Há não muito tempo atrás quando eu escrevi a review de FINAL FANTASY 9, eu aproveitei e transformei a coisa em uma grandiosa e dramática despedida da era do PlayStation 1 — um adeus sincero a um velho amigo que me acompanhou durante meus anos de formação. Eu fiz parecer que aquele era o derradeiro momento, o canto do cisne de uma geração... mas o fiz ciente que isso não era inteiramente verdade. Então por quê eu fiz mesmo sabendo disso? Bem, porque sou uma diva dramática, é por isso.
Mas meu ponto aqui é que eu sabia que aquela declaração vinha com alguns asteriscos. Tem alguns títulos da reta final do PS1 que eu guardava com carinho desde criança, jogos que saíram bem no limite do ciclo de vida do console, quando a sombra do PS2 já eclipsava todo o cenário dos videogames como um fodendo inverno nuclear. Alguns deles eu revi recentemente nesse blog — e digamos que a regra dos quinze anos é mais real do que as pessoas dão o crédito.
DRIVER 2: The Wheelman is Back, por exemplo. Eu adorava esse jogo na época, mas quando o joguei de novo adulto, percebi… que talvez eu goste mais do primeiro DRIVER: You Are the Wheelman. O mesmo vale para FEAR EFFECT 2: Retro Helix. Eu lembrava dele como uma aventura noir cyberpunk misteriosa e ousada, cheia de atitude e subtexto lésbico — mas rejogando achei mais uma continuação vazia, com os desenvolvedores já tendo gasto tudo que tinham pra dizer no primeiro FEAR EFFECT. Por outro lado, DINO CRISIS 2? Ah, esse não só é tão divertido como eu lembrada, como eu até achei melhor agora: agora como um adulto que sabe ler inglês eu posso apreciar o jogo em um nível totalmente diferente, já que o seu plot é o puro suco da tolice e isso é maravilhoso.
Então, porque estou falando tudo isso? Porque o jogo de hoje é um desses jogos de "asterisco" — um título que eu considerava uma joia escondida do crepúsculo do PS1. Um jogo que fez o cérebro do meu eu adolescente pensar: "Isso é profundo, cara", mesmo que eu mal entendesse metade do que estava acontecendo na tela.
E agora a pergunta é: o meu eu de 14 anos estava certo o tempo todo, ou eu era apenas um adolescente que não tinha noção do que estava fazendo, cheio de hormonios e anime ruim? Bem, hoje teremos o veredito — dado por um boomer sem noção na casa dos quarenta que ainda não faz ideia do que está fazendo.
Então — Galerianos.
A primeira coisa que você precisa saber sobre este título de PlayStation de 1999 (que, para ser justo, não chega a ser tão late game no ciclo de vida do console — embora, quando a versão americana chegou às nossas praias, o PS2 já estivesse vivo) é que seu conceito pode ser um dos maiores já concebidos para um videogame. Falo sério. Possivelmente o maior. E que conceito é esse, você pergunta?
Galerians é um survival horror psíquico.
[BEM, ISSO PARECE ÓTIMO, MAS ISSO JÁ NÃO EXISTIA? TÍNHAMOS UM SURVIVAL HORROR PSICOLÓGICO EM 1999, QUER DIZER, SILENT HILL JÁ TINHA SIDO LANÇADO, CARA]
Psíquico, Jorge. Psíquico. Não psicológico. Não estamos falando de metáforas para trauma ou a dor do luto — não, não, não. Estamos falando de poderes mentais de verdade. Dores de cabeça tão violentas que fazem crânios das pessoas estourarem como um melão maduro. Surtos telecinéticos que transformam salas em instalações artísticas de sangue.
Porque, sim, Galerians é um survival horror profundamente enraizado em Akira — especialmente aquela parte no hospital onde Tetsuo começa a perder o controle de seus poderes e simplesmente sploocha (sim, essa é a única palavra apropriada) qualquer um azarado o suficiente para estar dentro de um raio de vinte metros.
Quer dizer...
Basicamente, Galerians é a versão "Resident Evil-ificada" de Akira, e eu o desafio a conceber um conceito mais brilhante para um videogame. Vá em frente, eu espero. Você pode brainstormar o quanto quiser, mas no fundo você já sabe que vai falhar — porque simplesmente não existe um.
Olha, eu vou ser honesto — eu sou muito tendencioso quando se trata desse tipo de coisa. Sempre fui fascinado por histórias sobre colapsos psíquicos e cabeças explodindo. Se me derem a escolha, sempre vou fazer o personagem de RPG de mesa que é o cara quieto no canto com o nariz sangrando e segurando a cabeça enquanto seu cérebro faz a realidade se dobrar sobre si mesma. Isso, para mim, isso é o ápice do maneiro.
Então imagine meu deleite quando Galerians começa exatamente assim. Nosso protagonista amnésico acorda preso a uma cama, sendo estudado como uma cobaia, enquanto uma equipe de cientistas discute calmamente sua condição — até que um deles entra em pânico: "Ah, fuck, o efeito das drogas estão passando!" E, assim, tudo vai para o inferno. Você se solta das amarras, sua cabeça latejando, sangue escorrendo do seu nariz, e a primeira coisa que você faz é aniquilar todos na sala com a pura força da sua enxaqueca.
Isso é ouro puro.
Essa é a essência de Galerians: a beleza de um colapso psíquico transformado em fantasia de poder. O loop de gameplay existe principalmente para te alimentar essa sensação — para fazer você se sentir a arma humana instável que você sempre soube que poderia ser. É Akira destilado em um formato de survival horror, e Galerians abraça completamente essa identidade.
Se você já assistiu Elfen Lied — e antes que você se encolha em posição fetal lembrando quão brega e horrivelmente escrito esse anime é —, você provavelmente se lembra da cena em que Lucy escapa do laboratório, dilacerando cientistas e guardas de segurança em uma fonte de carnificina telecinética. Se você já pensou: "Cara, eu queria poder fazer isso em um jogo", então parabéns, meu amigo mentalmente amplificado: seu sonho tem um nome. É Galerians.
Bem, em Galerians, você tem três barras no seu HUD: HP, AP e a droga atualmente equipada. A primeira é óbvia — é um videogame, você tem uma barra de vida, dã. A última também é bastante direta: é basicamente sua munição, seu medidor de combustível psíquico — quanta energia telecinética nosso garoto Rion ainda tem no tanque (e sim, quero dizer isso literalmente).
Você começa com duas drogas principais: Nalcon, que lhe dá o empurrão telecinético padrão, e Red, a habilidade pirocinética testada e comprovada que permite você flambar tudo à vista. É o Psíquismo 101, o combo básico de "empurrar e queimar". Mais tarde, você desbloqueia uma nova droga (e, portanto, novo poder), mas essas duas formam a base durante a maior parte do jogo.
Agora, a barra do meio — o medidor de AP — é onde as coisas ficam interessantes. Ele mede o quanto sua frágil mente psíquica pode aguentar antes de arrebentar como um cabo de fone de ouvido barato. A barra de AP enche o tempo todo, não importa o que você faça. Não importa se você está andando, lutando, ou apenas olhando para uma parede questionando suas escolhas de vida — essa barra continua subindo.
Quando finalmente atinge o máximo, o próximo ataque faz Rion entrar no modo full Mob Psycho 100. Ele perde o controle completamente, gritando de dor de cabeça enquanto sua energia psíquica explode tudo ao seu redor. Cada alma infeliz no alcance — humana, robô ou o que quer que seja— tem seus órgãos e circuitos reorganizados em arte moderna. E por um breve e glorioso momento, você pensa: é isso — este é o sonho que a premissa me prometeu. E sim, é glorioso. Até que a ressaca chega.
Porque uma vez que Rion surta e autowin tudo ao seu redor, ele também fica extremamente lento, e seu HP começa a drenar rapidamente. Você se torna uma bomba ambulante com o fôlego de um peixinho dourado asmático. É o auge do poder — e a espiral autodestrutiva máxima.
Para evitar que você literalmente derreta seu próprio cérebro, você precisa tomar Delmetor, uma droga especial que reseta sua barra de AP de volta para zero. E, como este é um survival horror, Delmetor não cresce exatamente em árvores. Há um suprimento limitado espalhado por cada área, e os inimigos não dropam nenhum. Uma vez que você usou todos, acabou.
[ENTÃO... O QUE VOCÊ ESTÁ DIZENDO É QUE É NA VERDADE UM SURVIVAL HORROR COM LIMITE DE TEMPO?]
Basicamente, sim. Existe apenas uma quantidade limitada de Delmetor no mundo, e se você ficar rateando por muito tempo, eventualmente seu cérebro atingirá seu limite e seus poderes acabarão te destruindo. Normalmente, eu odeio limites de tempo em jogos. Não gosto deles em nada, na verdade. Eles me deixam desconfortável, sendo meio autista eu simplesmente não funciono se não puder fazer as coisas no meu próprio tempo. E, honestamente, eu não lembro de um único jogo que ficou melhor por ter um limite de tempo.
Isso sendo dito... aqui meio que faz sentido. Se há um gênero que funciona melhor fazendo você se sentir ansioso, desesperado e à beira do colapso, é o survival horror. Afinal, o nome é survival HORROR, não survival férias em Acapulco. O relógio mental em contagem regressiva reforça perfeitamente essa sensação do seu cerebro ser uma bomba relógio — a ideia de que sua maior arma é também sua maior ameaça.
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| Como cabe a um survival horror, o inventário de Rion é bem limitado. Essas devem ser pilulas bem grandes... |
E, para ser justo, Galerians não avacalha nisso. O tempo que o sistema de AP te dá não é tão apertado assim, existe Delmetor o suficiente pra você jogar bem, então é menos sobre te punir por perder tempo e mais sobre te fazer sentir ansioso. É pressão psicológica traduzida como mecânica de jogo. E isso, para mim, casa perfeitamente com um survival horror.
Outra coisa que eu genuinamente amo em Galerians é o design de personagens. E não, não é só porque sou o mais hardcore dos fãs de Tetsuya Nomura e acredito firmemente que todo ser humano deveria, por lei, usar um choker, três cintos de couro e pelo menos cinco zíperes. ...Ok, talvez isso seja parte da resposta. Mas esse não é o meu ponto aqui.
O que realmente me prende é a maneira como os personagens são desenhados. Há algo levemente estranho neles — especialmente os olhos. Eles são colocados em ângulos sutilmente estranhos, não o suficiente para os personagens parecerem desumanos, mas apenas o suficiente para dar aquela sensação de vale da estranheza de que algo não está certo. É o tipo de desconforto que vc não pode colocar o dedo que aquilo está errado, mas a sensação geral vai se infiltrando em você.
E isso, claro, é intencional. O estilo de arte me lembra um pouco Gachiakuta, onde o objetivo do design é ser deliberadamente incomodo, já que o tema da obra é subversão.
Hã... então... sobre isso...
Como eu posso colocar delicadamente? Digamos apenas que há uma coisa que realmente me incomoda em Galerians — e não é pequena. É o tipo de problema que corrói silenciosamente toda a experiência por dentro. Simplificando: Galerians parece barato.
E não "barato" no sentido das limitações do PlayStation 1 — não, isso é mais profundo. Você pode sentir a falta de orçamento irradiando através de cada aspecto do jogo. É o tipo de projeto onde você quase consegue sentir os desenvolvedores olhando nervosamente para sua conta bancária enquanto renderizam o próximo corredor. E, infelizmente, essa escassez transborda para a experiência do jogador um pouco mais do que deveria.
[ESPERA, AGORA VOCÊ ESTÁ REALMENTE DIMINUINDO O JOGO POR CAUSA DE GRÁFICOS? UAU, A QUALIDADE DESSE BLOG NÃO PARA DE CAIR...]
Ah, não — não é isso que eu quero dizer. Visualmente, Galerians na verdade é surpreendentemente bom. Os fundos pré-renderizados parecem ótimos, transbordando aquele charme de distopia sci-fi do final dos anos 90. Os modelos dos personagens estão entre os melhores que você encontrará para um lançamento de 1999, detalhados e expressivos o suficiente para vender o melodrama do jogo. Claramente, foi para aí que a maior parte do dinheiro foi — e, para o crédito deles, isso dá pra notar.
Quando digo que Galerians parece barato, não estou falando da sua aparência. Estou falando da sensação que ele passa. Tem uma espécie de vazio estéril na experiência que vai além da atmosfera. Claro, o mundo deveria ser seco e clínico — é uma instalação de pesquisa distópica, afinal —, mas isso não é um "vazio intencional" em prol do tom. É o tipo de vazio mais para "Nós não tivemos tempo para terminar isso".
Pegue os diálogos, por exemplo. Não é que eles sejam idiotas — até porque, sejamos honestos, era final dos anos 90, então o padrão para "estúpido" em um videogame não era exatamente alto. É mais que eles são... ásperos. Funcionais. Mecânicos. Cada fala existe puramente para entregar uma informação e imediatamente sair de cena. Não há ritmo, não há construção, não há senso de tom — apenas o clique seco da exposição.
Você poderia argumentar que essa abordagem simplificada foi uma escolha estilística intencional — um tom frio e clínico para combinar com o cenário sci-fi estéril. Mas para mim, não parece deliberado; parece inacabado. Parece menos um roteiro revisado e mais um primeiro rascunho que ninguém nunca se deu ao trabalho de reescrever. Porque reescrever leva tempo. Tempo custa dinheiro. E dinheiro é algo que pequenos desenvolvedores com editoras igualmente pequenas não têm o luxo de gastar.
Quer dizer, qualé — estamos falando da Polygon Magic aqui. Esses são os mesmos caras que, em um surto de inspiração batizaram seu jogo de luta de VS.. Só isso. Apenas "VS.". Quando eu fiz a review daquele jogo eu brinquei que se eles fizessem um jogo de tiro em primeira pessoa, provavelmente o chamariam de "Tiroteio", e se fizessem um jogo de ritmo, seria "Movimentos". Palavras, ao que parece, não são exatamente o forte deles.
E isso é uma verdadeira pena, porque por baixo do diálogo desengonçado e do roteiro utilitário, há uma história realmente interessante a ser contada. Há questões genuinamente instigantes — o que exatamente são os Galerians? O que aconteceu com a família de Rion? Por que uma cobaia usa um choker puramente estético? (Para constar, o jogo nunca te responde essa.)
Mas em vez de explorar esses mistérios com intriga ou tensão emocional, a narrativa simplesmente te entrega informações como um memorando corporativo. Tudo é entregue da maneira mais seca e burocrática imaginável. Você não sente que está desvendando um mistério sci-fi moralmente complexo; você sente que está lendo um comunicado de imprensa escrito por alguém que queria ir para casa mais cedo.
Mas ok, uma escrita rica pode elevar um jogo a algo maior, mas geralmente não quebra a experiência. O que realmente dói aqui é que a mesma aridez — aquela sensação constante de "isso não parece pronto para ser lançado" — transborda para o level design. E agora temos um problema.
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| Apertando O, Rion usa psicometria para te dar dicas de onde conseguir os itens. É uma ideia interessante, mas não é tão utilizada assim no jogo |
Os mapas em Galerians começam simples o suficiente. Os dois primeiros — o laboratório e a casa do Rion — são puro survival horror 101. Nada especial, mas funcionais. Eles existem. São o tipo de fases que você descreve como "uma das fases de jogo já feitas". Mas depois disso (provavelmente quando o tempo ou o dinheiro começaram a acabar), a segunda metade do jogo desmorona.
O hotel, por exemplo, é apenas uma tediosa cadeia de missões de busca. Você precisa falar com o cara do Quarto 206, mas para isso tem que falar com o cara do Quarto 304, que te manda para a garota do Quarto 208... e assim por diante, pelo que parece um quarto de todo o tempo de jogo. Não é difícil — é apenas chato. Com exceção da sequencia de bater na porta do quarto, aquilo sim é dificil pra caceta quando totalmente não devia ser.
E então vem o cenário final, a Torre Cogumelo — um conjunto de teleportadores e salas vazias coladas juntas de um jeito descaradamente apressado que praticamente grita na sua cara: "Nosso tempo acabou! Foi o que deu pra fazer!". Então, metade do level design é okayish, ainda que dolorosamente básico, e a outra metade parece mal saída da beta — a torre mal se qualifica como alfa.
Eu entendo. Juro para vocês, eu entendo. Este jogo foi desenvolvido pela Polygon Magic e publicado pela ASCII no Japão, e pela Crave nos EUA. Você sabe quem eram esses caras? Claro que não. Mas posso te dizer isso — eles não estavam exatamente nadando em dinheiro. Então sim, Galerians parece apressado porque provavelmente foi. Não por incompetência, mas por pura falta de bufunfa. Mas entender não torna o jogo melhor. Posso compreender porque os problemas existem, mas isso não os faz desaparecer.
No final, Galerians é mais lembrado pelo que queria ser do que pelo que realmente é. Existe uma razão pela qual todos que o chamam de "joia escondida" ou "clássico injustamente esquecido" convenientemente só falam da seção do laboratório.
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| O 1/4 final do jogo é essencialmente essa tela repetida várias vezes pra dizer que te teleporta pra lugares diferentes dentro da Torre |
E olha, eu — mais do que qualquer um — adoraria viver em um mundo onde essas ideias fossem totalmente realizadas, onde Galerians se tornasse a obra-prima que merecia ser. Porque eu amo o conceito por trás dele. É um jogo que eu realmente queria amar. Infelizmente, esse mundo não é o que habitamos.
Bem... ainda há uma última chance. Existe uma sequência no PS2. Talvez desta vez... embora, honestamente, eu não seguraria meu folego para Galerians: Ash. Digamos que o fato que ninguem remotamente considerar um Galerians 3 me dá um mal pressentimento sobre ele.




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