terça-feira, 11 de agosto de 2020

[AÇÃO GAMES 051] SECRET OF MANA (SNES, 1994)[#457]





Existem alguns jogos que são... estranhos. Não é algo que eu possa apontar imediatamente o motivo, a mecanica foi bem pensada, os gráficos estão ok, a intenção é boa... mas apenas alguns jogos eu tenho a sensação que alguma coisa está errada nele, que o jogo não saiu da forma que deveria ter sido. Aí eu vou pesquisar o histórico de desenvolvimento dele e BAM:



O melhor exemplo disso é justamente Final Fantasy XV, um jogo que tinha tudo para dar super certo mas que parece estranho e desconjuntado por algum motivo. Quando você pesquisa a história dele, tá lá: dez ano em desenvolvimento, sendo que no terço final do tempo eles tiveram que jogar tudo fora e praticamente começar do zero em uma correria louca. Não é nem que eu não goste do jogo, pelo contrário, mas acho que todos concordamos que ele não é nem de perto tudo que poderia ter sido.

Isso aconteceu muito porque a Square é a menos japonesas das empresas de videogame, eles são tão desorganizados que você juraria que a sede deles é no Brasil. Outro exemplo de como as coisas funcionam lá: quando Final Fantasy 8 foi portado do Playstation 1 para o computador, eles tiveram que fazer um emulador para rodar o jogo no PC e então pegar o código-fonte através de engenharia reversa... PORQUE ELES PERDERAM A PROGRAMAÇÃO DO JOGO! Sim, eles não tinham mais a programação do jogo salva em lugar nenhum, então tiveram que desenvolver niveis de gambiarra para poder reproduzir o jogo que eles mesmos fizeram. Esse é o nível de zona que é a Square.

Porém se você acha que um jogo passar dez anos na gaveta para então ser feito a toque de caixa desabaladamente, saiba que Final Fantasy XV não é nem o primeiro ofensor disso. Falaremos hoje sobre um dos jogos mais azarados da história dos videogames em termo de desenvolvimento: Secret of Mana.

As avris somos nozes

Em 1987, o próximo jogo a ser lançado pela Squaresoft deveria ser fazer era um Action RPG inspirado em Legend of Zelda só que mais focado em história, e esse jogo se chamaria Seiken Densetsu. Porém esse projeto acabou sendo engavetado por um motivo bastante único: a Squaresof estava as portas da falencia porque... bem, porque seus jogos suckeavam mais fortemente que o Kenny se você desse dezão pra ele. A empresa estava empacotando as coisas, e pelas suas contas eles tinham orçamento para lançar apenas mais um jogo. Se esse jogo não desse certo, era GG game over, deu pros coco, flw vlw.

Assim sendo, Hironobu Sakaguchi subiu em cima da mesa e fez um enorme discurso sobre como aquela seria a última oportunidade deles fazerem um jogos. Se essa tentativa falhasse, eles teriam que cometer sabaku ou ser atendentente de konbini dando bom dia para os clientes que não respondem de volta. Então se aquele seria o último jogo deles, eles ao menos cairiam lutando. Eles decidiram fazer o jogo que sempre quiseram fazer, um jogo para olhar e dizer “falhamos, mas falhamos fazendo o nosso melhor e por isso não temos arrependimento nenhum”. Um jogo que seria sua última tentativa de realizar o sonho de ser um produtor de games antes da realidade cobrar a sua dura conta.

Por assim dier... a sua fantasia final.



Todo mundo sabe como essa história se desenrolou: Final Fantasy foi um mega, ultra, blaster sucesso, a Square ganhou mais dinheiro que se tivesse ido no show do milhão e trinta anos depois e quinze “Fantasias Finais” depois (apenas contando a série principal, para não falar dos spin-offs) eles estão aí firmes e fortes.

Mas... eles nunca realmente esqueceram de Seiken Densetsu e era um pet project dentro da Square um dia trazer a luz do dia aquele jogo que nunca acabou saindo. Porém a Square se enveredou pelo nicho dos RPGs e nunca apareceu a oportunidade certa para lançar um jogo mais de ação. Seiken Densetsu até foi lançado como um joguinho para Game Boy, mas todos sabiam que não era isso que eles queriam. O que eles queriam era uma grande oportunidade de fazer um jogo de grande orçamento, um jogo propriamente feito.

Seiken Densetsu 1, para Game Boy
E essa oportunidade surgiu em 1991, quando a Nintendo os procurou porque o drive de CD para o Super Nintendo (feito em parceria com a Sony) estava em estágios avançado de desenvolvimento e a Nintendo queria que o aparelho saísse já com uma biblioteca de grandes jogos (PORQUE É ASSIM QUE SE FAZ, NÉ SEGA?!). Então era natural procurar a Squaresoft e pedir um joguinho maroto para abalar a boca do balão do SNES CD.

Essa era a grande oportunidade que eles estavam esperando para finalmente tirar Seiken Densetsu do papel e assim a Squaresoft começou toda a fase de pré-produção do jogo: artes conceituais, mapas, história, visual, etc. Eles até contrataram um dos mangakas mais famosos do Japão, Akira Toriyama de Dragon Ball, para ser o ilustrador do jogo afinal em um CD cabem 150 vezes mais informações do que cabem em um cartucho.

Em 2020 o protótipo do SNES CD foi vendido em um leilão por 350 mil dolares. Curiosamente ele usa um cartucho de SNES para dar boot no drive de CD, provavelmente isso seria resolvido na versão final

Oh boy, esse jogo seria grande, seria épico, seria a coisa mais inacreditavel de todos os tempos! Teria varios continentes, teria magia, teria tecnologia, teria viagem no tempo, teria cutscenes em anime, teria MAIS DE UMA DEZENA DE FINAIS DIFERENTES, teria tudo! Seria o jogo dos jogos, afinal que espécie de anta energumina retardada burra da porra ve a oportunidade de fazer um jogo em CD e faz apenas um jogo igual ao que era em cartucho? NÉ SEGA?!?!

Sim, Seiken Densetsu seria um jogão da porra e marcaria o SNES CD como o rei absoluto dos videogames...

... se não tivesse dado tudo errado. Como todo mundo sabe também, a parceria da Sony com a Nintendo fez água, a Nintendo não quis mais saber de dividir os lucros dos cartuchos (como eu expliquei em ESCAPE FROM MONSTER MANOR do 3DO), e a Sony decidiu ela mesma fazer o seu videogame que lesse CDs. O SNES CD nunca saiu do papel e no meio dessa rusga entre as duas a Squaresoft ficou apenas olhando com cara de tacho.



Nesse ponto, a Square tinha duas opções realmente:
a) jogar mais de quase um ano de trabalho fora;
b) cortar o que podia do jogo e lançar ele de qualquer jeito apenas para recuperar uma grana que pudesse;

Obviamente que a escolha tomada foi a B, senão não teria esse texto afinal, porém o interessante é que tiveram que cortar tanta coisa, tiveram que deixar tanto conteúdo de fora que alguém eventualmente comentou “cara, a gente tirou tanta coisa desse jogo que dava pra fazer um jogo inteiro só com o que foi cortado de Seiken Densetsu”. Ao que os chefões da Squaresoft pensaram:



Então eis o que eles decidiram fazer: pegaram as melhores partes de Seiken Densetsu, as que eles achavam mais legais e guardaram para fazer outro jogo, com mais calma e bonitinho. Só que para não ficar sem receber nada até lá, eles pegaram o que sobrou e socaram na correria para fazer um jogo que daria alguma grana só para pagar as contas até o jogo de verdade ficasse pronto.

E assim foi feito. Das melhores partes de Seiken Densetsu nasceu o mais ambicioso jogo da Squaresoft até então, e considerado por muitos o seu melhor jogo até hoje: Chrono Trigger com suas viagens no tempo, personagens de Akira Toriyama e trilha sonora do seu melhor compositor, o mito Nobuo Uematsu. Das partes menos vistosas do projeto saiu Seiken Densetsu 2 (contando o joguinho do Game Boy como primeiro), lançado no ocidente com o nome de “Secret of Mana”.

Mas calma que piora: como o objetivo da Square aqui era fazer um caixa o mais rápido possível, não apenas a produção do jogo foi feita a toque de caixa, como a adaptação ocidental dele foi pior ainda. A Squaresoft da América teve menos de trinta dias para traduzir o jogo antes do lançamento ocidental, e teve que fazer isso sem as ferramentas adequadas. Isso porque caracteres japoneses ocupam menos espaço que as palavras com letras ocidentais, então muito do texto do jogo teve que ser cortado porque literalmente não cabia no cartucho. Se você jogar Secret of Mana e tiver a sensação que perdeu alguma coisa da história, que está faltando algo... é porque foi exatamente o que aconteceu.

Deus eu odeio esse sistema de menus...

E é impressionante como, quando você joga Secret of Mana, tem exatamente essa sensação: é um jogo grande e ambicioso, mas que alguma coisa deu errado no meio do caminho. Visualmente, o jogo é um dos jogos mais bonitos do SNES e praticamente quando você pensa em gráficos de 16 bits você está pensando em Secret of Mana. As ideias que a Squaresoft teve sobre como usar camadas sobrepostas para fazer efeitos de transparencia e água no hardware do SNES é impressionante - mesmo hoje água é uma coisa muito dificil de reproduzir em videogames.

A ideia original da Square era fazer um jogo mais focado em ação com elementos de RPG, só que acertar o meio termo entre os dois é uma tarefa que exige uma sintonia delicada e delicadeza leva tempo - algo do que Secret of Mana não dispunha. Isso resulta em um sistema de combate bizarro onde visualmente você controla o seu personagem na tela e ataca como em um jogo de ação, porém a chance desse ataque acertar é calculado em atributos e aleatoriedade como em um RPG.


 Considerando que depois da metade do jogo você precisa concentrar o seu ataque para ele ter eficiencia e isso leva tempo, não é nada, mas nada divertido ver o seu ataque errando mesmo quando no jogo ele deveria ter acertado. A sensação que você fica é que apenas a detecção de hit desse jogo é hedionda, e essa é uma sensação muito frustrante para se ter em um jogo tão bonito (bem, em qualquer jogo, mas esse em particular incmoda mais pelo que ele poderia ter sido).

Quando a mecanica que você queria implementar apenas faz o jogador achar que o jogo não está funcionando direito, bem, alguma coisa não deu certo aí, né champs? Adicione a isso o modo multiplayer e temos um festival de ataques não pegando, outros pegando sem lógica nenhuma, os inimigos tem um tempo de invencibilidade pós hit que não é explicado (eles poderiam ao menos piscar enquanto estão invulneraveis) você apenas ataca e espera pelo melhor. Aí você não sabe se errou porque o inimigo está na invencibilidade pós hit, porque o atributo fez você errar ou porque você erro gameplay-wise mesmo.

É um caos.



Não me entendam errado, eu acho a ideia de tornar os três personagens na tela controlaveis pelo jogador uma coisa espetaculinda e mais jogos deveriam fazer isso. De todas as pessoas do mundo eu serei a última a protestar contra um Zelda-like coop, ou um jRPG cooperativo seja lá como isso poderia funcionar... mas nesse caso você colocar mais gente em um sistema de combate que já não funciona muito bem é apenas colocar mais gente dentro de um prédio que já está em chamas.

Ideia yay, execução bem menos yay. Quero dizer, o multiplayer é a boa ideia, não colocar pessoas em um prédio em chamas. Se bem que depende da pessoa também...

Outra ideia que poderia ter sido pensada se o jogo tivesse sido feito com mais calma é o sistema de magias e mesmo de menus. Seria bastante simples fazer uma hotkey para você equipar itens e magias para usar sem precisar entrar no menu e ficar girando a rodinha para cada personagem. O controle do SNES tinha pelo menos quatro botões sobrando para isso, e tanto é melhor que posteriormente eles adotaram isso nos ports para celular e no remake para a geração atual.

Eu não sei Jorge, mas não te darem magia durante o jogo com a desculpa que a "espada é especial por si só" e ela fazer algo diferente apenas contra o último chefe parece que te passaram a perna, amigão
Porém no SNES o combate flui com uma burocracia RPGzistica, o que mata completamente o proposito de ser um jogo de ação - e mais frustrante ainda jogando multiplayer, porque o jogo trava inteiramente quando qualquer um dos jogadores abre o menu para usar itens ou magia. Esse arranca e para é uma das coisas mais irritantes que tem em videogame, e não era dificil de resolver realmente: para o jogo apenas no singleplayer, no multiplayer deixa rolando a ação enquanto um jogador faz as suas coisas. Novamente, se esse jogo tivesse sido programado com mais calma...

Falando em coisas que são incriveis mas acabaram cagadas por uma programação apressada, temos a IA do jogo. Porque veja, a ideia é morfomenal: se você jogar sozinho, o computador controla os outros dois personagens e você pode programar o comportamento deles em termos de frequencia de ataque e distancia que ficam dos inimigos (quando você quer apenas rushar pelos inimigos, você pode programar os NPCs para não engajarem em combate). No papel isso é muito legal, o tipo de legal que você gostaria de ver mais vezes nos jogos. De verdade.



O problema é que na prática a IA é mais burra do que um Rabite, os teammates tem uma obstinação incrível com encontrar todo e cada canto para enroscar que há no jogo. Adicione a isso pequenas coisas chatas que mostram o quanto o jogo foi rushado e que vão cansando a sua boa vontade para com ele - tem uma quantidade de backtracking enorme para prolongar o jogo (sim, sage da montanha véio safado vou te meter a mão se tu me mandar em mais um lugar da porra seu corno), tem um mapa mundi bem amplo que está vazio e o jogo tem uma relutancia enorme em te dizer onde ir a seguir - você tem que virar o mapão enorme até achar.

Como piece de resistance, ainda tem a lendária Pure Land. Porque a Square apenas perdeu a mão completamente da dificuldade do jogo e do nada você chega lá por volta do nível 40 e com uns 100k de dinheiro - e isso porque eu upei as magias! - mas pra passar você precisa de no minimo nível 80 e gastar 400k em equipamento. E mesmo assim ainda é dificil! De todas as coisas, você esperaria que a Squaresoft ao menos saberia acertar a mão na dificuldade de um RPG (que meio que é a coisa deles fazer, afinal), mas não, a coisa saiu toda esbagaçada.

No jogo de SNES, as armaduras que você compra não alteram o visual do personagem. Algo que foi revisto no remake para a geração atual... com resultados questionaveis

Enfim, tem muitas pequenas coisas que me incomodam. Coisas que os RPGs daquela época já estavam fazendo, então eu tenho que reaknebte questionar por que esse jogo não tinha. Tipo as lojas não darem informações sobre os itens: você não tem idéia do que seus personagens tem equipado, não tem ideia se a armadura nova é melhor ou não, não tem idéia se você já tem quatro itens a menos que tente comprá-lo e a lojista diz que você não pode mais carregar. São as pequenas coisas, sabe?

E isso é realmente uma pena, porque a Square chegou muito, mas muito perto de fazer uma coisa realmente grande aqui. Os gráficos são lindos, a trilha sonora passa a sensação de um mundo idilico de fantasia e tanto, mas tanto esforço foi colocado em imaginar o sistema de magias e as armas que chega a ser triste que isso não funcione realmente. Existem oito espiritos (um para cada semente de mana) que dão três magias cada a garota e a sprite quando despertados (as da sprite são de ataque/status, as da garota de suporte/defesa), e essas magias são diferentes entre si. Não apenas copiar e colar as magias de Final Fantasy (o que teria sido fácil de fazer), mas alguém efetivamente sentou e pensou em 48 magias para colocar nesse jogo!

Isso não é pouca coisa! Além disso as magias tem o seu próprio sistema de evolução, ganhando nível conforme você usa elas. O mesmo se aplica as 8 armas que não apenas são levemente diferentes entre si (tanto em dano quanto alcance, quanto em efeitos secundários das armas) que evoluem conforme são utilizadas. Aumentar não apenas o dano, mas permite quantos niveis de concentração você pode acumular segurando o botão de ataque. Como eu disse é um sistema que não tem igual no Super Nintendo, e um bastante ambicioso.

PROTIP: se você tem regras na sua vila que podem fazer as pessoas serem banidas, certifique-se que todos estão cientes delas
O mesmo se aplica a história do jogo: você consegue sentir que a Square tinha em mente uma aventura épica com personagens carismáticos culminando em uma batalha épica contra um kaiju no topo de uma fortaleza voadora reerguida de uma tecnologia ancestral. Parece bastante épico descrevendo, não? E deveria ter sido mesmo, mas a história é tão picotada por conta do conteúdo que foi retirado que você realmente não se importa.

Basta ver que as melhores ideias que deveriam ter sido utilizadas nesse jogo foram usados em Chrono Trigger, e esse jogo é um deleite atemporal. Nas poucas cenas que os personagens tem eles demonstram alguma personalidade, mas não tem como dizer realmente porque nunca vai muito além do que imaginar o que poderia ter sido.

O jogo dá essa dica que Secret of Mana se passa em um futuro pos apocaliptico do nosso mundo, mas como tantas outras ideais aqui não vai a lugar nenhum realmente
Entretanto nenhum dos problemas de Secret of Mana é estrutural, são coisas pontuais que podem ser fácilmente resolvidas em uma continuação, certo? Então Secret of Mana 2 (ou Seiken Densetsu 3) resolveria esses problemas, certo? Então, a boa notícia é que sim... exceto que Seiken Densetsu 3, criado em 1995, nunca foi lançado fora do Japão até que um remake 3D do jogo fosse feito em 2020 (lançado com o nome de Trials of Mana).

Porra, eu já vi séries que são dificeis de serem gostadas, mas levar mais de trinta anos pra acertar a mão é algum novo tipo de recorde! Eita seriezinha com encosto!

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MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 066 (Setembro de 1999)