[SNES/MD] SPARKSTER: Rocket Knight Adventures 2 (Novembro de 1994)[#641]

Crianços do meu Brasil baronil, hoje é um dia muito especial. Tão especial, de fato, que a única palavra que me ocorre para descreve-lo é "ÊBA!". E eu sou dos que não usa "ÊBA!" levianamente!

VOCÊ ACABOU DE DIZER EBA PORQUE ACHOU O CHINELO EMBAIXO DO SOFÁ E NÃO PRECISOU LEVANTAR PARA PROCURAR!

Meu ponto exatamente. Mas por que eu estou feliz? Porque ROCKET KNIGHT ADVENTURES é um dos meus jogos de plataforma favoritos de todos os tempos, e uma masterclass da Konami ensinando como se faz um jogo desse genero. Quer dizer, RKA é um jogo do mesmo nível que SUPER MARIO WORLD e MEGA MAN X - só que é o único que eu não conhecia até começar esse projeto, de modo que eu posso dizer com 100% de certeza que não tem nenhuma memória afetiva nublando o meu julgamento.

A Konami consegue acertar em simplesmente tudo com esse jogo: o personagem é carismático, o gimmick dele (a coisa de ser um cavaleiro-foguete) é interessante e bem executado, o level design explora ao máximo essa qualidade de formas criativas, o jogo é muito bonito (para um jogo de Mega Drive, cuja paleta tem menos opções de cores que estojo de criança pobre) e mesmo o cenário é muito interessante misturando magia, sci-fi e fantasia medieval.

TENHO QUE ADMITIR VOCÊ REALMENTE GOSTA DESSE JOGO, É UM JOGO DE PLATAFORMA SOBRE RESGATAR PRINCESAS FURRIES E VOCÊ NÃO MENCIONOU ISSO UMA ÚNICA VEZ

São animaizinhos de desenho animado, Jorge seu doente!

Pois bem, RKA é todo todo e não é prosa, então vocês apenas imaginem a minha expectativa ao jogar a continuação nesse jogo em um console de verdade, você sabe, um que não é um Amiga 2.0 como é o caso do Mega Drive? Sim, Sparkster - o segundo jogo de RKA - também saiu para Super Nintendo! Boy oh boy, isso vai ser realmente épico e eu mal posso esperar!

Quer dizer, o que possivelmente poderia dar errado?

UMA HORA DEPOIS

O que... o que diabos aconteceu aqui? Desastre não começa sequer a explicar esse jogo! Quando eu aprendi sobre RKA sempre achei estranho que esse jogo não é mais citado porque ele é um jogo de uma desenvolvedora relevante para a época e um dos melhores jogos de todos os tempos. Agora eu entendo o porque, a versão para Super Nintendo desse jogo é tão hedionda, tão descalabrosa, tão calamitosa que ela apagou todas as referencias a Sparkster da continuidade espaço-tempo.

Tipo sabe quando todo mundo estava totalmente pilhado em Game of Thrones e era uma das maiores coisas da cultura ocidental de todos os tempos e aí tem uma última temporada tão ruim, tão pavorosa, tão terrível que Game of Thrones foi completamente apagado da cultura pop e hoje ninguém mais fala disso? Sparkster no SNES é algo bem nesse sentido.

Mas... o que deu errado e como as coisas puderam dar TÃO errado?

Bem, vamos destrinchar esse acidente de trem e tentar explicar o que aconteceu. Veja, quando a Konami estava trabalhando em Sparkster para o SNES eles se depararam com um problema que a principio parecia irrelevante e que totalmente eles resolveriam em duas semanas. Sempre começa assim.

E esse problema é que RKA foi um jogo desenvolvido para o Mega Drive.

EU SEI QUE FALAR MAL DA SEGA É A SUA RELIGIÃO PESSOAL, MAS NÃO VEJO COMO ISSO É RELEVANTE AGORA.

Dessa vez não é banter no Amiga 2.0 da Sega, foi um problema real que a Konami encontrou: o processador do Mega Drive é mais rápido que o do Super Nintendo. O processador Sega Motorola 68000 do Mega Drive funcionava a 7.67 MHz, enquanto o processador Nintendo's Ricoh 5A22 do SNES funcionava a 3.58 MHz.

Olhando apenas os números dá pra ver que o Mega Drive deveria conseguir processar as coisas ao dobro de velocidade do Super Nintendo. Na prática não chegava a tudo isso porque o SNES era melhor otimizado, melhor construído que o Mega Drive, mas sim, o Mega Drive lidava com coisas rápidas na tela muito melhor que o Super Nintendo.

É por isso que ninguém nunca tentou fazer um "Sonic do SNES", uma ideia que parece bem obvia, porque o hardware do SNES não é bom com esse tipo de coisa. E todos os que tentaram falharam miseravelmente, como ROAD RUNNER'S DEATH VALLEY RALLY (que puta merda, haja jabá no mundo pra esse jogo merda ter levado nota 10 + "The Best of Ação Games").

Tá, mas onde RKA entra nisso? Entra que o defining trait desse jogo é que o seu personagem pode dar bursts de velocidade que interagem com o cenário (Sparkster repica nas paredes quando usa o foguete). A Konami testou algo parecido com POP'N TWINBEE RAINBOW BELL ADVENTURES, mas aquele é um jogo com fases muito pequenas - tanto que você anda em circulos na fase, se for em linha reta volta para onde começou.

O fato da Princesa-Possum desse jogo parecer mais alien do que furrie não tem nada haver com meus problemas com o jogo. Majoritariamente.

Isso dá certo em um jogo pequeno com fases que podem ser inteiramente carregadas na memória RAM do console, mas não é a mesma coisa que um jogo tradicional de plataforma. Versão resumida da história, Rocket Knight Adventures foi feito com o hardware do Mega Drive em mente e quando a ideia foi trazida para o Super Nintendo simplesmente não funcionou.

A boa notícia é que a Konami eventualmente conseguiu fazer o jogo funcionar decentemente no SNES, a notícia ruim é que quando eles termiram de fazer isso e disseram "ufa, agora a gente pode começar"... bem, o tempo já tinha acabado.

Sparkster para o SNES parece muito um jogo que foi feito na correria, porque é exatamente o que aconteceu. Sem história, fases desenhadas de qualquer jeito, detecção de colisão fraca, em 90% do tempo você não vê para onde está indo... ou seja, é um combo de sofrimento e dor de tudo que eu frequentemente critico nos jogos de Amiga e do Amiga Jr. (vulgo Mega Drive). Uma coisa que você não quer fazer em jogo algum ever é ter um protagonista que se move muito rápido apenas para dar de cara com uma armadilha mortal ou bater em um inimigo assim que a carga terminar, quer dizer que eu to jogando Bubsy agora nessa merda?

Se você não está entendendo nada do que está acontecendo, é porque pegou o espirito da coisa

Isso se resolve com um level design bem pensado, mas meio que é o ponto que isso não aconteceu aqui. Muitas das mortes que você sofre no jogo são baratas, as do tipo que você apenas pode reagir dizer "ah, sério jogo? ¬¬". E como todos os jogos que falham em tentarem serem rápidos, o que acontece na prática é que você tem que se esforçar para ver os obstáculos a frente para determinar se uma carga de foguete era apropriada ou não. Ter que se mover dessa maneira quebra o momentum do jogo, você vê claramente que o level design está trabalhando CONTRA o defining trait dele e isso é precisamente o que eu mais detesto nos jogos do Sonic.

Quando você está nesse negócio a tanto tempo como eu, dá pra ver de longe quando um jogo é lançado como deveria ter sido lançado e um jogo que urra "unpolished", e Sparkster é o segundo caso.

Existem múltiplos caminhos e segredos escondidos em muitos dos estágios, mas eles não levam a nada de particularmente interessante. Os desenvolvedores tentaram adicionar um pouco de sabor ao jogo acrescentando alguns estágios de shmup, mas como tudo aqui os níveis de shoot ‘em up foram integrados ao Sparkster de maneira bastante inadequada. Cada uma das fases de shmup tem seus próprios controles e em nenhum deles você consegue passar a menos que memorize o estágio.

Embora seja um grande problema, a pior parte mesmo é que passa a sensação que o jogo pareça ser uma colagem de fases que a Konami tinha sobrando em algum canto.

Enfim, Sparkster pega uma jogabilidade divertida e consegue tranformar em um jogo onde fluxo é constantemente interrompido por inimigos e mortes baratas que surgem de fora da tela. No final das contas, os desenvolvedores foram incapazes de conciliar as explosões de velocidade do herói com o level design de plataforma clássico e o jogo foi afetado como resultado. Design de níveis mais talhado as caracteristicas do protagonista, chefes razoáveis e até mesmo ter alguma história (o que não é o caso aqui, uma princesa é sequestrada e é isso) teriam feito muito para tornar Sparkster no Super Nintendo um jogo divertido.

Ah, sim, e o jogo também foi lançado para Mega Drive mas honestamente qual é o ponto? Se o jogo não presta no Super Nintendo, não é no console da Sega que ele vai ser melhor.

OUVI DIZER QUE A VERSÃO DO MEGA DRIVE É UM JOGO TOTALMENTE DIFERENTE DO SUPER NINTENDO

Grandes merda, eu não vou jogar essa porra porque não tem como ser melhor. É um jogo de Mega Drive, não tem como ser melhor que o do SNES!

MAS OS PROBLEMAS DO JOGO NÃO SÃO JUSTAMENTE POR CAUSA DO HARDWARE DO SNES? QUEM SABE NA VERSÃO DE MEGA...

HMM, ACHO QUE EU DEVO TENTAR OUTRA ABORDAGEM: SE VOCÊ JOGAR A VERSÃO DO MEGA DRIVE, VAI PODER FALAR MAL DA SEGA!

Os sacrificios que eu não faço pela ética no gamejournalism, eu te digo! Okay, eu vou jogar Rocket Knight Adventures 2 no Mega Drive, mas já aviso que eu não vejo como possivelmente...

... eu...

... vá...

Eu... eu vi a luz... e é lindo! RKA2 para Mega Drive é realmente lindo! EU VI A LUZ E ELA É LINDA!

VC TÁ FALANDO DAS PRINCESAS FURRIES GEMEAS, NÉ?

Também, mas não só isso! Esse jogo é realmente bom! Quando a Konami percebeu que o desenvolvimento de Sparkster no Super Nintendo "provavelmente" não ia dar certo, eles fizeram algo bastante inteligente (lembra de quando a Konami fazia coisas inteligentes? Saudades, né?): separaram uma pequena equipe para trabalhar na engine do primeiro Sparkster, dar um tapa no visual e ter uma versão para Mega Drive caso tudo mais falhasse. Bem, tudo mais falhou.

RKA2 usa basicamente as ferramentas do primeiro com gráficos diferentes (eu nem diria melhores, clarmaente esse jogo foi feito por uma equipe menor), e definitivamente não tem a mesma criatividade de level design do primeiro jogo, mas ainda sim é um jogo solidamente bom. E enquanto o jogo não enlouquece explorando ao máximo tudo que ser um possum foguetinho, ele compensa fazendo algo diferente.

Em todas as vezes que eu falei dos jogos do Sonic, eu bati novamente e novamente na mesma tecla: não dá pra você fazer um jogo de plataforma que o protagonista gotta go fast pq o jogador precisa de tempo para analisar e tomar decisões, do contrário o jogo é no máximo um teste de reflexos e não um plataformer de verdade. Isso se provou verdade em todos os clones de Sonic que tentaram a mesma coisa.

Eu sempre achei que Sonic não era bom porque não tinha como essa formula funcionar. Bem, eu admito que estava errado. Quer dizer, Sonic ainda é ruim, não é essa parte que está errada e sim que tem sim como essa formula funcionar, e RKA2 mostrou que é bem simples na verdade: dê inteiro controle ao jogador sobre os bursts de velocidade. Simples, e funciona.

Eis aqui o que eles fizeram nesse jogo: no jogo anterior e na abominação do Super Nintendo, você tem que usar o botão de ataque para carregar o Rocket e dar o dash. Isso limita sua foguetabilidade, já que você precisa usar o ataque e ficar segurando um botão é meio contramão. Agora eles mudaram isso: sua barra de foguete enche automaticamente e você usa um botão exclusivo para ele. Isso quer dizer que embora você não possa foguetar livremente, na maior parte do tempo está apenas a um botão de distancia.

Considerando que a distancia percorrida nunca te joga pra fora da tela (ao contrário do SNES) e que a distancia percorrida é constante, assim como os angulos que ele percorre ao bater nas paredes também são consistentes. Adicione a isso que você tem invencibilidade enquanto fogueteia e bam, temos um jogo onde os bursts de velocidade estão inteiramente sob controle do jogador. Um equilibrio que Sonic, em 4 jogos (sem contar os spin-offs) jamais conseguiu fazer.

A outra coisa interessante nesse jogo são as batalhas com os chefes, que são basicamente puzzles. Lutar com os chefes parece impossível a principio, mas uma vez que você entende qual é o truque ali. Eu achei bastante interessante e claramente eles colocaram um bom esforço aí.

Rocket Knight Adventures 2 pode não ser tão criativo ou bonito quanto o primeiro jogo, mas tem seus créditos por mostrar que a formula Sonic pode afinal funcionar (não que a Sega saberia fazer isso), como batalhas com chefes bem interessantes. É um ótimo jogo que infelizmente foi eclipsado pelo desastre termonuclear que é o jogo no Super Nintendo.

Hã, quem diria?

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 065