sábado, 6 de fevereiro de 2021

[SNES] AN AMERICAN TAIL: Fievel Goes West (Agosto de 1994)[#629]



Quando nós pensamos na Europa hoje, provavelmente pensamos em um lugar com tradições culturais fortemente estabelecidas porém com leis justas e governos eficientes. Bem, claro que seus habitantes tem reclamações das ações dos seus próprios governantes, mas honestamente o que eles acham "inaceitavel" é algo que aqui a gente chama de "terça-feira".

Porém esse pensamento esta especificamente pensando em uma parte da Europa e para uma parcela da população, o que nós pensamos menos frequentemente é na Europa "menos boa". Também conhecido como o "Leste Europeu". E se hoje esse é cenário dominado por mafias, ditadores e conflitos etnicos completamente absurdos - como por exemplo a Iugoslavia teve uma guerra civil puta sangrenta para se desmanchar em SETE países... um lugar menor que o estado de São Paulo e com a mesma população, porém se dividiu em SETE porque os caras se achavam tão diferentes uns dos outros que não aguentavam conviver.

Se você olhar as estatísticas. a Russia é o país que mais consome dash cams no mundo (aquelas cameras que ficam no painel do carro) porque a corrupção da policia é tão grande e existe tanto golpe (literalmente gente se jogando na frente do seu carro pra te processar e ganhar uma grana) que ter uma camera filmando o tempo todo é OBRIGATÓRIO. ESSE é o leste europeu, senhoras e senhores.



E se HOJE isso não é exatamente o sonho molhado da civilização ocidental, imagine então a exatamente cem anos atrás. Puta merda, que merda heim? Por exemplo, no século XIV houveram diversas revoltas publicas contra os judeus no império Russo por nada senão ódio e preconceito - revoltas nos quais dezenas de judeus foram mortos, linchados... ou coisa pior ainda. A resposta a isso do Czar então foi "meh, esses judeus provavelmente fizeram por merecer, vamos passar umas leis pra botar esses safados na linha". O que impos sérias restrições não apenas em como os judeus podiam se comportar, mas até mesmo no que eles poderiam ter - como casas, por exemplo.

No começo do século XX, esses riots de linchamento e vale tudo (chamados de "pogroms" pelos judeus) já somavam a casa da dezena de milhares de mortos. E, claro, isso não era exclusividade dos judeus - meio que todo mundo tinha uma vida de merda por um motivo ou outro porque é assim que o leste europeu rolava. Não é realmente surpreendente que ninguém tenha derramado uma lágrima quando os palácios russos foram lavados com as tripas da familia imperial - claro que eles teriam se soubessem que o Czar estava sendo apenas substituido por algo pior ainda, mas na época eles não sabiam disso e, honestamente, nem tinham como imaginar que as coisas iriam piorar.


Mas então, meu ponto é que a vida lá não era muito boa realmente. Mas o que essas pessoas haveriam de fazer? Ir embora era uma ideia, mas para onde? Os países do oeste europeus definitivamente eram ricos, mas não take kindly imigrantes - para não dizer que não take at all. Alguns tentaram a sorte na América do Sul (especialmente o interior do Paraná e de São Paulo tem uma grande comunidade eslava), mas isso era um chute no escuro já que não se sabia nada sobre o Brasil e ninguém podia garantir que as coisas não seriam piores ainda.

Bem, havia entretanto uma esperança para essas pessoas que não tinham nada realmente. Um sonho, praticamente: uma terra de oportunidades em que não importava de quem você era filho, de onde você vinha ou qual seu passado. Se você apenas sentasse sua bunda e trabalhasse duro, você poderia chegar lá (a definição do que é "lá" varia muito de pessoa para pessoa, mas você pegou a ideia). Uma terra construída por imigrantes não muito diferente deles próprios, para imigrantes. O glorioso e dourado... sonho americano.


Essa é a origem dessa expressão que todo mundo já ouviu em algum momento da vida, os Estados Unidos seriam um oasis de justiça e oportunidade para aqueles que nunca teriam nada onde estavam. Estivam-se que algo entre 5 milhões de imigrantes deixaram a Europa em direção a América entre o final do século XIX e o começo do século XX, porém esse número é severamente chutado pra baixo porque a imensa maioria dessas imigrações não tinham registro nenhum, é 100% que o número real foi MUITO maior que isso.

Surpreendentemente, este filme de Don Bluth (ex-artista da Disney e mais conhecido dos gamers por ser o artista responsavel por DRAGON'S LAIR) e produzido por Steven Spielberg é justamente sobre isso. Uma familia de ratos do leste europeu perde sua casa em um dos pogroms que eu citei antes e partem em uma jornada arriscada para a maravilhosa e mistica terra de onde cai maná dos céus e emana leite e mel (ou, do ponto de vista de um rato, um lugar sem gatos na mitologia do filme). 

Na viagem de navio, eles encontram outros imigrantes ratos que brevemente contam suas experiencias não menos trágicas no Velho Mundo, como o irlandês que perdeu a amada nos sangrentos conflitos entre católicos e protestantes da Irlanda (não que a religião faça bem em algum lugar que ela toque, mas a situação da Irlanda foi particularmente problemática no século passado) ou o italiano que a máfia matou a mãe dele. Como eu disse, são histórias particularmente pesadas para um filme infantil mesmo que as crianças não saibam que esse tipo de coisa acontecia de verdade.


E como você já pode imaginar de antemão, a realidade que os aguardava no outro lado do Atlantico... não foi tão romantica assim, vamos colocar dessa forma. A família Mousekewitz (como tantos outras familias de imigrantes da vida real) rapidamente descobre que os Estados Unidos não são nenhum lugar mágico de humanidade (ou ratocidade no caso do desenho)... até porque eles deveriam ter tentado o Canada para isso, mas nessa época ninguém sabia disso ainda... porém faz a única coisa que lhes resta fazer: trabalhar duro para transformar aquele lugar num lugar que eles possam chamar de lar.

O que... é um tema bastante único para um longa animado numa época que isso era sinonimo de dizer "infantil". Os pogroms antisemitas de 1880 são uma escolha estranhamente madura para o primeiro ato do filme, que é o que leva a família Mouskewicz para a América. Apenas a título de comparação, no mesmo ano, a Walt Disney Pictures lançou The Great Mouse Detective, uma adaptação adoravel de Sherlock Holmes em que Holmes e Watson são camundongos e Moriarty é uma ratazana. 

PQ SERÁ QUE EU JÁ SABIA QUAIS IMAGENS DESSE FILME TU IA ESCOLHER?

Em contraste, An American Tail detalha uma minoria religiosa escapando de um massacre, seguida por uma adaptação da experiência do imigrante nos distritos de Nova York do começo do século. Acrescente alguns momentos particularmente tensos, assustadores e sombrios durante o filme, e você tem um filme animado bastante diferente do qualquer um poderia esperar.

Então as intenções de An American Tail são as melhores e mais ambiciosas possiveis, mas e a execução? Hããããã... vamos dizer que eu gostaria de ter gostado mais do que eu gostei realmente. Esse filme tem vários problemas pendentes, mas três me vem a cabeça de imediato.



O primeiro, e mais óbvio, é que puta que o pariu como as músicas desse filme são chatas! Não apenas chatas, mas chatas e desafinadas, Okay, o protagonista do filme é uma criança e quem canta outra parte das músicas é a irmã dele que também é criança... mas não acho que a melhor escolha foi botar crianças para cantar realmente. A sensação é que você está assistindo uma peça de escola com crianças desafinadas cantando... uma peça de teatro na qual você foi apenas para ver filhos dos outros.

Mesmo os adultos não é muito melhor realmente, a sensação de estar assistindo o filme tenebroso do Tom e Jerry é muito real, na cena que o Fievel faz o dueto com o gato eu fiquei esperando ver Tom e Jerry cantando que são amigos até o fim em qualquer momento. Super lame.

Achou que eu tava brincando?

O segundo ponto que me incomoda nesse filme é que a proposta de "tentar achar a família em Nova York e ter loucas aventuras" está por toda a parte. Sem mentira, acho que uns 6 subplots são atirados na tela, alguns com pontos bastante válidos (como os políticos se aproveitavam dos imigrantes e foda-se), mas o filme não sabe o que quer fazer com isso. É mais "yeah, isso era uma coisa que acontecia naquela época, já mostrei, move on!".

Eu realmente gosto da ideia de usar a situação dos ratos como metaforas para situações que os imigrantes passavam, mas Jesus H. Cristo dude, vai um pouco mais devagar! Tem um subplot de mão de obra escrava de imigrantes que dura cerca de 45 segundos, a coisa do gato se passando por rato para manipular eles é usada em três cenas: uma estabelece o problema, outra quase meia hora depois apresenta uma complicação e no fim tem uma resolução do problema que você não lembrava mais porque Fievel se mete em tanta coisa que isso não parece realmente importante (ou mesmo faz sentido como um gato de tamanho normal se passa por um mice, mas esse não é o ponto aqui)

E esse é um problema que acaba diminuindo o filme porque ele não tem foco em nada. Você tem uma grande história aqui, tem boas ideias, mas escolha apenas algumas não tente fazer todas ao mesmo tempo pelo amor dos furries felpudos! Tem uma ratinha adoravel que começa um plot sufragista que é esquecido e o papel que ela supostamente deveria fazer como líder é substituída por uma socialite que fala como o Hortelino... pra que, quando você já tinha uma personagem para esse papel?


A terceira coisa que me incomoda nesse filme é o protagonista. Okay, ele é uma criança pequena e eu não acho que é mal interpretado. O problema é que ele é uma criança pequena demais para ser interessante como protagonista, ele nunca diz nada mais complexo que "quero minha mãe" ou alguma variação disso. Você tem esse cenário interessante, uma premissa interessante, mas está amarrado ao ponto de vista do personagem mais desinteressante da coisa toda.

Novamente, não porque ele é mal interpretado mas porque uma criança de 5/6 anos de idade não é o ser humaninho mais divertido do mundo de se ver liderando sua história. Claro que o repertório dele é limitado, ele é uma fucking criança e não uma muito esperta, o que mais se poderia esperar?

Mas enfim, o resultado final de tudo isso foi que "An American Tail" (no Brasil lançado apenas como "Fievel: Um Conto Americano" perdendo o trocadilho com o rabo, mas suponho que não tinha muito o que fazer nesse caso) foi o maior sucesso de bilheteria de uma animação não-Disney até então, fazendo 84 milhões de dolares para um orçamento de apenas 9 milhões. Seja por causa da qualidade da animação, seja pq alguém gostou das músicas (não eu, certamente), seja pela sinceridade do tema, seja porque criança assiste qualquer merda desde que seja colorido e tenha movimento, foi um grande sucesso de público e crítica.


Tanto sucesso, de fato, que a Universal Pictures perguntou quando Don Bluth poderia entregar a continuação para transformar Fievel em uma franquia. Ao que ele simplesmente respondeu: 

- Acho que vocês não entenderam, ou não assistiram o filme. Esse projeto é uma narrativa única e sincera sobre um tema ao qual eu gostaria de abordar enquanto artista, não, enquanto ser humano. Não é algo que se possa produzir em uma linha de montagem, rotular e distribuir sem alma, é um projeto de amor verdadeiro pela animação e tudo que ela pode ser.
- Hmm... então isso é um "mais tarde"?

Bem, nenhuma sensibilidade artistica do mundo jamais ficou no caminho de um estúdio que esta vendo apenas animaizinhos animados cantando e os cifrões que isso representa, então outros filmes de Fievel "tendo altas aventuras muito loucas" foram feitas sem a participação do seu criador mesmo. O que nos leva a esse "Fievel vai para o Oeste!" because, hey, cowboys! Crianças adoram cowboys... eu acho?



O segundo filme tem a profundidade emocional e a pretenção artistitica de um casamento de celebridade, mas a pior coisa que pode ser dita a respeito dele é que... bem, ele não é o primeiro filme. Você discordar do que Don Bluth estava tentando atingir com An American Tail, ou mesmo se ele conseguiu chegar lá, mas ninguém pode negar que ele pelo menos tentou. 

Esse segundo filme não pode ser acusado de tentar alguma coisa que senão ocupar crianças por uma hora e meia por um dinheiro fácil. O que não é necessariamente uma coisa ruim, é bem animado, colorido, e definitivamente as músicas são melhores (não que seja tão dificil assim tb) mas não tem um ponto artistico realmente. Quer dizer, o que essa continuação tem realmente a oferecer que o primeiro não faça melhor?

ESTOU SURPRESO DE VOCÊ NÃO TER MENCIONADO QUE A IRMÃ DO FIEVEL AGORA É ADOLESCENTE...


Oooooooh, eu tinha esquecido dela! Obrigado Jorge, agora eu totalmente entendo o ponto dessa obra-prima do cinema extremamente necessária!

... EU ME ODEIO.

Ah cara, os criadores dessa coisa são homens de cultura tal que esqueceram de preencher a transparencia da celula de animação do vestido da Tanya em uma cena! Abençoados sejam!


PARECE QUE PELO MENOS VOCÊ SERÁ O ÚNICO DEGENERADO A IR PRO INFERNO DOS FURRIES

E aí eu te pergunto, não seria um lugar completamente desprovido de cocotinhas antropomorficas que realmente deveria ser chamado de inferno?

NÃO, CHAMA-SE "MUNDO REAL", VC DEVERIA EXPERIMENTAR UMA HORA DESSAS.

Você apenas reforçou meu ponto, Jorge.

OK, PRA MIM CHEGA. EU DESISTO. TENHO APENAS UMA COISA A DIZER:


Bem, e que filme caça-níquel está realmente completo sem um joguetim para SNES, né verdade?

Lançado em 1994 pela Hudson Soft para o SNES, An American Tail: Fievel Goes West é baseado na continuação que foi lançada em 1991. É estranho ver um jogo de filme ser lançado tanto tempo depois do filme, mas pelo menos isso serviu pra fazer o jogo escapar das garras asquerosas da Ocean, pelo menos isso. E de qualquer forma é meio como a Hudson rola, porque THE BEAUTY AND THE BEAST foi para o cinema na mesma semana que o segundo filme de Fievel e o jogo correspondente para SNES só saiu em 94 tb, vai saber.

A jogabilidade é plataforma incrivelmente simples, mais simples ainda do que THE SMURFS se é possível imaginar uma coisa dessas. Ao menos em THE SMURFS tem alguns níveis que você precisa subir, aqui é tudo inteiramente linear.


Você controla Fievel, que usa uma arma que atira rolhas e é a única arma de todo o jogo. A única variação de gameplay que o jogo tem é que nos primeiros níveis tem um power-up que muda a arma de cortiça para uma arma de água para apagar como plataformas em chamas. Mas depois dessa primeira fase isso não é mais usado o resto do jogo.

Os controles são tão simples quanto todo o resto: B pular e Y atira. Fim. Isso é tudo. A resposta dos pulos é muito alta e quase “flutuante” a ponto de você achar que pode dar qualquer salto... o que normalmente você consegue. Não é um jogo particularmente desafiante nos pulos... nem particularmente nada, na verdade.


Não, minto, ele é particularmente uma coisa sim: visualmente ele é fiel ao filme. Os gráficos são bonitos e as fases acompanham o desenrolar das cenas filme. A parte ruim é que o jogo é baseado em um filme bem esquecível. 

An American Tail: Fievel Goes West é um jogo decente, mas não é um jogo que alguém iria atrás para conseguir jogar ele (exceto por mim, eu suponho). Embora ele tenha um gameplay sólido, mesmo em 94 ele já não era um título particularmente memorável ou alguém daria uma recomendação calorosa.


MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 055


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 008


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 001