Ontem mesmo, quando eu escrevi sobre HALF-LIFE, eu comentei que o ano de 1998 é frequentemente apontado como um dos - se não "Ô" - maior ano da história dos videogames, e um dos motivos principais disso é que três anos após o lançamento do PS1 os desenvolvedores já estavam agora inteiramente confortaveis com o hardware da Sony e era de botar a chinela pra cantar. Apesar de uma obra prima aqui e acola em 1996 ou 1997 (como FINAL FANTASY TACTICS, de 1997 por exemplo), dá pra dizer que a quinta geração de consoles começou as ganha mesmo em 1998.
E o jogo de hoje é uma prova cabal disso, de um ponto que os desenvolvedores já estavam 100% confortaveis com o PS1 e podiam botar pra brincar todas as ideias maneiras que só poderiam ser feitos em jogos com bonequinhos 3D. Essa é a história de Filtro de Sifão, mas que começa muito antes, em 1994 com o pior jogo do mundo!
Em 1994 a Eidetic começou a desenvolver um jogo de plataforma para o então apenas anunciado Playstation da Sony. A coisa é, como eu já comentei antes, até SUPER MARIO 64 vier e Miyamoto esfregar a giromba na cara de todo mundo, ninguém sabia exatamente como transportar os jogos de plataforma para o mundo 3D - e nessa brincadeira várias tentativas estranhas foram feitas para ver o que funcionava. Estou falando de coisas tipo uns JUMPING FLASH da vida.
Então estava lá a Eidetic - que certamente não é nenhum Miyamoto da vida - tentando descobrir como fazer um jogo de plataforma 3D... e sem a menor noção de como faze-lo. Para adicionar injuria a ofensa, os caras ainda estavam trabalhando com uma franquia com um nome sombrio na história dos videogames, nada menos que o fodendo BUBSY.
BUBSY, o próprio. O monstro, a besta enjaulada com ódio, a lenda.
O resultado disso... bem, eu não falei desse jogo aqui porque nenhuma revista se sujeitou a falar da ABOMINAÇÃO que é esse jogo. Sério, é um jogo tão ruim, mas tão ruim, mas TÃO ruim que eles se NEGARAM a falar dele. As revistas brasileiras se negaram a falar do jogo, esse é o quão ruim essa atrocidade é.
MAS se vc realmente precisa saber, deixo para registro da posteridade analises de mestres que sofreram por nós meros mortais o horror que é Bubsy 3D:
... por todos os deuses antigos e os novos... G-ZuZ no pogobol... bom, basta dizer que tão logo esse jogo estava quase pronto, nas fases finais de desenvolvimento não muito tempo depois sairam as primeiras demos de SUPER MARIO 64 e a reação dos desenvolvedores foi "oooooooooh, então é ASSIM que se faz um jogo de plataforma 3D! Agora faz sentido! ... e a gente está tão fodido, o nosso jogo é um lixo..."
A esse ponto a Eidetic não podia apenas jogar o jogo fora e começar de novo (ou a Accolade que estava financiando isso pariria gatos do mato e arremessaria na bunda deles), então tudo que eles podiam fazer era assumir posição de impacto e esperar pelo pior. E, como dito, o pior veio.
Essa poderia ser o fim da história de um estúdio pequeno e inexperiente que tomou no cu com um jogo horrível (para muitos, deveria ser o fim mesmo), mas esse não é o fim dessa história. A Eidetic decidiu que ao invés de se desesperar e cometer seppuku coletivo (como muitos achavam que eles deveriam), eles iriam fazer algo mais louco ainda, mais insano: sentar a bunda na cadeira e trabalhar que nem uns condenados para serem lembrados como mais do que os caras que fizeram o pior jogo de todos os tempos.
E foi exatamente o que eles fizeram: ao invés de jogar a engine fora (como muitos achavam que eles deveriam), eles sentaram suas bundas peludas e trabalharam dia e noite para consertar aquela joça e fazer daquilo um motor gráfico funcional para um jogo que fosse lembrado como qualquer coisa que não pimenta e coentro em chamas nos olhos de quem jogasse.
A coisa interessante sobre isso é que eles descobriram que enquanto não tinham tempo ($$$) para fazer a parte do pulo funcionar, se eles fizessem um jogo sem pulos todo o resto poderia ser reaproveitado para um jogo - digamos - de tiro por exemplo. A fisica funcionava após alguns ajustes, os códigos dos modelos 3D funcionavam (chão, paredes, toda porra prática). Assim, eles rasparam o dinheiro das poupanças e fizeram um demo funcional de uma tela de um tiroteio dentro de uma estação de metro e apresentaram para Deus e o mundo para que alguém financiasse o projeto inteiro.
Após muito bater de porta em porta e já quase perdendo as esperanças (especialmente ao ouvir infinitos "espera, vocês não são os caras do Bubsy 3D? AHAHAHAHHA"), eles não desistiram de seus sonhos e após muita humilhação e negação, eis que justamente a Sony estava procurando novos talentos para montar seu portfolio e viu algum potencial naqueles caras. Eles então bancaram o desenvolvimento completo desse jogo montado a partir da engine do pior jogo do mundo.
E agora que você sabe da improvavel história de como o pior jogo do mundo deu origem a esse jogo que falamos hoje, suponho que já possa imaginar o que esperar: sim, exatamente isso, um jogo de tiro em terceira pessoa... bastante bom, na verdade. Sim, eu estou dizendo isso a sério, o jogo de tiro baseado na engine de Bubsy 3D É BOM.
Estou tão incrédulo quanto todos vocês duas pessoas e 3/4 que me leem aqui, mas eu não posso dizer que Filtro de Sifão não é um bom jogo pq é. Tem problemas, alguns que incomodaram mais do que eu gostaria, mas pra ruim esse jogo não serve. E é isso que veremos a seguir!
Na metade dos anos 90, com o grande sucesso dos filmes GOLDENEYE 007 e MISSION: IMPOSSIBLE houve um grande boom no genero da espionagem, e essa foi a grande inspiração do time da Eidetic para o seu jogo de tiro. Nossa história aqui é que Syphon Filter conta a história do agente Gabriel Logan, que ao lado de sua parceira Lian Xing, trabalha para uma empresa que se auto denomina "The Agency".
O início do jogo mostra uma missão em que os dois apenas em mais uma terça-feira normal onde estavam encarregados de destruir um laboratório de armas químicas localizado na América Central. Porém a missão não sai totalmente como planejado e um grupo terrorista antecipou o ataque e roubou boa parte das armas que estavam armazenadas no local. Na posse de armamentos capazes de dizimar a população estadunidense, o grupo terrorista começa a planejar sucessivos ataques ao país, e caberá a Gabe e Lian conter a ameaça.
Sendo inspirado nos citados filmes de espionagem da metade dos anos 90, espere então muitas reviravoltas, traições, traições das traições, intriga e personalidades exóticas em uma caça ao grupo terrorista para impedir que eles usem a arma quimica Syphon Filter nos US and A - o que te eval aos mais variados pontos dos Estados Unidos, desde o Central Park até uma base militar no Alaska. A história é contada através de briefings das missões e por inúmeras cutscenes, porque isso era oque todas as crianças descoladas achavam legal em 1999
Alias uma coisa que eu aprecio muito em Filtro de Sifão é que todas as interações NO MEIO DA FASE são opcionais. Quando Lian Xing te liga pra falar com vc e expor o plot no meio da missão vc tem a opção de simplesmente APENAS NÃO ATENDER e assim não parar o jogo se vc não quiser. Vcs não fazem ideia de alegria que isso me dá, pq por mais que eu queira saber a história, poucas coisas na vida me dão mais angustia que o jogo ficar travando o seu boneco e tirando o controle da sua mão no meio da fase. Sério, eu tenho pesadelos com CYBERNATOR (Assault Suit Valken no Japão) por conta disso.
Mas tá, temos então nosso superespião numa trama de superespionagem com um vilão do mal que odeia o bem e uma arma quimica capaz de causar um genocidio. A questão que realmente importa aqui então é: e aí, o jogo é bom? Apertar os botões, é gostosim?
Então... não, mas sim.
Eu explico: como jogo de tiro em terceira pessoa, Syphon Filter é travado e burocrático mesmo para a época. Não apenas o personagem se movimenta com controles de tanque (quando jogos como SPYRO THE DRAGON mostravam que já dava pra ser mais fluído), como o combate é REALMENTE burocrático e eu não estou brincando, manja só essa manga: existem duas barras na tela alem da sua armadura/barra de vida, "target" e "danger".
Quando você trava a mira automática em alguém, a barra de target vai enchendo. Quanto mais cheia, maior a probabilidade do seu tiro acertar o nepomuceno. A barra de danger funciona o oposto: quando o inimigo trava a mira em vc, vc só toma dano depois que ela está cheia.
TÁ, ISSO PARECE TORNAR O JOGO MEIO LENTO, MAS NÃO ACHO TÃO RUIM ASSIM
Isso pq vc está imaginando apenas um duelo 1x1 isolado, Jorge. Só que considere que o jogo não para pra vc fazer duelos, o pau tora direto com dois, três, as vezes quatro bonecos metendo chumbo em você - com efeito, o jogo tem uma fase que se passa no meio de uma guerra civil entre as facções de vilões e não é raro soldados dos dois lados pararem de se matar para meter o pipoco em você. Some a esse sistema burocrático que nosso herói Gabezão da Massa parece que saiu de um survival horror de 1995 de tão lento que ele se mexe - especialmente pra virar pros lados, e eu vou te chocar e dizer que os inimigos não vem em fila indiana aqui.
Isso se torna ainda mais problemático quando o jogo apresenta os inimigos de colete aprova de balas, que ou precisam de vários tiros ou só morrem com um headshot. Sim, o jogo te dá a opção de mirar manualmente, mas imagine que Gabeloso faz isso tão rápido quanto faz qualquer outra coisa e me diga o quão prático mirar na cabeça parece quando tem tres bonecos metendo chumbo em você. Pois é, foi o que eu pensei.
Não é realmente surpreendente que a curva de dificuldade desse jogo é realmente alta, especialmente a partir do ponto que os inimigos de colete são introduzidos já que esse jogo usa o tipo mais injusto de dificuldade contra você: aquela que você não tem as ferramentas para lutar contra!
ESPERA, ESPERA, ESPERA, TEMPO! VOCÊ TINHA DITO QUE ESSE JOGO É BOM!
E é. Bastante.
COMO QUE ELE É BOM SE É UM JOGO DE TIRO QUE A PARTE DE TIRO É BUROCRÁTICA E TRAVADA?!
Muito simples, Jorgessauro: quando este jogo de ação não é um jogo de ação, ele é excelente!
UM JOGO DE AÇÃO QUE NÃO É UM JOGO DE AÇÃO? FICOU MALUCO DE VEZ, EU SABIA QUE ESSE DIA ERA SÓ QUESTÃO DE TEMPO...
Sanidade nunca foi o meu forté, Jorge, mas nessa aqui não é um jogo de ação? Uma palavra muito simples: furtividade. Quando o jogo te permite ir na manha no pew pew pew, ah, meu irmão clube caminhoneiro Shell, a coisa muda totalmente de figura!
Isso porque quando o jogo de tá tempo e equipamento para ser furtivo, as mecanicas de furtividade funcionam mais redondinhas e gostosas do que no próprio METAL GEAR SOLID, saiba você. Eu digo isso pq o sistema de headshot é muito satisfatório (especialmente o som que os inimigos faem, e ler a frase "headshot" quando vc mira dá um quentinho no coração), e o jogo não é escasso em te dar armas legais para isso.
Pistola com silenciador, granada de gás, rifle de sniper com zoom regulavel, rifle de sniper com visão noturna, ou pegar uma metralhadora e passar uma rajada silenciosa de headshot em inimigos alinhados (felizmente todos os guardas tem a mesma altura, agradeço o TOC do RH desse jogo de só contratar pessoas de uma altura especifica), tudo isso é muito satisfatório. Syphon Filter até entra em grandes detalhes sobre suas armas. Você pode dar uma olhada em cada arma e o jogo descreve em profundidade a história daquela arma e por que a agência escolheu usa-la. Conhecimento inútil, mas legal! Pontos de bônus para Syphon Filter!
Mais do que isso, na verdade, o sistema de cobertura funciona realmente bem (bloqueando os tiros, a visão e, mais importante, a barra "danger") e o jogo inclusive te dá um botão para colocar a cabeça fora da cobertura para mirar. Como eu disse, em questão de ferramentas para fazer os inimigos desaparecerem na calada da noite o jogo dá um banho em METAL GEAR SOLID no quesito o quão divertido isso é.
Ajuda bastante que o jogo está sempre tentando coisas novas para manter as coisas interessantes. Em algumas missões vc precisa capturar um alvo fugindo com vida, então vc pode pegar um rifle de sniper e atirar na perna dele enquanto foge, ou então o jogo te coloca em um celeiro em chamas e vc precisa abrir encontrar um caminho.
Ou a já citada fase que acontece durante uma guerra civil entre os bandidos e vc tem que usar um scanner para vasculhar armazens e encontrar cadaveres contaminados sendo contrabandeados enquanto o pau tá torando entre os dois. Mas a minha favorita é uma em que um bandido faz refens, e vc tem que elimina-lo a distancia. Adicione a isso que o jogo não se furta de te dar elementos do cenários para usar (por alguma razão os inimigos adoram parar para atirar perto de latões explosivos ou mesas de produtos quimicos) e temos bastante diversão a ser encontrada por aqui.
Então essa é a coisa: quando SF te permite ser um jogo de furtividade, ele é realmente melhor que METAL GEAR SOLID nisso, especialmente com a critividade das missões. O problema é que isso é cerca de 50% do jogo, a outra metade é um jogo de ação com controles que parecem terem sido exumados do 3DO, e aí é bem menos legal. Tipo bem menos.
Eu gostaria que SF abandonasse a parte da ação e me permitisse jogar inteiramente como um jogo furtivo, pq essa metade do jogo é bem divertida. Espero que foquem mais nisso na continuação... ou que apenas eles concertem a jogabilidade da ação, é isso serviria também. Seja como for, SF é quase uma obra prima, falta muito pouco para chegar lá e eu tenho bastante fé que SF2 será esse jogo!