítulo em particular é tão avançado que, de acordo com o próprio Chris Seavor, sozinho exigiu mais trabalho para implementar do que leva para fazer alguns jogos inteiros. Mas isso nunca desencorajou a equipe; se alguma coisa, os encorajou. Conker constantemente se reinventa — em um minuto você está invadindo as praias em uma paródia de guerra, no seguinte você está em um survival horror de zumbis, ou alimentando o Conde Batula com aldeões, ou nadando através de uma paródia de Tubarão. É um metamorfo técnico, um camaleão da paródia.
Mesmo durante a jogabilidade "normal", Conker se recusa a se acomodar. Em vez de dar ao jogador um sistema de inventário tradicional, ele usa placas sensíveis ao contexto — pequenos botões no chão que concedem temporariamente ao Conker qualquer prop absurdo que a situação exigir. Em um momento é uma garrafa de Sonrisal para curar sua ressaca, no seguinte é um par de tijolos para esmagar as bolas de um chefe (e sim, é pra ser entendido literalmente). Este sistema consome mais memória, claro, mas deu aos designers da Rare uma liberdade inigualável. Permitiu que eles realizassem qualquer absurdo ridículo e cartoon que suas mentes febris pudessem sonhar — e é precisamente por isso que o jogo nunca parece estático ou previsível.
Essa estrutura de piada por piada também acabou resolvendo outro grande problema que a Rare enfrentava na época: o level design. Veja, Conker's Bad Fur Day não tem realmente um mundo aberto ou fases do tamanho do Acre com a qual a Rare tinha ficado um pouco confortável demais. Em vez disso, o jogo é construído como uma série de cenas interconectadas — mais como um filme do que uma sandbox. Cada área existe para servir uma piada específica, um set piece, ou uma paródia, o que torna o ritmo mais apertado, o fluxo mais limpo e o jogador muito menos propenso a passar quinze minutos se perguntando: "Ok, para onde caralhas eu devia ir agora?"
É uma troca deliberada, mas que funciona massivamente. Ao abandonar o inchaço dos collecthaton para focar em uma progressão mais estruturada, a Rare pode canalizar toda sua energia criativa para o momento em que você está — a cena, a piada, a mecânica — em vez de encher as coisas com bugigangas intermináveis para caçar.
E acredite em mim, isso foi um grande alívio após seus dois últimos jogos de plataforma 3D. Eu não posso dizer que odeio BANJO-TOOIE ou DONKEY KONG 64, mas sejamos honestos: no final, jogar ambos é meio que estar preso em uma estacionamento com kilometros de extensão e tentar lembrar onde fica a porta que você abriu em outro hemisfério. Conker, por contraste, corta toda essa gordura. É enxuto, focado e sempre avançando.
E é aqui que essa estrutura mais apertada e baseada em cenas realmente começa a brilhar — não apenas no ritmo da jogabilidade, mas na apresentação cinematográfica. Ao abandonar os mundos hub expansivos e focar em cenas específicas e autocontidas, a Rare poderia finalmente controlar a câmera, a iluminação e o enquadramento de cada momento com precisão. Isto não era mais apenas um jogo; era um palco onde cada set piece era projetada para vender um humor, piada ou paródia de gênero específico.
Você tem iluminação de filme noir em uma área, enquadramento de filme de terror em outra, depois uma pastiche de filme de guerra direto de O Resgate do Soldado Ryan — e de alguma forma tudo flui naturalmente porque o jogo não precisa se preocupar com a continuidade do mundo aberto. Cada "episódio" pode se comprometer totalmente com sua estética e tom, até a maneira como a câmera inclina, panoramiza ou segue Conker com ângulos cinematográficos surpreendentemente suaves. A Rare basicamente transformou o Nintendo 64 — um console famoso por neblina, câmeras travadas e distâncias de desenho de quatro quadros — em uma máquina de paródia que zombava e emulava todos os gêneros de Hollywood sob o sol.
Então, sim, as piadas são engraçadas, mas a apresentação é o que me impressionou mais de um ponto de vista tecnico. Não é apenas sobre o que está sendo dito — é sobre como é mostrado. A Rare estava flexionando seus músculos de cinematografia aqui de uma forma que ninguém realmente esperava de um estúdio conhecido por mascotes animais engraçados.
Então, eu poderia argumentar que Conker's Bad Fur Day é o jogo de plataforma 3D melhor projetado que a Rare já fez — talvez até debatível com BANJO-KAZOOIE. Mas mesmo essa comparação parece inútil, porque os dois jogos estão tentando alcançar coisas completamente diferentes. Banjo é sobre exploração, charme e maestria em collectathon; Conker é uma montanha-russa cinematográfica de absurdo. Eles não apenas jogam de forma diferente — eles pensam diferente.
Agora, isso significa que Conker é perfeito? Não exatamente. Há uma coisa que eu gostaria que a Rare tivesse feito diferente. Veja, eu não mudaria o humor — a comédia é subjetiva, e mesmo as piadas que não funcionam para mim podem acertar perfeitamente para outra pessoa. O que eu mudaria, no entanto, é a completa falta de um arco narrativo adequado por trás de todo o caos. A premissa é que Conker ficou bêbado pra caralho na noite passada e agora está tentando chegar em casa, mas essa configuração é rapidamente abandonada em favor de uma série de situações cada vez mais bizarras com pouca linha emocional contínua.
Não é ruim — a aleatoriedade é parte do charme do jogo — mas imagine o quanto mais forte poderia ter sido se aquele declínio na loucura realmente significasse algo. Se a Rare tivesse se apoiado no potencial narrativo da queda de Conker — mostrando seu deslize de bobo com ressaca para anti-herói moralmente falido — a história poderia ter espelhado filmes como Scarface ou mesmo Laranja Mecânica. Eles já provaram que podiam lidar com a narrativa cinematográfica através de direção, iluminação e tom, então por que não dar o próximo passo e dar a Conker um verdadeiro arco de personagem?
Mas não era assim que a Rare operava naquela época. O estúdio era brilhante em criar cenários, mas raramente interessado em worldbuilding ou desenvolvimento de personagens. Se nem em PERFECT DARK eles flertaram com a estrutura narrativa, a maioria de seus jogos era sobre jogabilidade e tom, não arcos de história. Então, não é surpresa que a noite selvagem de Conker de bebida, morte e humor de banheiro nunca encontre seu núcleo emocional — porque a Rare não estava atrás de um.
Isso nos leva àquela cena final — aquela onde Conker finalmente consegue tudo que queria, apenas para perder tudo que realmente importava. É um final incrivelmente eficaz no papel — sombrio, irônico e estranhamente maduro para um jogo que passou as últimas várias horas jogando cocô de vaca, paródias de guerra e mordendo as genitais de homens das cavernas. O único problema é... não significa muito, porque não é a culminação de uma jornada. Apenas acontece.
Não estou dizendo que derrotar uma Rainha Alien logo após uma paródia do assalto a banco de Matrix é um final ruim — longe disso. É bombástico, ridículo e completamente adequado para um jogo que nunca encontrou um gênero que não pudesse parodiar. Mas imagine se aquele momento carregasse um peso real. Se o isolamento final de Conker realmente parecesse uma tragédia em vez de apenas uma piada irônica. Poderia ter sido o pagamento emocional para uma espiral de ganância, egoísmo e má sorte — um final cartoonizado de Scarface para a geração do N64. Em vez disso, é mais uma mudança tonal repentina que funciona plasticamente, mas não narrativamente.
Falando em coisas que poderiam ter sido melhores, Conker's Bad Fur Day também é um jogo surpreendentemente difícil. Alguns segmentos são desafiadores de uma forma divertida e baseada em habilidade — outros parecem simplesmente injustos. A boa notícia é que os checkpoints são generosos, então uma vez que você passa por uma seção frustrante, não terá que repeti-la. O que eu não entendo é o sistema de vidas. Pra que? Quer você perca uma vida ou acabe com todas, você renasce no mesmo checkpoint. A única diferença é que um "Game Over" leva você de volta à tela de seleção de arquivo, o que parece menos como punição e mais como burocracia desnecessária herança da tradição.
Ainda assim, quando tudo está dito e feito, Conker's Bad Fur Day permanece como algo verdadeiramente único. Não apenas por seu humor cru e irreverente — embora isso certamente seja parte de seu charme — mas por causa de sua criatividade implacável nos aspectos tecnicos e de level design. É um jogo que constantemente se reinventa, pulando de gênero em gênero, paródia em paródia, como se estivesse desafiando você a acompanhar. Nem todos os seus experimentos funcionam, mas a pura audácia de tudo isso mantém você assistindo, rindo e se perguntando o que diabos poderia vir a seguir — o que me lembra bastante a energia caótica de EARTHWORM JIM 2, mas em um jogo que não ativamente te odeia.
E é isso que torna Conker's Bad Fur Day tão especial: você pode não amar cada piada, cada sequência, ou cada mudança de jogabilidade — mas é óbvio que os desenvolvedores amaram fazê-las. Esse entusiasmo contagioso transborda pela tela, transformando o que poderia ter sido apenas outra paródia (paródia por paródia, GEX 3: Deep Cover Gecko também tem ) em algo estranhamente cativante. É caótico, autoindulgente e tonalmente confuso — mas também é uma das últimas vezes que um grande estúdio teve permissão para dar um swing criativo selvagem e sem filtros simplesmente porque parecia divertido (um jogo como esse hoje, vindo de um estúdio grande, só se percencesse a uma franquia que possui autorização tonal para se-lo, como SOUTH PARK ou Rick and Morty).
E no fim do dia, Conker's Bad Fur Day é o ato final de desafio da Rare — o dedo do meio do estúdio para a indústria pouco antes do pano cair sobre sua era de ouro. É o momento em que a Rare, uma vez sinônimo de perfeição familiar, decidiu queimar o livro de regras e sair rindo. Não muito depois, a compra da Microsoft dispersaria a equipe, sua ethos de design mudaria em algo inteiramente diferente (se melhor ou pior, isso permanece a ser visto nesse blog no futuro), e o estúdio que uma vez definiu a era do N64 nunca mais seria o mesmo. Conker não foi apenas o último grande jogo da Rare na Nintendo — foi a última vez que o estúdio foi verdadeiramente livre para ser estranho, imprudente e brilhante em seus próprios termos.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMESEdição 118 (Agosto de 1997)
EDIÇÃO 042 (Setembro de 1997)
EDIÇÃO 079 (Março de 2001)



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