sexta-feira, 30 de agosto de 2024

[#1291][Fev/1999] SILENT HILL

Quando você pensa em gigacorporações controladas por executivos que tomam decisões baseados em planilhas sem nem ao menos saber o que exatamente é o produto final deles, alguns nomes te vem a mente imediatamente como a Eletronic Arts (que foi eleita pelo público mais de uma vez a pior empresa dos US and A) ou a Ubisoft que se pudesse lançaria suas franquias em frequencia semestral, com jogos escritos por um gerador de lero-lero e a programação feita em java pelo chatGPT.

Ou seja, quando vc pensa naquele executivão manezão nível Psicopata Americano, usualmente está pensando em uma imagem tipicamente ocidental. É  claro que no Japão isso acontece também - e na verdade acontece muito pior já que a cultura de trabalho lá funde a vida pessoal com a profissional muito mais. Isso sendo dito, se vamos então falar de uma empresa japonesa tóxica comandada por executivos que sequer sabem quantos bits tem um videogame, não tem muito como fugir de falar da Konami - pense numa empresa de vilão da Sessão da Tarde, esse é o executivo médio da Big K.


Só que numa dessas coisas da vida (e como a vida tem coisas) calha justamente de isso acabar gerando algo extremamente positivo. Diz-se que artistas florescem da adversidade, e poucas coisas são ais adversas no Japão que trabalhar na Konami. O jogo de hoje é a maior prova disso da história dos videogames.

Nossa história começa em 1996, quando um fenomeno, um evento, um meteoro yukataniano caindo na fuça dos DINOSSEROS mudou para sempre a história dos videogames. Estou falando, é claro, de RESIDENT EVIL - o survival horror baseado em filmes trash que colocou o genero no mapa, até pq ALONE IN THE DARK 1 e ALONE IN THE DARK 2... pelas santas almas que me regem. Mas divago.


O que eu dizia é que RESIDENT EVIL foi aquele fenomeno panglobático todo, e isso obviamente fez com os executivos da Konami acendessem seu charuto feito de notas de dinheiro, colocassem os pés sobre seus escravos pessoais de tráfico humano e pensassem "hmm, eu quero um desses pra mim". Assim, um deles foi até a porta do corredor, botou meio corpo pra fora e gritou para o primeiro cara que estavam passando pelo corredor e gritaram:

- Hey, você, tu o de bonezinho, tu faz o que nessa empresa cara?
- E-eu? - ele respondeu - eu sou artista gráfico...
- Hã, fala lingua de gente, caralho. Tu desenha? O que tu já fez aqui?
- Os personagens de TRACK AND FIELD do Playstation e a versão de SNATCHER do Sega CD!
- Eu não vou fingir que faço a menor ideia do que essas palavras significam. Mas tanto faz, tá vendo aquele jogo de sustinho que os jovens estão adorando?
- Hã, RESIDENT EVIL, senhor?
- É, isso, essa coisa aí, faz um desses pra gente aí.
- Como assim "fazer um desses", eu sou apenas um artista, eu nunca dirigi um...

E antes que ele terminasse a frase a porta bateu na cara dele e ele pode ouvir gargalhadas lá dentro dos executivos curtindo uma rinha de bebês foca ou o qualquer atividade maligna que executivos façam pra se divertir nas horas vagas. Embora eu não possa provar que foi exatamente assim que aconteceu, o fato é que o artista gráfico Keichiro Toyama ganhou a direção do projeto que deveria ser "o RESIDENT EVIL da Konami".

Keichiro então juntou alguns outros desajustados que ele encontrou pelos corredores da Konami, e como não pode deixar de ser em qualquer gigacorporação em qualquer lugar do mundo, o bullying comia solto com esse bando de esquisitos. Isso somado as condições de trabalho de trabalhar numa megacorp maligna e a falta de perspectiva de estar trabalhando num jogo com o orçamento de duas balas xaxá e uma revista do Tio Patinhas de 1973, fez com que o compositor original do time pedisse as contas e fosse tentar qualquer coisa da vida que não fossem condições de trabalho que o induzissem a cometer um seppuku usando uma faca de manteiga.


Vou contar pra vocês, a situação de Keichiro e seu time não era boa, o projeto apenas não foi engavetado pq o orçamento era tão baixo que a Konami meio que esqueceu que eles existiam. Porém como quando se está no fundo do poço o único caminho que resta é pra cima, a boa noticia é que as coisa logo começaram a melhorar.

Eu digo isso pq estava lá Kei-kun se batendo sem a menor experiencia de como dirigir um jogo, quando um japonês esquisito com cara bem de nojento para a porta do escritório onde dez bonecos dividiam um espaço de 5x4.

- É aqui que precisam de um compositor? - o estranho perguntou
- Hã, sim, nós estamos fazendo um jogo de terror e...
- Errado - ele interrompeu - Nós estamos fazendo arte. Arte.

E dito isso, o compositor Akira Yamaoka atirou alguns mangas de Junji Ito em cima da mesa, pegou as notas de produção do jogo, olhou com uma cara de puta nojo e comentou algo como "tá, eu posso trabalhar com uma coisa dessas".


E quer saber? Akira Yamaoka pode não parecer o japonês mais simpático de todos os tempos, mas se tem algo que pode ser dito sobre ele é que ele realmente nasceu pra fazer a trilha sonora de um jogo de terror japonês, daqueles bem encagaçante que te faz cagar de luz acesa por um mês. Isso não pode ser tirado dele.

Inspirado pelas músicas filhadaputamente boas que Yamaoka estava compondo, o "Team Silent" - como ficou conhecido - começou a se achar e ter algumas ideias para tirar do papel aquela coisa de "fazer o RESIDENT EVIL da Konami". Só que então o novato diretor Keichiro teve uma ideia mais genial ainda: como eu disse, RESIDENT EVIL é baseado nos filmes ocidentais de terror, daqueles cheios de zumbis ridiculos, dialogos mais ainda e uma aura toda de terror com comédia involuntária, o clássico "terrir".


Eles fariam algo diferente, entretanto: um jogo de terror terrorzão mesmo, como eu disse pra botar a molecada pra cagar com a luz acesa por um mês inteiro. E calha perfeitamente que o horror japonês é muito diferente conceitualmente do horror ocidental, o que foi o grande diferencial de Silent Hill para qualquer coisa já feita até então.

Para isso, eu suponho que preciso explicar que existe uma diferença conceitual entre os filmes de terror ocidentais e japoneses. Via de regra, os filmes ocidentais de terror se focam naquilo que vai imediatamente chocar o publico a um nível de espetáculo. Por essa razão, os filmes são compostos por momentos de jump scares, o visual do monstro é um espectaculo a parte e normalmente sua iconicidade é o que carrega o filme, o publico está ali para ver o quão espetaculosas (e criativas) são as mortes e todo gore fake que só o cinema pode oferecer.

Claro que eventualmente tem um terror mais psicológico (como "The Shining") ou com um world building mais complexo (como Hellraiser 2), mas via de regra é mais CORRE MALUCO QUE O DJEIZU TÁ VINDU E ELE VAI TI PEGA!



No Japão, o horror funciona de uma forma diferente. O horror japonês, em especial, é menos focado em o quão maneiro o monstro parece, e mais no quão perturbador e deslocado incomoda aquela situação toda é. O maior exemplo do cinema de terror japonês, "O Chamado", explica perfeitamente isso: a Samara não vai sair da TV e te arrastar para as profundezas do inferno pq ela é um monstrão aprova de balas, e sim pq ela teve uma morte tão ferrada, ela foi tão fodida que não existe força no multiverso que possa te salvar do ódio dela - e entendendo o que aconteceu com ela, vc nem tem como tirar a razão dela de ter ódio suficiente para afundar uma cidade inteira.

Tradicionalmente, o horror ocidental se constrói mais sobre o quão MAIS aquela situação é (na visão original do diretor, Freddy Krueger era um pedofilo que foi linchado pelos pais e queimado vivo, agora se tornou um demonio que mata através de pesadelos - se tem como ser MAIS maligno que isso, só se ele fosse nazista tambem), enquanto o horror oriental é mais sobre o quão ferrada toda coisa é.

Enquanto definimos o horror ocidental como mais direto e "na sua cara", o horror oriental tende a ser sutil em sua atmosfera - a maior parte das coisas não vai ser sequer explicada, e honestamente elas estão ali apenas para causar incomo sem uma explicação clara do que exatamente aquela simbologia deveria significar. Para esses cineastas, o medo não é um "BUUU TE PEGUEI", e sim uma sensação de desconforto que deve ser construída durante todo o filme, e o público deve sempre ser mantido com uma sensação menos de "ow, aquele cara vai morrer de uma forma horrível, que maneiro" e mais "puta que o pariu, essa merda tá toda errada". 


Claro, isso é apenas uma construção conceitual, obvio que existem muitos horrores psicológicos no Ocidente que contam com a atmosfera para criar medo, enquanto existem alguns horrores ocidentais contam apenas com choque. Alguns exemplos de terror ocidentais que são feitos para incomodar com a sua atmofera mais do que dar um cagaço no espectador são Candyman, de Clive Barker, que mergulha no racismo sistêmico durante os anos 90 ou Get Out, de Jordan Peele que faz essa abordagem em um tom mais recente. 

E tambem eu não estou dizendo que eu acho um estilo superior ao outro, apenas são conceitos diferentes. Porra, Alien é um dos meus filmes favoritos de todos os tempos e monstro não é muito mais complexo do que "ele é o predador perfeito" - COMO ele faz nesse caso é muito mais interessante do PORQUE ele faz. Como eu disse, não é sobre ser melhor ou pior, são apenas estilos diferentes.

Tá, mas por que eu estou discorrendo tanto sobre estilos de horror? Pq uma vez que vc entende isso, vc entende sobre o que Silent Hill é. RESIDENT EVIL é sobre uma corporação maligna do mal que odeia o bem criando monstros saídos de filmes de terror B - e isso é maravilhoso em sua tosquice intencional. Já Silent Hill é mais sobre... well, this is really fucked...

O maior mistério de Silent Hill é que diabos é essa capa japonesa do jogo

Nossa história aqui é que o pai viúvo Henry Mason (PSOLzão da massa) está levando sua filhinha Cherryl para férias na cidade-resort de Silent Hill (pense numa "Campos do Jordão gringa"). No caminho, uma criança aparece no meio da estrada, Henricão desvia e o carro bate. Quando ele acorda, sua filha Cerejinha desapareceu e ele está numa cidade tomada por neblina e monstros - bem vindos a Colina Silenciosa.

Só que o grande atrativo do jogo não é enfrentar os monstros per se - como bem cabe a um survival horror, o combate é deliberadamente desconfortável pq é pra vc se sentir indefeso e oprimido, não o Rambo - e sim entender o que caralhas está acontecendo naquela cidade. Para esse proposito, Silent Hill está muito mais perto de um livro do Stephen King do que ser um hack'n slash pra descer a lemba nos bicho. NIGHTMARE CREATURES certamente este jogo não é.

E quando você finalmente entende o que diabos está acontecendo naquela cidade bizonha, sua reação é basicamente:


Para quem não se importa com spoilers de um jogo de 27 anos atrás, eis o resumo da coisa:

Na decadente cidade de Silent Hill, um grupo decidiu que ia invocar para este mundo  um antigo demonio chamado Samael - que por acaso é o nome de anjo de ninguém menos que o proprio senhor das obscuridades Lucifer. Nunca é especificado porque caralhas eles querem fazer isso, mas então cultistas né? Eles acham que vão mamar o leite de texugo desmamado e que vai dar bom pra eles, enfim.

O que importa nesse caso é que para isso eles querem usar uma criança especial que nasceu com dons especiais, Alessa Gillespie. A própria mãe de Alessa quer usar a filha de 14 anos para dar a luz ao capiroto (literalmente emprenhar ela mesmo), mas o ritual é feito antes dela estar pronta e as coisas dão horrivelmente errado: a alma de Alessa se divide no processo, e o ritual termina com o corpo de Alessa sendo imolado em chamas.

Entretanto Alessa não morre: a magia da sua mãe e do diabo mantem ela viva quando ela já deveria ter morrido, isso resulta em ela passar os próximos sete anos habitando o porão do hospital de Silent Hill, sofrendo excruciantes dores das queimaduras, mais as torturas que sua própria mãe infligia para que ela atraísse de volta a outra parte da sua alma de volta para a cidade e o ritual pudesse ser completado - que é o que acontece, essa outra parte da alma dela sendo a filha adotiva do nosso herói Henricão.

Porém o que a mãe de Alessa não contava é que os poderes da sua filha se desenvolveram além do previsto, ela tomou conta da cidade toda: Silent Hill não apenas foi isolada do mundo, como seus habitantes foram transformados em monstros. Não obstante isso, a cidade alterna entre o mundo real e o mundo dos pesadelos de Alessa, quando a cidade toda toma um aspecto mais enferrujado, decrepito e violento que o normal - as ruas literalmente se tornam gradis enferrujados, é esse o nível da coisa. A Silent Hill "normal" e a corrompida vão alternando conforme o estado mental de Alessa, e obviamente que este vai se deteriorando ao ponto que a cidade fica cada vez menos "normal.

Isso já é fodido o suficiente, mas fica pior quando vc entende que todos os monstros que você encontra no jogo são representação de alguma coisa para Alessa: os monstrinhos pequenos com facas que você encontra na escola são as crianças que faziam bullying com ela por ela ser uma "bruxa", os cachorros mutantes são pq Alessa tinha medo de cachorros, o chefe lagarto gigante que vc enfrenta saiu de um livro de contos infantis que Alessa gostava (com efeito, vc encontra esse livro e ele tem uma dica de como derrotar o chefe na sua prosa, muito elegante isso).

A enfermeira do SUS claramente saindo de um turno de 72 horas, Silent Hill fica no Brasil

Alias muitas coisas que você encontra saem dos livros que Alessa lia, afinal como uma criança desfigurada, com dores mortais constantes e trancada no porão de um hospital passaria o tempo, afinal? O que... cara, em quase 1300 reviews que eu já escrevi para esse blog é a coisa mais triste que eu já vi por aqui, serião mesmo...

Algumas pessoas são mantidas em suas formas humanas, entretanto: sua própria mãe e o diretor do hospital eram parte do culto que fez todas essas coisas horriveis com Alessa e supostamente devem conhecer algum tipo de feitiço de proteção, e a enfermeira Lisa Garland que tratava dos ferimentos de Alessa no porão do hospital e foi poupada de virar um monstro (kinda) por ser a única pessoa que tinha sido gentil com Alessa e se importado com ela.

Como eu disse, this is so fucked up in so many ways. E nada disso é diretamente explicado, com efeito minha interpretação pode até estar errada, pq a narrativa é aberta e quem não entender não entendeu - um estilo de narrativa muito popular no Japão naquela época, especialmente após o sucesso de Neon Genesis Evangelion.

Esses mapas que se atualizam sozinhos com anotações de onde vc já foi (porta trancada, caminho bloqueado, passgem) ajudam um survival horror de uma maneira que vc não faz ideia

Porém se toda essa história terrível já é interessante o suficiente, as coisas ficam melhores ainda na hora de colocar a coisa na prática pq como eu disse lá no começo, o Silent Team recebeu o orçamento de duas balas Xaxá e uma foto autografada pelo Evaristo de Macedo para esse jogo. Então como você constrói uma cidade crível no Playstation 1 quando você não tem os recursos para lidar com o fato que o console tinha merrequentos 2MB de RAM?

A memória RAM, basicamente, é o que limita o numero de coisas na tela ao mesmo tempo, e 2MB de informação possível na tela significava que vc não poderia andar uma quadra sem ter que pausar para o jogo dar loading de mais informações do CD... ou então a outra opção seria sua area de visão ser apenas um palmo afrente do seu nariz. Mas eles iam resolver isso como? Fazendo a cidade totalmente tomada pela neblina e sem você poder ver que porra poderia pular em você a qualquer momento?


Keichiro e seus boys e meninas magia perceberam que sim, uma cidade tomada pela neblina não apenas resolveria o problema da memória RAM minuscula do PS1, como criaria uma atmosfera única para o jogo. Porém isso criaria outro problema: os inimigos apenas sairem do nada para morder a sua bunda seria injusto, no minimo. Acredite, eu já paguei os meus pecados jogando um numero obsceno de jogos de Mega Drive que os inimigos apenas te atacam de fora da tela pq foda-se vc, e nunca é legal. 

Para resolver isso, o jogo implementa uma solução ainda melhor: você tem um rádio que emite estática quando tem monstros perto. Pq isso é bom? Bem, pq resolve o problema de "alguma coisa sair de fora da tela e te atacar", vc sabe que tem alguma coisa por perto e não pode ver exatamente de onde - o que gera tensão. Porém como vc tem uma coisa que te indica quando não tem, vc não fica tenso O TEMPO TODO, pq isso seria exaustivo para o jogador e eventualmente ele pararia de se importar. Assim, o jogo sabe jogar com a sua tensão e em alguns momentos tem algo por perto que vai te pegar, mas não é o tempo todo. Uma solução extremamente elegante, eu te digo.

Ó o tamanho dessas barata maluco, esse hotel vai perder estrelas no Trivago

A outra coisa que o baixo orçamento do jogo ajudou foi que Silent Hill não tem aqueles cenários pré-renderizados como RESIDENT EVIL ou FINAL FANTASY 7 que são lindos, porém também levam uma caralha de tempo e maquinário para renderizar em 1998 e portanto são caros para uma caralha umedecida em papel toalha.

E COMO ISSO É UMA COISA BOA, EXATAMENTE?

É bom no sentido que Kei-boy se ligou de uma coisa: embora os cenários não sejam tão bonitos quanto dos citados jogos, fazer os cenários com gráficos gerados pelo próprio PS1 tinha uma grande vantagem sobre seus concorrentes, que seria você ter absoluto controle sobre a camera. Normalmente isso é um problema, pq a camera é uma das coisas mais dificeis de acertar em um jogo 3D e raramente vc vai ver eu falando de um jogo 3D pavoroso que não seja mencionado o quanto a camera atrapalha... bem, ver o que vc está fazendo costuma ser importante em um jogo, né?

Aqui, contudo, o diretor usa isso a seu favor e controle da camera é nada menos que magistral. A camera treme e te desorienta quando o jogo QUER que o jogador se sinta desorientado, ela sabe quando ficar parada e quando acompanhar o personagem, quando dar um angulo aberto e quando dar um zoom claustrofobico - novamente, não pq o jogo tá sendo ruim e não te deixando ver direito o que tá acontecendo, e sim pq é a visão artistica do diretor QUER que você jogador se sinta desconfortável e claustrofobico naquela cena em particular. De todas as coisas que eu não lembrava e descobri quando revisitei esse jogo tantos anos depois para esse review é o quanto a camera desse jogo ajuda a passar as emoções que o jogo planejou que o jogador sinta naquele dado momento - seja tensão, seja alivio para dar um respiro, seja intriga para saber o que porra tudo aquilo significa.

Mas eu suponho que já me alonguei muito até aqui, então para encerrar eu vou encapsular tudo que eu disse em um resumo do que é a experiencia de jogar Silent Hill:



O medo pelo sangue tende a criar medo pela carne”, o que a primeira vista pode não fazer porra de sentido nenhum... nem a uma segunda vista... mas é a primeira coisa que o jogo te diz, enquanto cordas trinadas fazem uma serenata para uma introdução que soa como um pesadelo febril e confuso, cheia de imagens que só vão fazer sentido depois de analisar cada fio solto da trama em uma tentativa de juntar o que tudo isso significa. Essa sequência, obvimente sob uma grande influencia de Twin Peaks, vai em uma direção que poucos pares da sua época tentaram, e menos ainda com sucesso (pq chamar LUNACY de "sucesso"... vamo se respeitar, né?)

Tão logo o jogo começa, Harry Mason, nosso protagonista absolutamente comum (ele não é um marine, um super soldado, sequer um policial, ele é apenas um pai procurando sua filha) é saudado pelo primeiro reconhecimento explícito de que algo muito errado não está certo neste lugar: uma pilha de vísceras que é difícil de identificar devido à combinação de poucos poligonos e incerteza sobre do que esse monte de carne foi feito. Ainda assim, você continua. Embora os ângulos fixos da câmera inicialmente pareçam frios e calmos, conforme você se aprofunda, essas tomadas oscilam a cada passo, enquanto a cinematografia enjoativa e voyeurística transmite a sensação de que você está sendo observado por algo horrível.


Então, uma sirene de ataque aereo toca, a névoa cinza dá lugar à escuridão total enquanto o mundo muda inexplicavelmente. "Isso é estranho, está ficando mais escuro", Harry afirma sem graça, sua ingenuidade contrastando com o terror invasor. Você não consegue ver nada além do brilho fraco do seu fósforo, a câmera continua a inclinar, uma cadeira de rodas enferrujada range, há um corpo ensanguentado em uma maca. Pela primeira vez, a trilha sonora mostra suas verdadeiras cores, um clangor metálico irregular e violento aumentando em conjunto com seu próprio medo crescente. Ele aumenta, e há mais camadas de ruído, e a câmera está completamente fora do eixo. Cercas de arame estão encharcadas de sangue. No final da trilha, você vê um corpo. Está envolto em bandagens e mutilado. Harry faz um comentário mais apático que se possa imaginar sobre a visão macabra, suas palavras e inflexão estranhas apenas a sensação que tudo aquilo pode ser apenas um sonho surreal.

De repente, pequenos monstros sem rosto com facas estão em você, e eu literalmente gritei, lutando contra os controles intencionalmente incômodos enquanto eu voltava por esses corredores. Corri e corri, mas o portão estava fechado. Encurralados, eles me agarraram, ou Harry, eu suponho, e o esfaquearam até a morte. Ele acorda assustado. Parecia que era tudo um sonho. Mas ele ainda está nesta cidade misteriosa, e sua filha ainda está desaparecida, acordando de um pesadelo para o outro.


Todas as cutscenes são muito boas, mas essa em particular é provavelmente a melhor de todos os quase 8 mil jogos do PS1

A cena que abre Silent Hill é um retrato perfeito de quase tudo que o jogo faz direito. Os corredores deste beco são definidos o suficiente para serem compreensíveis, mas apenas vagamente. Neblina, escuridão e um efeito de camera fazem com que entender detalhes seja como tentar discernir o que está no preto de uma pintura em claro-escuro, e quando seus olhos finalmente se ajustam ao que está à espreita, nunca é agradável. Mais profundamente, há momentos em que figuras se aproximam lentamente da distância, suas formas quase ilegíveis entrando no quadro como pesadelos que vc apenas vagamente consegue descrever após o café da manhã. 

Sua imaginação sempre preenche o que está borrado ou fora de vista, o que, na maioria das vezes, é um mundo de ferrugem e ferro. Porque semelhante às cercas de arame que o cercam durante a introdução, a estética deste jogo oscila entre retratar uma cidade mundana e sonolenta e um pesadelo feito de metal, sangue e gemidos de uma dor constante pior que a própria morte.

A Colina Silenciosa, senhoras e senhores. Uma fodenda obra prima.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 136 (Fevereiro de 1999)


EDIÇÃO 138 (Abril de 1999)



MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 059 (Fevereiro de 1999)


EDIÇÃO 061 (Abril de 1999)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 038 (Fevereiro de 1999)