Vocês tão de sacanagem com a minha cara, só pode. Não tem outra explicação. Eu digo isso pq no texto sobre GRIM FANDANGO, eu fiz um texto todo bonitinho explicando sobre o fim dos point'n click, sobre como aquele jogo terminava uma era, sobre como esse era o ultimo grande título do genero e tal. Moh fofinho o meu texto e pah.
Aí o que a Take Two faz depois disso, sem a menor consideração sobre o meu texto? Foi e investiu um caminhão de dinheiro para fazer um point'n click que é uma superprodução de qualidade estelar, apenas e exclusivamente pra me deixar com cara de tacho. Sim, foi exclusivamente apenas por isso. Mas essa sacanagem da Take Two a parte com a minha pessoa, sobre o jogo em si, bem, sim, é um baita de um puta de um jogo. Mais sobre isso a seguir.
Pra começar, é preciso dizer que a Take Two abre a pedrada fazendo esse jogo baseado em não um, mas dois casos reais não solucionados da longa lista de serial killers norte americanos. O primeiro é o "Assassino do Tronco", um serial killer de Cleveland que ficou famoso por deixar os pedaços de corpos limpos e embalados como uma compra de açougue - especialmente o tronco, daí o apelido.
Ao total oito corpos foram encontrados e o caso foi investigado por Eliot Ness, o famoso agente do FBI que a essa altura tinha muito renome por ter sido o responsável pela prisão de Al Capone, mas ninguém foi realmente preso - e até pq logo depois a segunda guerra mundial começou e o assunto foi esquecido por notícias maiores.
O segundo caso que esse jogo se baseia é o caso da dahlia negra, o assassinato de Elizabeth Short em Los Angeles em 1947. Esse caso ficou famoso na época pela forma brutal com que o corpo foi encontrado: Short havia sido partida ao meio, e sua metade inferior e superior haviam sido rearranjadas em uma posição para criar uma pose. Devido a Elizabeth ter cabelos escuros e ser extremamente bonita, os jornais da época a chamaram o caso de "O Assassinato da Dahlia Negra", baseado na flor escura.
Elizabeth Short, na vida real e a representação no jogo |
Assim como no caso do Assassino do Tronco, o corpo e o interior de Elizabeth foi limpo e preparado por alguém que claramente sabia o que estava fazendo, levando muitos a crerem que os dois casos estavam relacionados apesar da diferença de cinco anos e terem ocorrido em extremidades opostas do país.
No jogo, nossa história começa com você sendo Jim Pearson, um recém-contratado agente pelo COI (Office of the Coordinator of Information), uma organização que anos mais tarde viria a ser reorganizada como a CIA pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial. Sua primeira tarefa é investigar uma denúncia "maluca" sobre atividades subversivas de nazistas em Cleveland, mas antes cedo do que tarde descobre sobre o misterioso fim do seu antecessor e começará a rastrear uma trilha de pistas que ligam sua investigação aos assassinatos do Tronco e, finalmente, a uma trama sobrenatural sobre nazistas fazendo rituais em clubes privados para obter uma jóia lendária (a Dahlia Negra do título do jogo) que dará poderes além da compreensão humana.
NAZISTAS QUERENDO UM ARTEFATO... ESPERA, ESSE JOGO REALMENTE JUNTOU INDIANA JONES COM UM SERIAL KILLER DO MUNDO REAL NA MESMA HISTÓRIA?
E isso é apenas o começo, Jorgito, é apenas o começo eu te digo! Isso porque o jogo é bastante bem escrito, com seu agente da CIA (bem, não era ainda, mas vcs entenderam) tendo que lidar com as burocracias das questões de jurisdição (tecnnicamente o Assassino do Tronco era um caso do FBI), ao passo que a investigação realmente parece uma investigação e faz muito pouco para segurar a sua mão.
Apenas um exemplo bem básico de como funciona: uma testemunha diz que viu o Assassino do Tronco como um homem grande, ruivo com cara de maníaco. Nos arquivos da policia vc pode pesquisar as fichas e achar alguns homens com essa descrição. Então de posse de alguns nomes você tem que a ir alguns lugares ver se o alibi bate, se consegue levantar endereço e telefone ou invadir lugares para ver o registro de funcionarios pra ver se o cara trabalha ali, e coisas assim. Real trabalho de detetive, eu te digo, e olha que normalmente é mais complexo do que isso!
Eu tenho que dizer que nenhum outro jogo até então me fez ter essa vibe de detetive work - sei lá, talvez exceto LA Noire lançado algumas decadas depois mas com clara inspiração nesse jogo - e só por isso esse título se destaca. Como ele amarra então sua investigação de nazistas cultistas em Cleveland a um serial killer e todos os menindres burocráticos e de convencer testemunhas a falarem, definitivamente esse é o melhor simulador de detetive já feito até então para quem se diverte com esse tipo de coisa.
O lado não tão bom disso é que BD não é exclusivamente um jogo de investigação e sim também é um point'n click raíz, com as questões pertinentes ao genero: coletar itens para usar nos lugares certos e resolver puzzles que as vezes flertam perigosamente com RIVEN: The Sequel to Myst de "que caralhos qualquer coisa aqui deveria significar?". Felizmente, não é frequente o suficiente para comprometer o jogo.
Porém se isso por si só já faria o jogo interessante e digno de nota, a Take Two decidiu mostrar que não sabe brincar e BD acaba se mostrando de uma ambição que poucos jogos ousaram ter até então. Isso pq a investigação do culto nazista em 1941 é apenas o começo da história, toda história do jogo se passa ao longo de mais de 70 cenários e quase dez anos da vida de Jim Parson, uma decada na qual ele vai se tornando cada vez mais obcecado pela Dahlia Negra que a coisa começa a flertar com o lovecraftiano, uma obsessão com um artefato sobrenatural que consome inteiramente a vida de um pobre coitado.
É nesse espaço de dez anos que Jimbão da massa vai até a Europa atrás da pedra, volta e atravessa os Estados Unidos e termina conhecendo Elizabeth Short, cuja história da vida real mostraria como terminaria seus dias. Como eu disse, é uma história realmente ambiciosa para um point'n click tanto em duração quanto em locação, numero de personagens e mesmo o tempo decorrido dentro da história.
Quase tão surpreendente quanto é que diferente do que acontece nos jogos com atores filmados, a atuação aqui não é terrível e amadora como em TEX MURPHY: MARTIAN MEMORANDUM ou Roberta Williams' PHANTASMAGORIA. Não, na verdade as atuações são majoritariamente boas, e durante as cenas você até mesmo vê que a linguagem corporal geralmente diz tanto sobre a personalidade do personagem que você está interrogando quanto suas palavras. É sutil, mas profundamente importante em um jogo sobre investigação. No geral a atuação é surpreendentemente boa, e mesmo que Dennis Hopper e Terri Garr sejam anunciados como as estrelas de Black Dahlia, ambos desempenham apenas papéis secundários, o resto do elenco não se sai pior que os atores consagrados, felizmente.
Considerando tudo isso, há algo realmente errado com este jogo? Não muito realmente, algumas coisas talvez. Como por exemplo a coisa da investigaçãona primeira metade do jogo cai bastante na segunda, sendo substituida por uma dependência excessiva de quebra-cabeças mecânicos, todos aparentemente adicionados ali para prolongar artificialmente o tempo de jogo - o que é bem desnecessário, já que o jogo é longo o suficiente.
Outra coisa, e uma meio estranha, é que esse jogo tem o pior caso de sincronia das legendas que eu já vi na vida, frequentemente eu tinha que desligar o audio pq as legendas faziam a coisa no seu próprio tempo... seja ele qual for.
Algum outro problema? Bem, estou sendo chato agora, mas o jogo ocasionalmente desafia a lógica de um jogo de aventura ao não permitir que você colete itens antes de ter um bom motivo. Vc tem que voltar em lugares que vc já foi para pegar itens que vc já poderia ter porque o jogo só libera coletar o item depois de triggar a quest necessária para ele. Meio palha isso.
Mas no fim do dia, Black Dahlia realmente é o sonho molhado dos jogos de point'n click. Ele conta uma história ambiciosa, sombria e fascinante e o faz muito bem, muito bem escrito e muito bem atuado. No geral, os gráficos são excelentes e, junto com a música, eles pintam um quadro vívido dos EUA nos anos 40, construindo uma atmosfera quase lovecraftiana de ruína e insanidade e levando a um clímax espetacular.
Os quebra-cabeças são, às vezes, difíceis, ocasionalmente dolorosamente dificeis, mas eu não senti que eram realmente injustos - definitivamente já vi muito pior nesse genero. Resumo da coisa: Black Dahlia é incrível em seu escopo, a história abrange quase uma decada, 70 locais nos EUA e na Europa, 50 partes faladas e mais de 3 horas de cinemática. Ele tem 8 CDs e leva a média de mais de 60 horas de jogo para terminar. A Take 2 investiu milhões para fazer este jogo e isso mostra? Pode apostar que sim. Este é um dos jogos mais divertidos que já joguei, eu gostei do começo ao fim - talvez não tanto do meio, mas tambem não dá pra ter tudo, né?
Mas porra, precisavam esperar eu falar que os point'n click tinham terminado com GRIM FANDANGO? Vou ali dizer que os RPGs Táticos terminaram, só pra testar uma coisa rapidão...
VOCÊ SABE QUE ESSE JOGO SAIU ANTES DE GRIM FANDANGO, NÉ? BEM ANTES, ALIAS
Então pq só saiu depois na Ação Games?
PROVAVELMENTE PQ ESSE JOGO FOI LANÇADO DUBLADO NO BRASIL POR ESSA ÉPOCA, EMBORA ESSA SEJA UMA VERSÃO PRATICAMENTE IMPOSSÍVEL DE ACHAR HOJE
Tá, faz sentido, mas então... eu estava certo esse tempo todo sobre GRIM FANDANGO ser mesmo o final da era dos point'n click?
TEMO QUE SIM
Há! Eu sabia que estava certo esse tempo todo, eu só estava testando a fé de vocês em mim! O Mestre Supremo dos Games nunca erra!
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 136 (Fevereiro de 1999)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 059 (Fevereiro de 1999)