terça-feira, 20 de agosto de 2024

[#1285][Nov/98] MAGICAL TETRIS CHALLENGE


Ao total, apenas 388 jogos do Nintendo 64 foram lançados oficialmente, com 85 vendidos exclusivamente no Japão - a titulo de comparação, o PS1 teve 7918 jogos. Frequentemente se atribui a esse numero tão baixo de jogos o fato que o Nintendo 64 escolheu o modelo de cartucho - enquanto o CD oferecia 200x mais espaço por centavos de preço de fabricação.

Bem, essa explicação é mais uma consequencia da verdadeira causa do que a causa em si. Afinal, pq o Nintendo 64 teve tão poucos jogos, e menos ainda clássicos multiplataformas da época como TOMB RAIDER ou STREET FIGHTER ZERO 3? A coisa do cartucho atrapalhava, verdade, mas honestamente, dava pra dar um jeito se as desenvolvedoras quisessem - tanto que RESIDENT EVIL 2 saiu para Nintendo 64. O problema do N64, o REAL problema, era o problema mais antigo do mundo: dinheiro.


Hoje é frequentemente apontado que o maior problema do Nintendo 64 é que ele usava cartuchos, enquanto o Playstation usava CDs. A diferença é óbvia: um cartucho tem tipo 25MB de informação, um CD tem mais de 500MB. Além disso um CD é 8 bilhões de vezes mais barato de fazer, com um pedaço de plástico vc corta milhares de CDs enquanto cada cartucho tem que ser montado como uma miniplaca eletronica. Não é por aleatoriedade que um CD de PS1 custava 50 dolares e os cartuchos de N64 custavam 100.

Na verdade, é uma diferença tão grande que a pergunta que realmente tem que ser feita aqui é: a Nintendo é burra? Eles não perceberam esse problema ÓBVIO que qualquer consegue apontar olhando 3,1415 segundos para o problema? 

Então, essa é a parte realmente curiosa da história: a decisão da Nintendo pode parecer simplesmente idiota olhando hoje, mas era a decisão que mais fazia sentido na época e quase, mas por muito pouco mesmo não deu certo. O que pegava era que a Nintendo tinha montado um sistema que lhe era muito conveniente: seu controle sobre a produção de jogos para o Nintendinho (e depois para o Super Nintendo) era ferrenho.

Digamos que você tem uma produtora de jogos, chamaremos de Xirimbinhasoft, e quer fazer um videogame em 1993. A primeira coisa que você tem que fazer, obviamente, é fazer um jogo - o que custa dinheiro. Então você tira do seu bolso, pagou a galera, fez o jogo, supimpa.

Aí você tem que colocar esse jogo num cartucho beta e enviar para a Nintendo aprovar. A Nintendo vai então testar o jogo pra procurar por bugs e problemas, além de fazer uma revisão editorial no seu jogo: nada de citações religiosas, nada de temas polemicos, nada de obscenidades, nada de violencia exagerada. A menos que o seu jogo seja puritano o bastante para passar as 8 da noite no canal da Disney, a Nintendo manda de volta pra vc refazer. Com a criação da classficação etária da ESRB eles aliviaram um pouco nessa censura, pero no mucho.

Aí tá, você tem o jogo aprovado pela Nintendo. O próximo passo é comprar lotes de cartuchos deles nos preços e quantidades que eles quiserem vender. Digamos que você quer fazer um jogo pequeno, de nicho e acha que 5 mil unidades é mais que suficiente. Tipo esses joguinhos de 0,99 centavos que tem na Steam hoje, sabe?


Então... vai ficar querendo. A Nintendo começa vendendo lotes a partir de 10 mil e apenas em multiplos disso, pq eles não vão se dar ao trabalho de ficar reconfigurando as coisas só por sua causa Xirimbinhasoft. Então você compra os cartuchos da Nintendo.

Em seguida você tem que pagar a Nintendo pra eles fazerem os jogos. Sim, você compra o material e  paga a mão de obra, claro que sim, como não? Terminou de pagar isso? Ótimo, agora seu jogo pode ir para as prateleiras! ... desde que você pague pelo marketing e logística, é claro. Tá achando que essas coisas saem de graça? Claro que não, cê tá louco?

Mas aí tá, finalmente o seu jogo tá na prateleira da loja! Você pagou pelo desenvolvimento (incluindo acomodar a censura exigida pela Nintendo), pelos lotes de cartucho, pela manufatura, pela propaganda, pelos custos de logistica e finalmente está na hora de ganhar algum dinheiro, aleluia... exceto que a Nintendo ainda cobra uma taxa de royalites sobre o jogo vendido. Do preço final do jogo na prateleira, cerca de 30% dele ficavam com a Nintendo ... o que é mais do que ia para o bolso da Xirimbinhasoft, que é apenas por volta de 25%.

Agora se coloque no lugar da Nintendo: você tem esse esquema rodando, e rodando bem as pampas. Não é por pouca merda que em 1991 a Nintendo se tornou a empresa mais rica do Japão, e isso é verdade até hoje (embora ela tenha perdido e recuperado o primeiro lugar nesse tempo). Por que causa, motivo, razão ou circustancia você cogitaria mudar esse sistema? Trocar pra CD? Pra que? Mudar pra uma midia que não apenas qualquer Zé Ruela poderia gravar seus discos no porão de casa e não apenas isso, mas como CD é uma tecnologia da Sony vc ainda teria que pagar para sua competidora por cada jogo vendido. Isso só faria sentido se CDs fosse uma tecnologia de outro planeta contra a qual não tivesse como competir, mas aí então você olha para o lado e vê o que a Sega tava fazendo o Saturn...

E essa foi a razão pela qual a Nintendo entendeu que ela era a fucking Nintendo, o que ela decidisse todas as desenvolvedoras japonesas iriam simplesmente baixar a cabeça e obedecer, né?

... né?

Quase. Porque o projeto de negócios da Sony era justamente morder a Nintendo nesse ponto: seus royalities eram apenas de 5%. E essa é a real razão pela qual as grandes desenvolvedoras mandaram a Nintendo tomar onde o Mario Sunshine não bate, dinheiro basicamente. A coisa do cartucho, se elas realmente quisessem, dava-se um jeito.

E como ficou bem óbvio nesse blog até aqui, não ter uma Squaresoft, não ter uma Eletronic Arts e principalmente uma Capcom doeu na biblioteca do Nintendo 64. Mas doeu muito. Nada de Street Fighter, Final Fantasy, Tomb Raider, Resident Evil, Mega Man X, Dragon Quest (especialmente no Japão), Soul Calibur... Todos os pesos pesados que fizeram o nome da quinta geração não passaram nem perto do N64. E isso foi uma puta merda para o Nintendo 64, suponho que isso esteja muito claro a esse ponto.

A boa noticia, entretanto, é que obviamente que a Nintendo estava ciente disso e correu como uma desesperada atrás da máquina, tentando costurar um acordo para trazer os big players para debaixo da sua asa. E foi apenas no final de 1998, mais de TRÊS anos após o lançamento do console que a toda poderosa Capcom lançou seu primeiro jogo para Nintendo 64. TRÊS anos sem um único jogo da Capcom é derrubar o caboclo do mato, eu te digo.

Mas muito que bem, agora que eu expliquei como funcionava toda a função do dinheiro e porque isso doeu as desenvolvedoras, a boa noticia é que agora isso são aguas passadas e teriamos jogos da Big C no console da Big N! Então a pergunta que não quer calar é: após este longo inverno, qual seria o primeiro tão esperado jogo da Capcom para o sistema?

MEGA MAN X4STREET FIGHTER ALPHA 3MARVEL VS CAPCOM ? RESIDENT EVIL 2? Alguma IP nova?

E a resposta para essa pergunta que todos estavam morrendo de vontade de saber era... que o primeiro jogo da Capcom para o Nintendo 64 foi Tetris. Sim, isso mesmo, Tetris, aqueeeele Tetris. Um Tetris licenciado com personagens da Disney, mas não menos Tetris por conta disso.

E vou te dizer que nem é um Tetris particularmente deslumbrante, os gráficos 2D do jeito que ficaram fazem parecer que o jogo podia ter saído para o Super Nintendo. Verdade que as cores são brilhantes e vibrantes, os personagens são perfeitamente desenhados e, no geral, é muito agradável aos olhos. Ainda sim, não é nada que impressione muito perto de um TETRIS ATTACK da vida

Mas bem, já que é o que a casa oferece vamos falar do jogo em si... que, como eu disse, é Tetris. Mais especificamente, Tetris com 3 modos de jogo: tem o o Endless Tetris, que não apesar do nome é apenas Tetris comum que você joga até onde der para fazer pontos.

Os outros 2 modos são ambos baseados em história (já falo mais sobre isso), mas basicamente tem o o Updown Tetris que joga como o padrão de Tetris que todos nós estamos acostumados e coloca você contra um computador ou oponente humano e você deve vencer a partida para avançar a história. Quando vc faz combos, linhas aparece de baixo pra cima na tela do oponente, daí o nome.


O ultimo modo, e o principal carro chefe desse jogo, é o Magical Tetris que tambem funciona como Tetris normal mas aqui os combos fazem brotar na tela do adversário uma série de novas peças que geralmente não se encaixam em lugar nenhum. Estou falando de peças tipo um bloco quadrado de 5 x 5 ou uma peça em forma de escada, além de outras bizarrices mais estranhas como um W gigante, peças Z estendidas e uma peça U. E... é isso realmente, Tetris com peças novas, não muito diferente do que vc encontraria no jogo 657 dos Brick Games de "999 em 1", o que mais eu posso dizer? 

Bem, eu mencionei que este jogo tem uma história. Isso porque também é um jogo da Disney, então é claro que você pode esperar uma apresentação bonitinha, ao menos isso. O que rola aqui é que você pode escolher um dos quatro personagens: Mickey, Donald, Pateta e Minnie. Isso é interessante porque cada personagem tem uma história única, mas todos os quatro se unem para contar uma história maior. 


Só que se você jogá-los na ordem em que aparecem, a história fica fora de sequência - obviamente que esse jogo não apenas foi feito por alguém que não tem TOC, como odeia ativamente gente com TOC. Seja como for, a ordem em que a história deveria ser jogada é Donald, Pateta, Minnie e então Mickey. Por que diabos eles não fizeram você desbloquear o próximo personagem vencendo a história do personagem anterior, jamais saberemos.

POR QUE VOCÊ ESTÁ RECLAMANDO DA FORMA QUE A HISTÓRIA É CONTADA EM UM JOGO DE TETRIS TAMBÉM É UMA BOA PERGUNTA

Jamais saberemos isso tb, Jorge. Seja como for, a história envolve uma pedra misteriosa que Donald encontra enquanto pesca. Parece ser apenas uma pedra bonita, mas Mickey suspeita que não seja deste mundo porque quem sabe mais sobre artefatos alienígenas do que Mickey Mouse? Bem, ele está certo. O malvado João Bafo de Onça rouba a pedra, faz uma bengala de aparência estilosa por razão nenhuma e a usa para controlar a mente de todos e fazer com que Minnie concorde em se casar com ele. Cabe a Mickey detê-lo com a arma mais poderosa conhecida pelo homem: Tetris.

Esse é o amplo arco da história, com cada personagem tendo um papel a desempenhar durante sua própria história. Se a história é mal contada e parece que foi meio que enfiada no jogo na última hora para fazer uso da licença da Disney... bem, é porque obviamente foi. E de toda forma, na maioria das vezes um personagem irá, por exemplo, para a casa da Minnie e ela vai dizer algo como: "Ei! Vou fazer biscoitos de vegetais!" Sério, ela realmente diz isso. Porque caralhas a Minnie virou vegana e o que diabos exatamente são biscoitos de vegetais é algo que apenas poderemos imaginar?

Seu personagem então se oferecerá para ajudar. O que eu posso fazer? Quebrar alguns ovos? Picar os vegetais? Untar a assadeira? Não! Você pode ajudá-la derrotando-a no Tetris. Porque é claro que sim... então se vc tinha uma vontade urgente de jogar Tetris pela história, puta merda você é um esquisitão até pelos meus padrões, mas vá lá, aqui tem isso...

A música é horrível, especialmente para um jogo da Disney. E não é como se eles tivessem ficado sem espaço no cartucho, eles fizeram tudo em 2D sem narração. O jogo não tem nenhuma música boa, não tem música da Disney e nem tem a própria musica tema de Tetris, eles apenas socaram basicamente qualquer música de domínio público que eles encontrarar. Eu sei que a Capcom tava meio que no modo foda-se, mas po né gente? 

Espera, uma batalha de Tetris pro Pateta trocar de roupa e ajudar? Mas oi?

E para ficar mais estranho ainda, o multiplayer suporta apenas 2 jogadores, perdendo assim uma grande oportunidade de poder jogar como todos os 4 personagens. Pq a Capcom colocou apenas 2 jogadores em um console que tem 4 entradas de controles nativos não é nada senão preguiça de adaptar o jogo que saiu para todos os consoles conhecidos pelo homem, afinal.

Mas no final, esse jogo não é ruim muito pq é Tetris e não tem como Tetris ser ruim - e as peças bizarras do Magical Tetris dão uma apimentada nas coisas. Se vc REALMENTE precisa jogar Tetris no Nintendo 64, TETRIS 64 já faz exatamente isso. Ainda sim, ta aí mais uma opção, eu suponho...

Seja como for, esse jogo vai ser sempre lembrado com um certo ar de decepção já que após três anos de espera o tão aguardado jogo da Capcom para o Nintendo 64 foi... fucking Tetris. O bom e velho Tetris,  mas não menos apenas outro Tetris lançado no mesmo mês que saiu TETRIS 64. Desapontante é pouco.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 135 (Janeiro de 1999)


EDIÇÃO 136 (Fevereiro de 1999)


EDIÇÃO 140 (Junho de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 057 (Dezembro de 1998)


EDIÇÃO 059 (Fevereiro de 1999)

EDIÇÃO 063 (Junho de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 038 (Fevereiro de 1999)