quarta-feira, 22 de abril de 2020

[AÇÃO GAMES 030] ECCO THE DOLPHIN (Mega Drive, 1993)[#353]



Por muitos e muitos anos, a Sega apanhou calada. Não sem razão, mas a Sega foi esculachada de alto a baixo, ouviu até não poder mais, e então foi zoada mais ainda. A Sega foi esculhambada e motivo de chacota até não poder mais, ela foi servida até não mais conseguir sentar. Enquanto qualquer porcaria que a Nintendo fazia era cantada em prosa e verso, e seus erros passado pano generosamente, a Sega apanhou, apanhou e apanhou mais ainda.


E por um tempo foi divertido. Até o dia que nós quebramos a Sega. 


Em uma terça-feira pela manhã, seu John Sega simplesmente não aguentou mais. Ao ler a milésima reportagem dizendo que as pessoas preferiam jogar Street Fighter 2 a ter a cura do cancer, foi a gota d'água. Enough is enough. Ele não apenas surtou, ele pegou sua banquetinha de ferro (o único movel do seu kitinete) e atirou contra a televisão.

"Ah, vocês acham que os nossos jogos são ruins? VOCÊS ACHAM QUE NOSSOS JOGOS SÃO RUINS?!?", berrou ele para os quadros imaginários na sua parede (ele não tinha dinheiro para comprar quadros de verdade, exceto os do Romero Brito e até mesmo a Sega tem padrões). "Pois eu vou mostrar pra vocês o que é um  jogo ruim, ah se vou! Se é jogos ruins que vocês acham que eu faço, então vamos ver como vocês gostam disso! AHAHAHAHAHAHAHA".

Claro que ninguém levou as ameaças de John Sega muito a sério, afinal a Sega sempre falhava em entregar o que prometia, era capaz da promessa de fazer um jogo ruim saísse até bom. Mas... não dessa vez. Nuvens negras tomaram os céus da Terra dos Videogames, rituais satanicos a muito banidos foram evocados. Em um frenesi de insanidade e raiva a Sega produziu não apenas um jogo ruim, mas uma abominação. Uma monstruosidade que mesmo H.P. Lovecraft não teria coragem de escrever a respeito. Um game feito por nada senão o mais puro e abjeto ódio pelos gamemaníacos.

Uma atrocidade tão hediondamente vil que apenas a sua mera existencia distorce o espaço-tempo em ondas de sofrimento e ranger de dentes. Um jogo que jamais deveria ter sido feito. As vezes eu digo que um jogo ou um anime é uma carta de amor dos seus produtores sobre aquilo que eles estão falando. Pois bem, esse jogo é uma biblia inteira de ódio e misantropia condensada.

Esse jogo é, claro, Ecco - The Dolphin.

Sério, eu já vi jogos ruins, eu já vi jogos mal feitos e mesmo jogos safados - que são propositalmente preguiçosos apenas para tirar dinheiro e foda-se. Porém, eu nunca tinha visto nada como isso. Esse jogo não é um jogo ruim porque ele é mal feito, ele é ruim porque ele é INTENCIONALMENTE ruim. Cada poro dele, cada escolha criativa foi tomada com nada senão ódio pelo jogador. Eu te juro, eu nunca vi nada assim na minha vida. Sabe o que é você jogar o jogo inteiro de boca aberta porque você não acredita no que está diante dos seus olhos? Isso é Ecco - The Dolphin.


Eu sei que olhando assim não parece, esse é um jogo tão bonito de se ver, não é?

Mas não se engane por seu canto de sereia cetacea, Ecco não é nada senão dor e sofrimento. Em primeiro lugar, esse jogo é um compilado de fases labirinticas. Sabe aquelas jogos que você tem que achar a saída e não são apenas ir para a direita? Pois é.

Bem, embora eu não goste desse tipo de level design, eu já joguei vários jogos desse tipo e em nenhum eu disse que ele era ungido com o sangue do anticristo por conta disso. O que tem de diferente aqui? Bastante simples, Ecco é um golfinho. Golfinhos vivem embaixo dagua, logo, o jogo inteiro é embaixo dagua.

TA, MAS NÃO É COMO SE NUNCA TIVESSEM FEITO ISSO ANTES. O JOGO DA PEQUENA SEREIA, POR EXEMPLO, É TODO EMBAIXO DAGUA E ELE É BOM!

Verdade. Só que Ariel, além de ser uma adolescente com a cloaca em chamas (ou seja lá que orgão genital as sereias tenham), é uma sereia. Ecco é um golfinho.

CARA, É A SEGUNDA VEZ QUE VOCÊ RESSALTA ISSO COMO SE FOSSE ALGO IMPORTANTE. O QUE TEM ELE SER UM GOLFINHO?

Golfinhos não são peixes, eles são mamíferos.

TA, OK, MAS O QUE ISSO... NÃO, ESPERA... NÃO, PODE SER... NÃO, ELES NÃO FARIAM ISSO... EU ME RECUSO A ACREDITAR QUE ELES FIZERAM ISSO!

Sim, eles fizeram. Acredite. E para aqueles de vocês que não são a voz na minha cabeça que eu chamo de Jorge e as vezes converso na forma de um boneco de Shy Guy do Mcdonnalds, eis a pegada desse jogo: como mamífero, Ecco precisa respirar ar. O que significa que você precisa ficar pegando ar de tempos em tempos.

Alias em bem pouco tempo, porque Ecco é a porra de um golfinho asmático que fumou a vida toda, porque essa desgraça de merda de bosta do inferno precisa pegar ar mais de uma vez por minuto! Mas que merda de golfinho escroto da porra!

- Oi seu tubarão, tudo bom?
- Tomanocu golfinho, vou te comer porra!
- Eita tuablão desbocado!

Sério, mas sério mesmo, eu quero que você parece e considere que alguém na Sega jogou as fases da água do Sonic e pensou: "Sabe o que mais? A gente devia FAZER UM JOGO INTEIRO DISSO!". Meu deus, cara, quem é que FAZ UM JOGO INTEIRO DE FASE DA ÁGUA DO SONIC? Como alguém pode ser tão doente a este ponto? Hitler não faria isso!

Eu não estou brincando com você, o jogo inteiro é uma enorme coleção de labirintos que você precisa ficar voltando pra pegar ar senão você morre e volta pro começo da fase. E as fases são longas, repletas de puzzles que você precisa fazer em uma ordem muito especifica. Algumas fases podem durar quase UMA HORA e a ultima coisa que você quer é voltar pro começo da fase e ter que fazer tudo de novo porque essa sardinha demente não consegue nadar até a esquina sem ficar sem ar, seu golfinho gordo de merda!

Mas calma que piora. Sim, isso também é sério.

Vamos lá, qual a coisa que os gamers mais odeiam em jogos depois de fases da água - especialmente aquelas onde o seu ar acaba? Sim, exatamente. Missões de escolta. Então porque não fazer metade do jogo ser você escoltar outros golfinhos com a IA mais burra do que se tivesse sido programada pelo Carlos Bolsonaro? Claro, porque não?

É pra você me seguir, não ficar bloqueando meu caminho, seu pedaço de merda comedora de atum!
Então, vejamos... como poderia ficar pior que isso? Porque, sim, é óbvio que o unico objetivo da Sega aqui era te punir de todas as formas possíveis e imaginaveis. Se ela tivesse como ir até a sua casa enfiar um cactus no seu ouvido, ela iria. Pode acreditar nisso.

E de certa forma eles fizeram exatemente isso. Todo mundo sabe que o chip de som do Mega Drive não é algo exatamente... primoroso. Está mais para ser considerado crime de guerra em alguns países. Então, apenas imagine, como será que esse pedaço de hardware que é capaz de produzir sons que variam de unhas arranhando quadro negro a gato no cio, reproduziria o som agudo típico de um golfinho?

Deus, como eu odeio esses critais. Esses cristais bloqueiam o caminho, para desbloquear você precisa encostar em um cristal "de carga" e ganhar UM passe para o cristal sair da frente. Não tem como identificar qual é qual, só indo até eles e foda-se o seu ar. Só que os cristais são extramamente burocráticos, depois que você passou por ele e saiu da tela ele fecha de novo e tem que pegar outra carga para passar de novo... mesmo que você tenha aberto ele a menos de 5 segundos!
 Bem, "enfiar um ferro quente no seu ouvido" é o melhor que eu posso descrever, realmente. Mas ok, o quão grave é esse problema? Quer dizer, o quão frequente é esse som conjurado do próprio inferno? Oh, não muito, apenas... QUE ESSA É A SUA FORMA DE ATAQUE! Sem mentira, se você conseguir terminar esse jogo sem os ouvidos sangrando, parabens, você já descobriu seu poder mutante!

Oh, espere... eu disse terminar o jogo? Ah, eu sou mesmo um bonachão, não sou?

- Dona Baleia Azul, já reparou que a senhora é na verdade roxa?
- Tomanocu golfinho, olha que eu te como!
- Eita baleira desbocada!

Porque é claro que, apenas porque fodam-se todos vocês, esse jogo é a coisa mais dificil de ser jogada na biblioteca do Mega Drive. Não apenas você tem que ficar voltando para pegar ar e respawnando inimigos por conta disso (antigamente os inimigos voltavam se eles saissem da tela, crianças), como seu golfinho gordo e retardado é muito gordo e retardado para conseguir desviar ou atacar a tempo.

Aparentemente toda vida oceanica marinha te odeia e decidiu que quer fornicar com seu respiradouro desesperadamente. Sem mentira, sua barra de vida minuscula não dá para metade das coisas que avançam em você... isso se você não morrer por falta de ar primeiro.

Essa é a parte mais segura da fase

Oh, mas piora, é claro que piora... vamos lá: o Mega Drive tinha, de fato, uma vantagem sobre o Super Nintendo. O processador do Mega Drive era muito mais rápido do que o do SNES, embora ele tivesse menos memória (o que quer dizer que ele aguentava menos informação, mas movimentava a informação que tinha mais rápido). A Nintendo escolheu isso para cortar custos na produção do SNES, e para compensar isso a Nintendo colocava chips em seus cartuchos que dividiam o peso do processamento com o hardware - é como se fosse um addon de CPU para deixar o videogame mais rápido. A grande sacada da Nintendo é que ela usou isso como peça de publicidade, e na época era muito famoso os "chips do SNES que deixavam os jogos melhores", quando eles eram mais muletas para as limitações do console do que qualquer outra coisa. Mas é assim que a publicidade funciona. Enfim, todo mundo ouviu falar do Super FX, do Mode 7 e do DSP-1, mesmo sem saber o que eles faziam exatamente.

Oh, fuck...


A Sega, sendo a Sega, decidiu que dois podiam jogar esse jogo e se espalhou um boato que de Ecco The Dolphin teria um "chip inteligente que regulava a dificuldade do jogo conforme você jogava", e deu até um nome pra ele: "Dynamic Playing Adjustment". Essa tecnologia existia, de fato, em arcades da Sega e consistia em o jogo ajustar o nível de dificuldade conforme sua perfomance (para deixar jogos de corrida e luta mais disputados). Eventualmente essa tecnologia também foi usada em jogos, mas não com um chip milagroso e não em Ecco, posso te garantir. Agora adivinha uma revista que comprou bonitaço a lorota da Sega?

DICA: se você jogar "Dynamic Playing Adjustment" no google, só vai encontrar resultados em português.

O ponto é que Ecco não ajusta nada, e a Sega mentiu descaradamente sobre isso. Na verdade, o criador do jogo disse em entrevista que seu unico objetivo era fazer o jogo mais dificil possível para que as crianças não terminassem em um fim de semana que alugassem na locadora. Bem, dá pra dizer que ele teve bastante sucesso...


Como eu disse, Ecco the Dolphin foi um jogo desenvolvido como nada senão uma peça de ódio contra a humanidade. Tem todas as escolhas de design piores possiveis, tem mentiras da Sega, tem dificuldade que tornam o jogo injogavel, o pacote completo. Se o diabo em pessoa tivesse que desenhar um jogo... não seria Ecco porque ele não é tão cuzão. Deus provavelmente sim.

Mesmo suas qualidades positivas como os gráficos bonitos e a história interessante (tem aliens, golfinhos e viagens no tempo, eu posso respeitar isso) são obliteradas por este crime cometido pela Sega.

Depois de anos sendo servida, a Sega decidiu servir de volta com o mais hediondo e cruel jogo já imaginado pelo ser humano. Pois bem, Sega, este sendo o caso, eu só tenho uma coisa a te dizer:

IT'S ON.

It's very on.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
VERSÃO PARA MEGA DRIVE
Edição 030


VERSÃO PARA SEGA CD
Edição 041


VERSÃO PARA MASTER SYSTEM
Edição 066