sábado, 8 de novembro de 2025

[#1589][Jan/2001] ONI

A review de hoje é sobre um dos jogos mais importantes de todos os tempos e—

[PERA, PERA, EU ESTOU DIZENDO NESSE EXATO MOMENTO QUE ISSO É BESTEIRA! EU NUNCA OUVI FALAR DESSE JOGO, E APOSTO UMA GRANA QUE VOCÊ TAMBÉM NÃO!]

É… e você não estaria errado.

Antes de olhar a Super Game Power para saber o que eu jogaria a seguir, eu jamais tinha parado dois segundos para pensar sobre esse jogo. As poucas vezes que ouvi alguém mencionar Oni para o PS2, eu sinceramente achava que estavam falando de Onimusha. E quer saber? Se você jogar “PS2 Oni” no Google, vai ver que eu não estou sozinho nessa ideia.

Então não, eu não era exatamente o fundador do fã-clube de Oni — até porque eu nem sabia que existia um (spoiler: provavelmente não existe). Mas eu joguei, pesquisei a respeito da sua conturbada produção, e no fim disso tudo acabei descobrindo algo genuinamente interessante. Porque é disso que se trata este blog — não apenas dar um resumo do jogo e sim descobrir os cantos estranhos e esquecidos da história dos games e contar a história real por trás dos bits e bytes. E foi assim que eu conheci Oni: um jogo que você provavelmente também não conhece… mas ao qual a indústria deve surpreendentemente muito.

Quando você é um pequeno desenvolvedor, isso geralmente significa uma coisa — você não tem dinheiro. Sim, eu sou o mestre dos conceitos complexos, eu sei. Claro, existem exceções, como a Team Cherry — um punhado de australianos que, de alguma forma, conseguiram passar sete anos polindo Silksong até transformá-lo no equivalente gaming a um unicórnio mágico. Mas isso é a exceção. A maioria dos pequenos estúdios por aí está apenas tentando vender o almoço para pagar a janta.

E suponho que não é dificil imaginar que cada um deles preferia não estar nessa situação. O problema é: como você sai dela? Se houvesse uma resposta fácil, estaríamos nadando em estúdios indie prósperos, em vez de vê-los surgir e morrer como pequenas moscas da fruta todo ano. Peguemos, por exemplo, uma pequena equipe de Chicago que se via exatamente nessa situação. Um grupo de desenvolvedores ambiciosos trabalhando sob condições financeiras precárias — e em Chicago ainda por cima, quase na fronteira com o Canada onde o inverno em si parece que Deus arregaçou as mangas e decidiu que a jiripoca ia piar. A situação deles não era das melhores e só não estava pior pq ao menos eles tinham algum sucesso fazendo jogos para Mac. Não exatamente um mercado bombando, mas pelo menos lá a concorrencia era escassa o suficiente para eles viverem a base de miojo.


Ainda assim, isso não era o suficiente. A renda era modesta, os recursos eram escassos, e o sonho da estabilidade estava tão distante quanto o sol numa nevasca de Chicago. Então, o que eles poderiam fazer? Continuar fazendo os mesmos joguinhos, cruzar os dedos e torcer para que um deles pegasse virasse um hit milagrosamente antes que o dinheiro acabasse? Como Einstein supostamente disse — e, de acordo com a internet, ele disse tudo —, a definição de insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes. Então, claramente, eles precisavam de outra abordagem. Algo mais ousado, mais inteligente… talvez até desesperado. E é aí que a história de Oni realmente começa.

Uma maneira de chamar atenção — de preferência do público, mas chamar o olhar de uma grande publicadora pagaria muito mais contas — é fazer um jogo incrível, épico, colossal. Sabe, aquele tipo que faz a Capcom e a Nintendo apertarem suas carteiras com preocupação. O problema, é claro, é que esse tipo de jogo custa uma fortuna. E você já precisa fazer esse jogo justamente pq está desesperado por dinheiro, então obviamente que a conta não fecha. Então sim, um blockbuster AAA completo está fora de cogitação. Mas só porque você não tem grana para fazer um jogo AAA completo não significa que não pode fazer uma parte de um. Um único aspecto — uma prova de conceito que grite: "Olha o que a gente consegue fazer! Agora nos dê dinheiro para a gente fazer mais!" Pense nisso como um business card na forma de jogo.

Hoje em dia, essa abordagem é até comum, especialmente na era do financiamento coletivo. No Kickstarter, vários devs pedem grana para os fãs não para fazer o jogo todo, mas para criar protótipos jogáveis na esperança de mostrar isso para uma publisher e aí sim arrecadar grana para fazer o jogo inteiro. Psychonauts 2 — sim, aquele que foi indicado no The Game Awards e é um pouta de um jogaço— nasceu exatamente assim.


Mas lá no ano 2000, isso não era exatamente uma prática padrão. E os nossos bravos… Chicaguenses? Chicagados? Chicangos? Chimichangas? (Desisto.)… estavam bem à frente do seu tempo. A decisão deles foi uma mistura de ousadia inovadora e pura necessidade de alguém que tinham que reutilizar a água dos ovos cozidos para passar café. Tempos dificeis dão origens a pessoas fortes, diz o ditado (esse não foi Einstein que disse, eu acho).

E essa, meus amigos, é a essência por trás de Oni: um jogo que focou em uma única coisa, investiu cada gota de esforço nela, e esperou que isso fosse o suficiente para fazer alguém com bolsos fundos finalmente notar. Então, qual foi a coisa que os nossos amigos financeiramente prejudicados decidiram focar? O combate corpo a corpo.

[CORPO A CORPO? SÉRIO? EXISTE UM MILHÃO DE JOGOS QUE JÁ FAZEM ISSO!]

Sim, Jorge, existem. E você sabe o que todos esses milhares de jogos têm em comum? Eles são basicamente iguais. Você aperta um botão, você soca (ou chuta, ou balança a espada). Se os devs estão se sentindo ousados, eles botam um ataque fraco e forte mapeados em botões separados — o que, diga-se de pasagem, é uma coisa que até títulos picas das galaxias hoje em dia ainda fazem, como The Witcher 3. A verdade é que fora dos jogos de luta, muito poucos desenvolvedores se deram ao trabalho de transformar o combate corpo a corpo em algo complexo — algo com profundidade, ritmo e tomada de decisão tática. E é aí que Oni chuta o pau da barraca.


Veja, Oni não se apoia no típico sistema de ataque forte/fraco. Em vez disso, ele usa um sistema notavelmente intricado, baseado em contexto, que lê seu movimento, posicionamento e até o estado do seu oponente para determinar o que acontece a seguir. Você pode socar e chutar em quatro direções, te dando oito ataques básicos possíveis logo de cara, mas isso é só o começo.

A partir daí, só fica mais nuanceado: se mover ou ficar parado afeta o tipo de golpe que sai. Atacar por trás produz resultados diferentes do que atacar pela lateral, se seu inimigo está armado ou não muda o desenrolar do confronto e assim vai conforme várias outras pequenas coisas. O sistema constantemente interpreta sua intenção, e o resultado parece fluido — quase cinemático. Enfrentar três inimigos de uma vez, desarmá-los no meio do combate, girar para pegar a pistola que caiu e usa-la contra eles próprios — é cinema absoluto.

Isto é, sem exagero, o mais perto que eu já estive de jogar John Wick em um videogame. Oni te transforma em uma máquina de Combate Corpo a Corpo bem lubrificada, cada movimento deliberado, cada ação precisa. Para um jogo do ano 2000 — e um feito com o orçamento de um café pingado —, isso é nada menos que de cair o queixo.


O paralelo moderno mais próximo que consigo pensar é Sifu — um jogo projetado inteiramente para fazer você se sentir num filme de kung fu, e que na maior parte consegue. Mas essa é a coisa: mais de vinte anos antes, Oni já estava perseguindo o mesmo sonho. E, honestamente, eu diria que Oni é mais ambicioso. Claro, não joga tão suave ou é tão polido quanto Sifu, mas oferecia uma gama mais ampla de possibilidades em como o combate poderia fluir — uma mistura fluida de artes marciais e acrobacias que poucos jogos sequer tentaram replicar desde então. Então sim, a equipe investiu absolutamente tudo que tinham no sistema de combate… e o resultado é genuinamente ótimo. É cinético, estiloso e cheio de potencial. Você sente a paixão em cada chute e arremesso.

Mas — e sempre tem um "mas", né? — quando você coloca toda a sua alma em uma coisa, isso geralmente significa que todo o resto fica, bem, sem nada. É meio que o que "TUDO" significa, sabe? E foi exatamente o que aconteceu aqui. Isso quer dizer que o resto do jogo varia de "ok, isso tecnicamente existe" a "talvez, só talvez, eles devessem ter diminuído um pouco a obsessão por kung fu por cinco minutos para se lembrarem de que design de níveis, inteligência artificial e enredos também existem".

Peguemos as armas de fogo, por exemplo. Tecnicamente, sim, ele existe no jogo. Mas, na prática... bem, na prática a teoria é outra. Pra começar, a munição em Oni parece ser feita de material de estrela de nêutrons pura — é tão absurdamente rara que você pensaria que ela pesa uma tonelada. Ou isso, ou em 2032 (ano que o jogo se passa), os bolsos foram declarados ilegais. Seja qual for o motivo, ninguém carrega mais do que um único pente de munição — se é que se dão ao trabalho de carregar algum. E nossa heroína aparentemente tem alergia ao conceito de arsenal, pq ela só consegue carregar uma arma de cada vez (apesar da capa do jogo mostrar ela justamente como um exército de uma ciborgue só)


Isso significa que as armas de fogo em Oni são menos uma ferramenta de gameplay constante e mais algo que vc usa ocasionalmnte para dar um hit ou dois. Você desarma um inimigo, usa a arma dele para eliminar ele e talvez um outro, e depois joga a arma vazia fora antes de voltar a socar pessoas. É menos Rambo e mais John Wick ficando sem balas depois da primeira cena. Tá, eu entendo o motivo — eles não queriam que os tiros roubassem a atenção do combate corpo a corpo, que é claramente o ponto forte do jogo. Mas não posso dizer que o resultado final fique mais emocionante por conta do meu entendimento.

Mas se o sistema de tiros esta "tecnicamente no jogo", o level design é de alguma forma um degrau abaixo disso. E isso é dizer muita coisa. Estamos falando de áreas enormes e vazias — o tipo de espaço que te faz pensar se metade das texturas não carregou ou se os desenvolvedores imaginaram que o futuro seria formado majoritariamente por corredores corporativos infinitos e armazém de depósito.

Tem um radar que te diz para onde ir, e… bem, é isso. Esse é o alcance total da filosofia de design aqui. Não me entenda mal — eu agradeço por não ter que ficar horas preso no clássico "onde diabos eu tenho que ir agora?" que amaldiçoava tantos jogos da época, mas isso mal pode ser chamado de level design. É um passo acima do "Galpão Vazio Simulator 2000", e isso sendo generoso. Esses cenários parecem menos como espaços projetados de fase e mais como arenas placeholder que alguém esqueceu de substituir antes do jogo ser lançado.

Aquele indicador mexendo no canto inferior esquerdo é a bussola do próximo lugar que vc tem que ir, e um bastante eficiente em te guiar

E falando em coisas que tecnicamente existem, vamos falar sobre a história e a atmosfera — ou como eu gosto de chamar, "Ghost in the Shell: No Limiar do Processinho". Dizer que Oni é "baseado" em Ghost in the Shell é um dos maiores eufemismos ever, está mais para que Masamune Shirow provavalmente lhes entregou pessoalmente uma ordem de cessar e desistir. Você tem as cityscapes cyberpunk, a agente feminina estoica de cabelo roxo numa organização policial high-tech, as conspirações, as sugestões existenciais sobre identidade e humanidade num futuro digitalizado… todos os ingredientes certos. O problema é que ele replica a estética, e não a alma (em uma concha).

Não existe um senso real de vida neste mundo. A arquitetura estéril, os corredores infinitos e os pano de fundo corporativo genéricos fazem a suposta ambientação futurista parecer mais com um complexo de escritórios depois do horário do que com uma distopia banhada em néon. A atmosfera quer gritar "cyberpunk noir", mas mal consegue um sussurro educado de "aprendemos a mexer nas ferramentas da engine, yay!".

E nossa heroína, Konoko — a prima de liquidação da Motoko de Ghost in the Shell — faz o possível para vender o arquétipo da "policial cibernética com um passado misterioso", mas a história lhe dá pouco com o que trabalhar. Você quase sente os desenvolvedores tentando construir profundidade emocional entre as sessões de socos e chutes, mas o resultado fica mais para "anime de sábado de manhã com sérias restrições orçamentárias".


Não é que a narrativa do jogo seja ruim, exatamente — é que parece uma imitação feita de memória. Dá para perceber o que eles queriam fazer: uma versão ocidental de Ghost in the Shell, misturada com um pouco de The Matrix e uma pitada de estilo anime. Mas entre o orçamento limitado, as restrições do hardware e o foco da equipe no combate corpo a corpo, o que saiu foi mais um "tá, eu meio que acho que entendi o que vcs queriam fazer" do que uma construção de mundo de fato.

Então, quando eu digo que Oni é uma prova de conceito — uma demo glorificada de "olha o que a gente consegue fazer, agora nos dê grana para fazer mais" —, eu estou sendo bem literal. O combate corpo a corpo era a vitrine, e todo o resto era basicamente placeholder. Mas sabe de uma coisa? Funcionou exatamente como eles esperavam.

Enquanto essa equipezinha de Chicago batia de porta em porta tentando vender seu portfólio, uma grande publicadora finalmente notou. Eles olharam para Oni, coçaram o queixo e disseram: "Hmm… tá, essa turma tem potencial." Porque sim, no meu mundo grandes executivos falam como dublagem de desenho animado dos anos 80. Mas meu ponto é que assim, simplesmente, o destino jogou para eles a maior osso da história dos videogames. A equipe foi contratada, agraciada com mais dinheiro do que jamais sonharam e criaram um jogo que mudaria a história dos videogames. 

E eles viveram felizes para sempre — até que não viveram, porque isso é a vida real e fica bem pra sempre — e essa é a história! Fim.

[VOCÊ TÁ DE BRINCADEIRA COM A MINHA CARA?! VAI TERMINAR ASSIM? PELO MENOS CONTA QUEM DIABOS ERAM ESSES CARAS E QUE JOGO MUNDIALMENTE REVOLUCIONÁRIO ELES FIZERAM DEPOIS! E NÃO TENTA ME ENGANAR DIZENDO QUE UM JOGO NASCIDO DE UMA DEMO GLORIFICADA PODE SER TÃO IMPORTANTE ASSIM!]

Ah, Jorge… querido, ingênuo Jorge. Eu costumo, talvez, dramatizar um pouco os fatos mas o que eu disse a respeito disso é realmente tudo verdade. Porque esta é a história de uma pequena equipe de Chicago que se chamava Bungie Software Products Corporation — ou apenas Bungie para os íntimos. E depois de bater em todas as portas que conseguiram encontrar, a que se abriu pertencia a ninguém menos que a todo-poderosa Microsoft.

Na época, a Microsoft se preparava para lançar seu primeiro console — o Xbox original — e eles precisavam de um killer app, algo para provar que não eram só uma "empresa de PC se metendo em consoles". Eles tinham fundos ilimitados, mas sua experiência em games se resumia a coisas como Age of Empires e Flight Simulator — sabe, coisas que não exatamente gritavam "compre um console novo  de uma empresa sem tradição em hardwares só por causa disso!".

Então eles viram o que a Bungie podia fazer, e em algum lugar no fundo dos escritórios da Microsoft, uma decisão foi tomada.

SEAMUS BLACKLEY (pergunta já tirando o talão de cheque do bolso): "Hmm, tá, interessante. Eu vou levar tudo. Quanto custa o pacote completo?"
BUNGIE: "Você quer dizer os direitos de Oni? Bem, vai custar—"
BLACKLEY: "Ha! Gosto do seu senso de humor. Mas nós somos a Microsoft. A gente não trabalha com troco de pinga. Eu quis dizer que vou comprar literalmente tudo — a empresa, as cadeiras, a máquina de café, até as meias que vocês estão usando. Ah, e só pra constar, 'Bungie Software Products Corporation' é um nome muito grande. Vocês são Bungie Studios agora. De nada."

E assim, simplesmente, a história foi reescrita. A Microsoft comprou a Bungie, renomeou a equipe e deu a eles um cheque em branco para fazer algo verdadeiramente revolucionário — algo que anunciaria ao mundo que a Microsoft não estava apenas entrando para participar do negócio de videogames. Elas tinham vindo para ganhar.

E o que a Bungie fez com aquela montanha absurda de dinheiro? Eles foram e criaram um pequeno e discreto jogo de tiro em primeira pessoa que você talvez conheça...

Um pequeno jogo chamado Halo: Combat Evolved.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 155 (Setembro de 2000)


EDIÇÃO 162 (Abril de 2001)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 076 (Julho de 2000)


EDIÇÃO 082 (Janeiro de 2001)