sábado, 27 de fevereiro de 2021

[SNES/MD] MICKEY MANIA: The Timeless Adventures of Mickey Mouse (ou "Mickey Wild Adventure" no Playstation)[#640]

 

Durante uma viagem de trem de Los Angeles para Chicago em 1927 (hoje essa viagem dura quase três dias, imagina em 1927), Walter Elias Disney não estava feliz. E quando um dos maiores homens de negócio do século, o homem que não descansaria até comprar o Canadá, a personificação do sonho americano de que se você trabalhar direito você pode, bem, comprar o Canadá não está feliz então é porque coisas vão acontecer.

Veja, naquela época seu Valdisney tinha uma empresa de fundo de quintal - a Walt Disney Company - que havia conseguido aparentemente um bom negócio para ele: fazer animações para a Paramount. A parte boa desse negócio é que Valdisney precisava pagar seus boletos e poder comprar roupas para seus Valdisneys Jrs, então ter um trabalho certamente é melhor que ter nenhum trabalho. Não era isso que estava deixando ele chateado, exatamente, e sim os parametros desse negócio.

Veja, a Walt Disney havia criado uma série de curtas animados sobre um coelho muito louco que aprontava altas confusões, porque é assim que os cartoons rolavam naquela época. Nascia assim Oswald, the Lucky Rabbit!


Sim, ele parece familiar, mas já chegamos lá. O que estava incomodando Valdisney era que a Paramount não apenas ficava com 80% dos lucros do personagem como total controle criativo sobre ele. Se a Paramount quisesse fazer uma série de curtas "Oswald encontra seu herói Hitler", não tinha nada que Walt Disney pudesse fazer. Por isso ele não estava feliz, ele sabia que jamais chegaria a lugar nenhum na vida se não tivesse controle completo do seu personagem tanto criativo quanto financeiro.

Assim, numa viagem de trem enquanto ruminava essas ideias ele rabiscou um rato de cartoon que não era tão diferente assim de Oswald, mas que pelo menos seria dele. Nascia assim... Mortimer Mouse!


Se você nunca ouviu esse nome antes, agradeça a senhora Lilian Disney. Quando seu marido chegou em casa e disse que não apenas tinha decidido largar o contrato com a Paramount para tentar a sorte com o Mortimer Mouse, ela apontou gentilmente que ele estava falando em largar um emprego garantido que sustentava a família com a maior produtora de cinema do mundo para apostar tudo num projeto pessoal e que todo esse risco seria colocado nas costas de um personagem chamado Mortimer?

Falando assim não parecia uma ideia tão boa, de fato. Lilian o convenceu a pelo menos tentar um nome um pouco melhor, tipo Mickey Mouse. E Mickey Mouse ficou. Então Valdisney fez o seu próprio cartoon com o tal do Mickey Mouse e o resto é iate, mansões, mulheres e cem mil dolares, certo?


Embora o ratinho de Walter fosse, de fato, carismático havia um grande problema acontecendo ali: cartoons curtos animados haviam se tornado uma grande moda no cinema e TODO MUNDO tava fazendo isso. O mercado já estava saturado de animais carismáticos aprontando altas confusões, e o seu Valdisney teria que competir com espaço com dezenas de outros Oswalds, the Lucky Rabbits e FELIX THE CAT.

Embora Valdisney pudesse bater de cabeça com esses caras e tentar batalhar seu lugar ao sol, após ter o seu segundo cartoon rejeitado ele chegou a conclusão que provavelmente sua família morreria de fome antes disso dar certo. O que ele precisava era algo diferente, algo que chamasse atenção e o fizesse passar na frente de todos os cartoons clones da época, mas o que?

A resposta estava num cinema perto dele. Veja, até 1927 as pessoas não sabiam muito bem o que fazer com o som no cinema. O que normalmente se fazia era colocar uma música para tocar  ao fundo do começo ao fim e era isso:


Não havia muito o que ser feito de diferente, afinal as cameras da época não tinham capacidade de captar som nem nada do tipo. Exceto que... bem, havia. Um filme chamado "The Jazz Singer" teve uma ideia curiosa: sabe essa trilha sonora que acompanha o filme? Bem, ela não precisa ser necessariamente música instrumental, precisa?

Assim eles tiveram a ideia de gravar uma faixa de audio com dublagens para os personagens, efeitos sonoros e até mesmo músicas cantadas e sincronizarem com as imagens para dar a sensação de que o som havia sido captado junto com as imagens!


Claro que hoje com computadores e editores de som é algo relativamente trivial de fazer, e enquanto nós temos cameras que podem gravar som usualmente o som é captado em uma faixa separada para ter uma qualidade maior, e também porque é fácil editar e encaixar com as imagens. Mas em 1927 sincronizar o som com um rolo de filme não era algo tão trivial assim.

Então não foi com pouco espanto que o mundo viu pela primeira vez um filme dublado de verdade e não apenas com efeitos sonoros de fundo, e "The Jazz Singer" foi um retumbante sucesso na época. A única coisa que completamente eclipsou o sucesso de "The Jazz Singer" foi que Walt Disney assistiu isso e pensou "eita preula, é nóis que voa bruxão!"

Talvez não com essas palavras.

Naquela época o Gato Felix já fazia mais dinheiro em merchandising do que com as bilheterias em si, um modelo de negócios que Disney tomou para si como verdadeiro (e algo que é verdade para a empresa dele até hoje) e por isso era tão importante para ele ter os direitos do personagem


Assim ele teve a ideia de fazer o primeiro desenho animado com imagem sincronizada com o som, usando toda liberdade que só a animação permite para potencializar o efeito. Nascia assim o terceiro desenho animado do Mickey Mouse, e o primeiro verdadeiro e colossal sucesso da Walt Disney Company: Steamboat Willie.

Verdade que deu um trabalho do cão fazer isso e sincronizar com o aúdio, mas você não pode realmente comprar o Canadá sem um bom esforço.


E porque eu estou falando da história do Mickey Mouse aqui?

A ideia da Disney era lançar um jogo comemorativo aos 65 anos do Mickey em 1993, e vendeu a ideia para a Sony - que na época ainda estava aprendendo sobre essa coisa de publicar jogos. A Sony, por sua vez, contratou a Traveller Tales para fazer o jogo, e a TT argumentou para a Disney que não daria tempo de fazer um jogo decente do Mickey para o aniversário em 1993. O que foi um ato de muita coragem, todo mundo sabe o que acontece com quem desafia os desejos da Disney:


A Traveller Tale, que sobreviveu a essa experiencia, hoje é conhecida pela série de jogos de Lego:


Além de ser o primeiro jogo projetado por David Jeffe, que mais tarde viria a ser conhecido por uma série bem pouco... hã... Disney-like, digamos assim...


Mas estou me desviando do assunto. O que a Traveller Tales apresentou para a Disney que os convenceu a aceitar lançar o jogo em 1994, um ano depois? Bem, em primeiro lugar eles lembraram que ninguém queria ter sua imagem associada com um jogo merda feito no desespero só pra lançar no prazo... que é o que as palavras "E.T." evocam até em quem não jogou o jogo do Atari. 

O segundo ponto é que eles tinham de fato uma ideia bastante boa para um jogo: Mickeymania seria não apenas um jogo qualquer de aniversário, mas uma homenagem toda história do Mickey Rato. Uma viagem pela história dele, mais precisamente.

A ideia é a seguinte: cada fase se passa em um desenho iconico do Mickey através dos anos, usando gráficos que remetem aquele cartoon em particular. Assim a primeira fase seria, naturalmente, Steamboat Willie e seria até mesmo em preto e branca.


As fases do jogo são, além do já citado Steamboat Willie de 1928, tem The Mad Doctor de 1933, que até hoje é celebrado como um dos curtas melhor animados da Disney, a quantidade de detalhe e atenção que foi colocada nessa animação é realmente boa até hoje. Não é atoa que foi escolhido como a capa do jogo, mesmo sendo apenas a segunda fase.


A terceira fase é Moose Hunters, de 1937. Embora não seja o primeiro cartoon com o Mickey, Donald e Pateta, com certeza é um dos mais famosos. Eu lembro de ter visto algumas vezes esse desenho nas sessões de desenhos da Disney que passava na programação infantil da Globo para encher linguiça


O outro desenho mais famoso com os três é Lonesome Ghosts, também de 1937. Aparentemente os criadores do jogo não conseguiram escolher apenas um para representar a era Mickey/Pateta/Donald e fizeram uma fase para cada um dos dois. Uma boa decisão.



Mickey and the Beanstalk, de 1947 é a quinta fase e um filme bem importante do Mickey porque foi o primeiro filme de verdade do Mickey, não apenas um curta de 5 minutos para passar entre as sessões. A ideia original do Walt Disney era fazer um filme completo de uma hora e pouco, mas naquela época os recursos da Disney foram conscritos pelo governo americano para fazer propaganda para o esforço de guerra da Segunda Guerra Mundial. 

Assim Mickey e o Pé de Feijão teve apenas meia hora e teve que ser juntado com outro projeto que deveria ser um longa e virou um filme de meia hora. Ainda sim, foi a primeira vez que as pessoas pagaram ingresso para ver exclusivamente um filme do Mickey.


E por última fase o jogo encerra com o último filme estrelado pelo Mickey até aquela época, o Principe e o Mendigo de 1992.


Sabe, a ideia é realmente boa tenho que dizer. Ao invés de apenas transformar o aniversário do Mickey em um caça-níquel rápido como BUGS BUNNY BIRTHDAY BLOWOUT, eles realmente colocaram tempo e dedicão para trazer a história do Mickey Mouse na forma de um jogo.

A ideia é, sem dúvida, nota 10. A execução, entretanto...

Bem, a primeira coisa que tem que ser notada é que esse jogo é realmente bonito. Bonito e bem animado, não devendo em nada para os melhores jogos da quarta geração em termos de animação como DISNEY'S ALADDIN e EARTHWORM JIM. Como esperado de um jogo chancelado (e parcialmente pago) pela Disney.


Com efeito, esse jogo é tão bonito e usa tantos quadros de animação que ele é um dos raros jogos que tem tela de loading no SNES. Loading em cartuchos é extremamente raro e só acontece quando o jogo é incrivelmente mal programado ou quando exige muito do máquina. Ou ambos, embora nesse caso é mais provavel que seu videogame apeans exploda mesmo.

Mas enquanto loadings não são o maior dos seus problemas, a falta de experiencia tanto da TT quando do David Jeffe com criar jogos de plataforma é evidente. Mickey Mania é um jogo incrivelmente simples em que seus comandos são pular e atirar. Não existe grandes piruetas de level design, grandes pirotecnicas na fase, é um jogo basicão do basicão mesmo.


O que não seria ruim, se ao menos isso eles soubesse fazer. Mas não, os controles são mais frouxos que peido em bombacha, a detecção de colisão é bem fraquinha e saber se você acertou o inimigo ou vai tomar dano dele nunca é algo que pode ser previsto.

Isso acaba criando um jogo involuntariamente dificil, que é o pior tipo de jogo dificil. Não é que nem EARTHWORM JIM, por exemplo, que os caras deliberadamente decidiram que iam fazer um jogo que não dá pra jogar e foda-se, e sim pq eles não faziam muita ideia de como fazer o que eles queriam fazer. 

Mickey Mania não é um jogo divertido de se jogar (ou mesmo pouco), mas pelo menos ganha uma estrelinha pela originalidade da ideia. O que é alguma coisa. Provavelmente.

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