Um dos personagens mais antigo desse blog é meu primeiro inimigo, e inimigo declarado de qualquer um que se importe com videogames, Jordan Mechner. Mais conhecido como o responsavel por atrocidades como KARATEKA e... argh... PRINCE OF PERSIA.
Só que uma regra que raramente falha em acontecer, é que o universo tende a permanecer em balanço. Para cada ação, há uma reação. Para cada partícula que nasce, existe uma partícula de carga igual e contrária. E para uma força incomensuravelmente maligna como Jordan Mechner, existe uma força igualmente positiva. E é aqui que entra a história de Will Wright.
Hoje resolvi colocar a capa japonesa antes só pra variar, e porque ela é muito mais legal |
Will Wright era um nerdão da porra nos 70, e como bom nerd que era ele adorava boardgames - especialmente wargames. A coisa é que Will não era exatamente popular, e não tinha com quem jogar realmente de modo que sua maior diversão com war games era passar as tardes no porão montando cenários de combate e organizando as coisas mais do que jogando o jogo em si. Taí um cara com quem eu posso me identificar.
Quando os anos 80 vieram e os microcomputadores (e se chamavam "micro" porque antes disso os computadores eram do tamanho de salas inteiras) se popularizaram com a Apple e o Commodore 64, Will - como tantos outros nerds na época - gravitaram naturalmente para a programação de jogos.
O primeiro jogo que ele fez foi um jogo de navezinha chamada "Raid on Bungeling Bay", que era sobre um helicoptero que tinha que destruir alvos em um mapa. Como dá para ver na imagem abaixo, não é um jogo particularmente digno de nota ou memorável:
Com efeito, até mesmo Will achou isso. Só que programando esse jogo, ele percebeu uma coisa interessante: ele se divertia mais construindo as cidadezinhas dos mapas das fases do que jogando o jogo realmente. Bem, ele gostava de construir cenários e organizar coisas, mas foi então que lhe ocorreu: talvez outras pessoas pudessem se sentir dessa maneira.
Ele então começou a trabalhar em um jogo de construção de cidades (que a principio ele chamou de Micropolis), e com o tempo foi tornando esse jogo mais complexo criando vários sistemas interligados entre si. Como por exemplo a poluição estaria relacionada ao transito, que por sua vez influenciaria na população da cidade porque haveria uma medido invisivel de "qualidade de vida".
Ele aplicou várias teorias de planejamento urbano e modelagem por computador, implementando todas as ideias que estava lendo, mas especialmente tirando do trabalho do professor Jay Forrester do MIT sobre dinâmicas de sistemas urbanos.
Reproduzi a Coréia do Norte em Sim City |
Embora o jogo não pretenda ser realmente um simulador de planejamento urbano, dado que até hoje não existe computador poderoso o suficiente para simular todas as variaveis de uma cidade real, o jogo ainda tem bastante complexidade para a sua época. Manter as zonas residenciais, comerciais e industriais equilibradas e suas necessidades é difícil o suficiente, mas você também precisa lidar com a poluição, o transporte, as necessidades energeticas, o valor da região (as pessoas precisam de areas baratas para morar mas que sejam acessíveis aos locais de trabalho, chamado de "housing costs" no jogo) e criminalidade... é bastante coisa.
Uma coisa que eu percebi é que as cidades sempre lutam com problemas de trânsito, pois é um desafio projetar um sistema de transporte público eficaz que seja capaz de escalar conforme a cidade cresce.
Em 1985, o jogo estava pronto para ser lançado, mas haviam dois problemas. Em primeiro lugar, o nome "Micropolis" já havia sido registrado por uma fabricante de chips. Felizmente isso era fácil de resolver, e assim o jogo passou a ter o nome (muito melhor) de "Sim City).
O segundo problema, entretanto, era bem menos simples de sanar: ele não conseguiu encontrar um parceiro disposto a publicá-lo, já que vender a proposta do jogo exigiria níveis de comunicação e skills de venda que Will não dispunha. Como você convence as pessoas a colocar dinheiro em um jogo de construir cidades não com o objetivo de derrotar nada, mas apenas pelo prazer de administra-la? Em plenos anos 80 como vender um jogo que sequer tinha como "vencer" ?
A resposta mais simples é que você não consegue. Will terminou de programar seu jogo em 1985, mas dois anos depois ninguém havia se interessado em publica-lo. A esse ponto muitos, pra não dizer qualquer um, teria apenas desistido do jogo DEPOIS DE DOIS ANOS e feito outra coisa da vida.
Vou apenas portar aqui uma megalopole de 1 milhão de pessoas só pra te lembrar que você jamais vai conseguir isso |
Entretanto ele manteve uma fé inabalavel no seu Sim Citym e sua fidelidade incrível as suas ideias acabaram convencendo outro programador independente chado Jeff Braun (que aquele ponto fazia pacotes de fontes para o Commodore Amiga) e deu o dinheiro para que eles fundassem uma empresa - o que não resolveria o problema de distribuir Sim City, mas ter uma pessoa jurídica azeitaria as coisas já que facilita várias questões legais do processo. Além disso, Jeff tinha mais expertize em fazer essa parte negocial com empresas de computação.
Assim, a recem fundada empresa deles - a Maxis Software em 1987 - teria menos dificuldade em vemder a ideia de Sim City para alguém distribuir... certo?
Então, não.
Na continuação Sim City 2000, a foi adotada a visão isométrica |
Foi apenas em 1989 - QUATRO ANOS após a conclusão do jogo é que eles conseguiram alguém disposto a colocar uma grana para transformar Sim City em realidade. A coisa realmente ironica disso é que a empresa que teve a visão de que esse tal de Sim City não seria a outra que não a Broadbund Software. Mais conhecida como a empresa do malfadado Jordan Mechner. Sim, foram necessários quatro longos anos batendo de porta em porta e levando não na cara até que a empresa que puniu a humanidade com Karateka e dois sofriveis Prince of Persia tornasse o jogo em realidade.
O universo busca equilibrio das formas mais misteriosas, eu te digo.
Olha só, tirar as unidades de policia faz o ódio ao crime aumentar! ... hã, como é que é, produção? Não é isso que significa? |
Enfim, em Sim City você não constrói realmente a sua cidade prédio por prédio. Na verdade, o que você cria são zoneamentos no terreno onde os edifícios de três tipos diferentes podem ser construídos (industrial, comercial e residencial), mas como prefeito você deve fornecer todos os serviços necessários para viver na cidade (nomeadamente eletricidade e transporte). Construir estradas é barato mas causa poluição e transito, ferrovias representam o transporte publico e praticamente não poluem - só que são mais caras. Para fornecer eletricidade, você precisa primeiro construir uma usina de energia (carvão ou nuclear - novamente, poluição x caro) e, em seguida, linhas de energia para distribuir a eletricidade para sua cidade.
Conforme sua cidade cresce, você também precisa construir outros serviços, como delegacias de polícia e bombeiros, aeroportos e portos marítimos. E também algum entretenimento para seus cidadãos, como parques e estádios. Claro, você não só precisa construir tudo isso para que sua cidade cresça, mas também administrar o orçamento da cidade.
Vou ser bem sincero com vocês: eu nunca entendi direito como fazer dinheiro em Sim City e até hoje só consegui jogar com cheat de dinheiro infinito. O dinheiro que se ganha de impostos não é suficiente para nada, então eu não sei como você realmente administra a cidade contabilmente.
Não apenas você tem que administrar adequadamente seus fundos (seja lá como você faz isso), você também precisa se concentrar em não permitir que o crime e a poluição aumentem ou seus cidadãos, comércio e indústria partirão para pastos melhores . E ainda assim, isso não é o pior que pode acontecer.
Para dar uma apimentada nas coisas, alguns desastres podem acontecer na sua cidade. Porque como diz o grande filósofo moderno Mike Tyson: "Todo mundo tem um plano até levar um murro na boca". Os desastres variam de simples incêndios ou inundações a tipos mais destrutivos, como tornados, terremotos ou até mesmo um monstro estilo kaiju devastando sua cidade (ou o Bowser na versão de Super Nintendo), provocando todos os tipos de explosões. Ou ainda um meltdown das suas usinas nucleares just because.
E se algum desses desastres acontecer, ter corpo de bombeiros ajuda (e muito) porque são eles que apagam os incêndios causados por qualquer desastre. E, se por algum motivo você ficar entediado enquanto joga, você sempre pode ativar um desastre para sacudir as coisas... ou ensinar aos seus moradores o quanto eles deveriam ter sido gratos enquanto tudo estava bem. Bando de ingratos.
De qualquer jeito, você já deve ter percebido que eu estou falando mais do Sim City original (em especial do port para SNES que é melhor que a versão original) e não tanto da sequencia Sim City 2000, e existe um motivo para isso. Essa é a chance que eu vou ter de falar de Sim City, e eu decidi falar sobre o jogo que realmente importa para mim (com efeito, foi um dos jogos que considerei comprar quando tive a chance e acabei optando por Super Metroid)
Eu cresci com o Sim City no SNES, e ainda hoje acredito que o jogo funciona ao que ele se propõe a fazer. A trilha sonora pacífica é perfeita para relaxar e brincar por horas com a sua cidade, a interface é excelente e eu gosto de como os blocos de construção da cidade são perfeitamente siméstricos. Honestamente, Sim City de arruinou o Sim City 2000 para mim. Eu gostei muito do Dr. Wright como seu conselheiro, do sistema de recompensas e da música na versão SNES, e na época eu achei que a complexidade adicional de Sim City 2000 era simplesmente irritante.
Gosto da sinceridade do manual |
Embora hoje eu consiga administrar melhor a complexidade da sequencia, que eu nunca consegui me dar bem é a camera isometrica. Essa visão de lado mata a diversão do jogo para mim, e eu realmente prefiro a camera paradinha onde tudo é quadradinho do que esse diagonal onde é mais livre para construir.
A melhor comparação que pode ser feita do Sim City original é que esse é mais ou menos o equivalente em videogame a brincar com Lego. Sim City é um sandbox para você se divertir com as ferramentas que ele oferece do que uma experiencia narrativa ou algo do tipo. E isso está ok, as vezes um brinquedo é só um brinquedo e não tem nada de errado com isso, pelo contrário.
Essa opinião não é apenas minha, já que a própria Nintendo colocou uma boa grana nisso para que a versão de SNES de Sim City foi um dos títulos lançados junto com o console que junto com SUPER MARIO WORLD, F-ZERO, Pilotwings e Gradius 3 fazem um dos melhores lineups de lançamento de console de todos os tempos.
Barcelona, na Espanha, pesquisou no Google qual era a forma mais eficiente de construir em Sim City e aplicou na vida real |
Quando criança eu sempre soube que alugar Sim City (depois que eu vi a manha de dinheiro infinito na Ação Games) sempre era uma locação de fim de semana segura e que eu teria boas horas com isso. Diabos, com efeito ainda hoje eu tenho Cities Skylines instalado no Steam porque a sensação de começar uma cidade do zero. This is peace, you know?
Depois de Sim City, a Maxis fez algum dinheiro com sequencias (como o próprio Sim City 2000) e outros jogos do genero como Sim Ant (... sim, eu sei), ou SIM EARTH mas nenhum deles reproduziu exatamente o sucesso do original. Não que seja surpreendente, já que após tantos anos a cabeça de Will Wright já estava em outro lugar, em um jogo mais ambicioso ainda do que simular uma cidade.
E se ao invés de simular uma cidade, você simulasse... a vida inteira de uma pessoa? Com emprego, relacionamentos, filhos, rotina e construir sua casa? Muitos diriam que seria impossível gamificar isso, e que ninguém pagaria para jogar um jogo sobre isso... mas não era a primeira vez que ele ouvia algo do tipo. O resultado é que o próximo grande jogo de Will ainda é conhecido e recebe expansões e lançamentos ainda hoje:
Eu não preciso explicar aqui o tamanho do sucesso de The Sims, que de muitas formas rendeu trilhardões a mais do que mesmo Sim City. O que eu talvez deva mencionar é que após isso, Will se propos a fazer um jogo ainda maior, mais ambicioso do que tudo que ele já havia feito antes. Não um simulador de cidade, não um simulador da vida de uma pessoa, mas um simulador... de tudo.
E por tudo eu quero dizer tudo tipo TUDO mesmo: você começa jogando com um organismo unicelular e vai evoluindo até se tornar um animal, então uma tribo, então uma sociedade, então uma civilização, até finalmente a colonização espacial. TUDO mesmo, tudo que existiu e que existirá, o jogo mais ambicioso jamais imaginado por qualquer um em qualquer momento.
O resultado?
Bem, essa é uma (longa) história para outro dia. Mas o ponto aqui é que importante, é saudável para os videogames ter alguém como Will Wright criando jogos. Alguém mais preocupados em altos conceitos do que com a execução em si, alguém tentando levar os videogames um passo além e tornando possível ideias que muitos julgavam sequer serem gamificaveis. Will Wright é o anti-Jordan Mechner, uma força do bem que dedica sua vida a tentar fazer os jogos melhores enquanto midia.
Entendi nada sobre o próximo jogo do Will, manda mais!
Quando eu era criança eu lembro de ter mandado uma carta para a Ação Games sugerindo a ideia de dois jogos que não existiam na época (não que eu soubesse como executa-los, era só a ideia crua mesmo): um seria um jogo de futebol onde você joga como o arbitro, a outra um simulador da vida de uma pessoa. Bem, uma dessas ideias acabou sendo executada e rendeu milhões e milhões a sua publisher Eletronic Arts (que comprou a Maxis em 98). Se a Ação Games tivesse publicado a minha carta eu teria base legal para reclamar alguns desses milhões, damn you Ioio!
E eu tenho certeza que agora a Eletronic Arts vai ler esse post e roubar minha ideia do "modo arbitro" para incluir no próximo FIFA, já estou vendo mais milhões que eu nunca verei...
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