segunda-feira, 6 de novembro de 2023

[#1178][Fev/98] BURNING RANGERS

Sabe qual eu acho que foi o problema da Sega? Tipo, o REAL problema?

OH BOY, LÁ VAMOS NÓS...

Eu não acho que a Sega em algum momento realmente entendeu essa coisa de videogames. Não de verdade. Quer dizer, eles fazem arcades muito bons, mas o real problema foi que eles viveram e morreram acreditando que o segredo do sucesso era apenas portar o jogo do arcade para o console doméstico e esperar as vendas virem. 

Esse é o problema da coisa, sabe. Existe uma diferença muito fundamental entre pagar 50 centavos para jogar 3 minutos, e pagar 50 dolares para jogar 20, 30 horas de um jogo que você compra. E essa é uma diferença que a Sega nunca entendeu.

DO QUE VC TÁ FALANDO CARA, O JOGO DE HOJE NEM PORT DE ARCADE É!

Não é, mas você vê no design da Sega, no modo dela planejar o game design que poderia ser porque essa é a visão que ela tem dos videogames. E é por isso que os jogos dela se sustentam por mais do que alguns minutos. Caso em exemplo de hoje, o último jogo feito pelo Sonic Team para Sega Saturn: Patrulheiros Ardentes!

Eu já contei isso algumas vezes aqui, mas não custa repetir para todo mundo estar na mesma página: SONIC THE HEDGEHOG nunca foi insanamente popular no Japão pq... bem, a versão curta é que os jogos 2D do Sonic são jogos de plataforma medíocres - tirando a Green Hill Zone, que não por acaso é a única fase que os fãs de Sonic lembram. Então quando a era do Saturn veio e o Saturn apanhou mais no ocidente que tapete em dia de faxina, não fazia muito sentido para a Sega focar numa franquia que era popular num lugar onde o Saturn tinha 3% do mercado e os japoneses cagavam.

Até pq o Saturn ia razoavelmente bem no Japão, ou pelo menos ia até ser destroçado pelo fenomeno espaço-temporal de FINAL FANTASY 7, mas enfim. Seja como for, fazia muito mais sentido para a Sega tentar manter o Saturn respirando no Japão do que agradar os americanos, e por isso o Sonic Team não fez nenhum jogo do Sonic para a quinta geração de consoles.


Mas se eles não fizeram jogos do Sonic, eles fizeram o que, então? Bem, essa é a questão, não? Veja, a coisa é que apesar de todas as diferenças que eu tenha com os jogos da Sega, eu não posso negar que Yuji Naka e seus boys e girls magia não eram criativos. Quero dizer, realmente criativos ao ponto que até hoje eu não tenho muita certeza em que categoria eu encaixo NIGHTS INTO THE DREAMS, pq ele é um jogo completamente fora da curva e diferente de qualquer outra coisa que existe.

Agora, esse é um ponto particularmente importante aqui, "diferente" não quer dizer necessariamente bom. NIGHTS INTO THE DREAMS é um jogo curioso e vale a pena entender sua proposta pela excentricidade da coisa, mas eu não iria tão longe a ponto de chama-lo de um grande jogo - como de facto eu não o fiz na review daquele jogo. E pq eu estou falando disso agora, vc pergunta?


Bem, pq o jogo seguinte do Sonic Team para Sega Saturn, Burning Rangers se enquadra na exata mesma descrição. É um jogo muito curioso, vale a pena ser conhecido pela unicidade da sua proposta... mas chama-lo de um GRANDE jogo... eeehhh... não vamos tão longe assim também.

Dito isso, vamos começar do começo: como é usual do ethos arcadiano da Sega, Burning Rangers não tem lá muita história. Os Burning Rangers são um esquadrão de bombeiros futuristas que resgatam pessoas e lidam com chamas da forma com que chamas devem ser adequadamente lidadas: atirando nelas com lasers, é claro! 

... espera, o que? Ah bem, pelo menos o jogo tem uma intro em anime maneirinha e, verdade seja dita, não é a premissa japonesa envolvendo bombeiros mais estúpida que eu já vi (sim, Fire Force, estou olhando pra vc). Mais precisamente ainda, um super sentai de bombeiros com lasers é uma ideia até que maneira, vá lá.

I mean, Fire Force dude...

Vamos lá: nesse jogo você tem a opção de escolher entre um dos dois novos cadetes dos Burning Rangers, Shou ou Tillis... o que muda as cutscenes de anime depois de cada fase, mas não existe diferença mecanica entre os dois. Seja como for, depois de uma fase de tutorial que mostra os (não tantos assim) movimentos disponíveis, você é jogado na primeira fase e o jogo começa.

O objetivo de cada fase é apenas chegar ao fim dela, porém como o layout das fases é absolutamentte caótico (mais sobre isso daqui a pouco), você faz isso ouvindo as instruções da sua operadora-GPS. E por GPS eu estou sendo bem literal aqui, ela diz "vire a direita, vire a esquerda, você está voltando" e coisas assim. O que normalmente tornaria a tarefa bem simples, porém como todo cenário é absolutamente caótico com coisas explodindo e desabando... e com sua camera sendo a maior inimiga já concebida pelo homem... esse jogo é tudo menos simples de navegar.


Como objetivo bonus você também pode salvar sobreviventes no meio da putaria, o que dá pontos e o jogo salva esses dados para comparar com sua run anterior, então se você se importa com pontos... o que é sempre uma aposta segura em um jogo para console em 1998 né... tem isso também.

Seja como for, para dar uma apimenta as coisas o jogo tem um limite de tempo bastante único também: tem uma barra de incendio (eu acho) que vai subindo e só abaixa quando vc apaga algum fogo. Isso quer dizer que se vc ficar muito tempo sem apagar fogo (ou seja, andando perdido em areas que vc já clareou) o percentual enche e seu bomberete vai jogar no Vasco. Isso te obriga a não perder muito tempo com nada, vc tem que continuar sempre avançando pra encontrar novos fogos pra apagar e manter sua barra sob controle.

Falando em perigo, o sistema de energia também é bastante pecúliar nesse jogo. Essencialmente, ele funciona como SONIC THE HEDGEHOG: você coleta cristais (espalhados pela fase ou apagando o fogo), e se você for tocado todos os cristais que coletou caem (e você tem que reuni-los rapidamente antes que desapareçam). Se você sofrer dano sem ter um cristal, você morre. Dado o quão frenético o jogo é, eu meio que entendo que eles usaram o melhor sistema que conheciam para um jogo frenético que não é tão punitivo assim para o jogador, e dado o quanto você precisa correr na moda louca sem enxergar para onde está indo (pq a camera desse jogo, man... mas prometo que já entro nesse mérito), me pareceu uma escolha acertada.


Agora, todas essas coisas consideradas, o aspecto pelo qual Burning Rangers é mais lembrado é por ser uma conquista técnica que puxou os limites do Saturn até onde dava. Os efeitos de iluminação e fogo são realmente impressionantes e de qualidade superior a qualquer coisa que eu lembre ter visto no PS1 ou no  Nintendo 64 até esse ponto. E enquanto o hardware do não conseguia fazer efeitos de transparencia (tornando vidros, agua e coisas assim meio ruins de fazer funcionar no console) o Sonic Team conseguiu dar uns desdobres no hardware para emular esses efeitos satisfatoriamente como nenhum outro jogo do Saturn havia conseguido.

Adicionalmente, as fases acontecem em ambientes abertos massivos que raramente foram tentados no sistema, são fases realmente grandes que carregam bem mais do que a coitada da memória do console consegue aguentar - p jogo leva o sistema ao ponto de ruptura e isso não é figura de linguagem: o pop-up é constante e tem um efeito de tearing na tela muito forte. A taxa de quadros também cai rotineiramente para um dígito. O jogo em geral (e eu estou realmente falando das estruturas dentro do jogo mesmo) parece que vai desmoronar a qualquer momento. Que ainda seja jogável apesar disso é um milagre.

Então vamos recapitular o que temos aqui, sim?


Um jogo que força os limites absolutos do hardware do Saturn em todos os sentidos, uma premissa diferente de qualquer outra coisa, um gameplay dinamico repleto de adrenalina que não te dá tempo para pensar. Individualmente, nenhuma dessas coisas é ruim ou indesejável O problema é que quando você junta todas elas em um único jogo o resultado que você tem é... um arcade. E isso não é bom.

Vê, a coisa de Burning Rangers é que desde o momento que você liga o jogo ele fica desde o primeiro momento "vai vai vai boom vai vai vai patowwwwww vai vai vai". O que, em um arcade, é perfeitamente okay pq vc vai jogar aquilo só 3 minutos mesmo. Em um console doméstico, o jogo não ter um respiro é francamente exaustivo.


Isso em grande parte pq como as chamas são um alvo praticamente imóvel e bombardear o jogador com uma infinidade de inimigos não se encaixaria no tema do jogo, Burning Rangers depende de lançar armadilhas surpresa para criar dificuldade. Antes de uma explosão, haverá um sinal de áudio, como um apito agudo, para alertá-lo sobre um perigo iminente. Às vezes isso funciona, mas se você estiver pedindo instruções a Chris ou apenas tentando descobrir para onde ir em seguida, é muito fácil se distrair e ter algum cano ou vasilha explodindo na sua cara. Pior ainda é quando as paredes desabam porque o sinal para uma parede danificada é muito mais silencioso e muitas vezes você perderá todos os seus cristais ou será sugado para o espaço sideral sem perceber o que aconteceu.

Então o jogo é essencialmente um enorme quick time event que você é obrigado a ficar na pilha prestando atenção em tudo o tempo todo, e isso com limite de tempo. Novamente, funcionaria maravilhosamente em um gameplay de 3 minutos, mas em um jogo doméstico que é suposto durar mais que isso... a Sega jamais parou pra pensar que o que funciona em um arcade não funciona em um console.


Não ajuda muito também que o jogo arregaçar toda capacidade do console com gráficos, efeitos de luz e a porra toda acaba tendo um preço bastante grande na jogabilidade. Pra começar a câmera lutará contra você a cada passo, a cada instante da sua existencia e é, na melhor das hipóteses, funcional. O que rola aqui é que como o jogo é ultradinamico vc precisa se virar em várias direções o tempo todo, e as ferramentas para manejar a camera são muito duras para atenderem as suas demandas.

A distância de visualização também é baixa, tornando fácil se perder ou dar de cara com alguma coisa. Lembrando que nesse jogo a velocidade é essencial, tornando os problemas de navegação ainda piores. Os controles são lentos e pioram à medida que a taxa de quadros cai. Brincar com o direcional e não com o analógico (que não existe no Saturn) também não é a melhor experiencia ever. Definitivamente esse jogo implora por controles analógicos duplos - como o PS1 já tinha nessa época, um para navegar seu personagem outro para controlar a camera.


Então o resumo da coisa é esse: muitas, muitas coisas nesse jogo não funcionam como deveriam - em grande parte por causa do quanto esse jogo exige do hardware do Saturn - mas mesmo que elas funcionassem... Burning Rangers ainda seria um arcade que fica exaustivo depois de 5 minutos pelo próprio design do jogo. E o fato da Sega não ter entendido isso explica muito pq a empresa teve enormes dificuldades em ... bem, em continuar viva, né?

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 128 (Junho de 1998)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 045 (Dezembro de 1997)


Edição 050 (Maio de 1997)


MATÉRIA NA GAMERS
Edição 023 (Outubro de 1997)

Edição 029 (Abril de 1998)