Em fevereiro de 1995, a Squaresoft trouxe ao mundo um RPG Tático deveras ambicioso para o Super Nintendo: um jogo mechas na guerra, mas não uma guerra épica e divertida e sim bastante politica e suja - como as guerras realmente o são - baseada em MOBILE SUIT GUNDAM. Esse viria a ser FRONT MISSION.
RPGs Táticos não são exatamente um genero abundante no Super Nintendo (não que tenhamos ouvido falar, certamente existem centenas que ninguém do lado de cá do meridiano de Greenwich sonha que existe), e jogos que tratam a guerra como um tema pesado são menos ainda. Adicione a isso robozões gigantes e badabim badabang, temos aqui um jogo realmente promissor...
... que é menos divertido do que a premissa poderia sugerir. Em parte porque a Squaresoft não tinha realmente muita experiencia com RPGs Táticos (tanto que eles foram atrás de contratar o time de TACTICS OGRE: Let Us Cling Together para fazer FINAL FANTASY TACTICS), e muito porque o sistema tinha limitações - era um jogo de Super Nintendo, afinal.
É, FRONT MISSION não é um jogo ruim, mas definitivamente não é tão divertido quanto poderiamos esperar dele. Mas hey hey hey, boas nova aos homens de boa vontade: dois anos e meio depois sai a continuação desse jogo não apenas com a equipe da Square totalmente mais experiente em RPGs Táticos (quer dizer, eles fizeram FINAL FANTASY TACTICS e não tem como acertar muito mais do que isso na vida), como o hardware do PS1 permite muito mais do que o Super Nintendo jamais poderia sonhar.
Então seria Missão de Frente Segundo o jogo que todos esperavamos que ele fosse? Bem, sim... e não. Eu digo isso pq enquanto Front Mission 2 é de facto melhor que o seu predecessor em todos os aspectos possíveis, ele também dá um passo para trás a cada dois passos para frente. Então a coisa avança, mas avança cheio de "MAS", e é isso que veremos a seguir.
Pra começar, é necessário dizer que a narrativa de FM2 é MUITO melhor contada que a do primeiro jogo. Mas não é pouca coisa não, e isso tem haver com mais do que o PS1 ter mais tempo de cutscenes que o Super Nintendo. Isso pq no primeiro FRONT MISSION o jogo abre vomitando um infodump na sua cara que vc precisa de um caderninho para anotar quem é quem e que o que é o que. Sério, vou copiar aqui o texto do primeiro jogo só pra dar uma lembrada:
Quer ver? Então segura essa manga: situado em um futuro não muito distante, o jogo se passa na ilha fictícia de Huffman, no Pacífico. Depois de serem acusados de terrorismo após uma explosão que eles não cometeram, Royd Clive e Ryuji Sakata são dispensados da Força de Defesa Terrestre da coalizão. Na realidade, a explosão foi causada por um vilão chamado Driscoll, que também sequestrou a noiva de Royd. Seu objetivo era usar o "atentado terrorisa" como desculpa para quebrar um tratado de paz entre a União da Comunidade da Oceania (OCU) e os Estados Unidos do Novo Continente (USNC), iniciando uma guerra pela ocupação da Ilha Huffman. A maior parte de 'Front Mission' ocorre um ano depois, quando Royd agora é um mercenário trabalhando para o grupo chamado Canyon Crows, alegando estar lá para pôr fim à guerra, mas na verdade buscando vingança contra Driscoll, que ele acredita ser o responsável pela aparente morte de sua noiva.
Uou, calma salsicho! Em apenas um paragrafo são duas facções, uma subfacção e mais uma ilha ficticia que tem toda sua própria politica rolando! Seje menas amigue, seje menas.
A boa noticia é que FM2 conta sua história de uma maneira muito mais organica. Ao invés de apenas vomitar blocos de texto para o jogador decorar, o mundo vai sendo mostrado gradativamente e isso é muito mais fácil de assimilar. Essencialmente o que rola aqui é que existe a OCU (Ocenia Cooperative Union) que é tipo a OTAN desse mundo, uma organização economica e militar composta por vários países, e nossa história começa em uma base da OCU no país fictício de Alordesh.
Acontece que rolou um golpe de estado em Alordesh e você descobre isso do jeito dificil: o novo ditador começou cortando totalmente relações com a OCU e isso inclui tomar a base que nossos heróis estavam alocados. Então a primeira metade do jogo é sobre uma galerinha muito louca - soldados da OCU - fugindo por suas vidas para chegar até a fronteira e tentar sair do país e enquanto são caçados pelos golpistas.
Durante essa road trip cheia de percalços, você vai começando a aprender sobre a real da situação de Alordesh, pq o golpe aconteceu e pq o novo ditador decidiu cortar relações com a OCU. Conforme nossos heróis descobrem que o golpe de estado em Alordesh é apenas parte de um plano maior, eles mudam seu curso e passam a ajudar a resistencia rebelde. E novamente, como eu disse, isso vai sendo revelado gradualmente e de uma forma que ajuda a assimilação das informações.
O aspecto negativo, e aqui entra a parte que eu disse que a Square dá dois passos pra frente e um trás com esse jogo, é que os personagens em si tem o carisma de uma caixa de papelão molhado e isso torna a coisa toda BEM menos interessante do que ela poderia ser. E é até surpreendente que isso venha da Square que é conhecida pelos seus personagens com personalidades bem estabelecidas - mesmo nos tempos que havia uma série limitação de espaço para falas no Super Nintendo, vide FINAL FANTASY 6
E enquanto isso já existia no jogo anterior (apenas com MUITO menos opções e complexidade), o que FM2 trás de novo é o sistema de Action Points. Como o próprio nome indica, todas as ações requerem alguma quantidade de AP para serem usadas. Movimento custa 1 AP por casinha andada (até o máximo conforme o atributo movimentação das pernas do seu mecha), ataque a curta distancia custa 2 AP, ataque a longa distancia custa 6 AP, contraataque custa 2 AP.
Remake para o Switch lançado em 2023, mas apenas os gráficos foram refeitos e nada mais foi mexido |
Isso quer dizer que existe um elemento tático muito mais complexo aqui do que nos outros jogos do genero, pq não é apenas "andar e atacar". Você tem que considerar onde o seu boneco vai parar, por exemplo. Se você está mandando ele numa area em que tem vários inimigos, talvez seja mais interessante não gastar os APs se movendo para dar um ataque e esperar os inimigos virem até vc no turno deles para você ter AP para dar mais de um contraataque. Ou não, talvez tentar matar (ou incapacitar) sem tomar dano seja o que você precisa nessa rodada.
Enfim, deu pra pegar a ideia: Front Mission 2 é um RPG Tático MUITO mais complexo e com muitas mais possibilidades que o anterior, e que a maioria dos outros RPGs Táticos que eu já joguei até então. Digamos que se um jogo como VANDAL HEARTS é um excelente jogo de Damas, Front Mission 2 é uma partida de xadrez.
MAS...
É, eu disse que tinha um "mas", né? Pq tem. Do jeito que eu descrevi, Front Mission 2 seria o RPG Tático mais ambicioso e mais profundo já feito até então, mecanicamente mais complexo que o rei dos RPGs Táticos, FINAL FANTASY TACTICS. MAS CONTUDO POREM TODAVIA ENTRETANTO... tem um "mas", né? Infelizmente tem.
Vê, a coisa é que esse é um RPG Tático. Isso quer dizer que não é certo que seus ataques vão acertar, existe um percentual conforme a arma - mas durante o jogo você trabalha majoritariamente com armas de 60% a 85% de acerto. Então já tem essa margem de erro, só que como eu disse toda série Front Mission é construída sobre o conceito de que os mechas tem 4 partes e o problema é que você não escolhe onde vai acertar.
Então a mecanica do jogo se contrói em uma chance em cima de uma chance: existe uma chance do ataque acertar e em acertando, existe uma chance de acertar na parte que vai ser útil pra o que você quer fazer. Tipo falta apenas um tequinho para quebrar o braço, e todos os tiros vão em qualquer nas pernas e no tronco. Agora suponho que não é tão louco imaginar que isso não funciona tão bem quanto você gostaria que funcionasse... e isso é um problema, heh?
Agora considere isso em um jogo altamente estratégico e mais altamente dificil ainda, e temos um grande exercicio de frustração. Não é absolutamente nada divertido você perder uma luta (que dura pelo menos meia hora cada, normalmente mais) não porque sua estratégia ou customização do mecha estava errada, mas cada ataque rola duas aleatoriedades pra sair como você precisa que ele saia. Mesmo que mais pra frente algumas habilidades de piloto diminuam esse problema, isso é beeeeem pra frente... e as habilidades de piloto também rolam uma chance de ativar ou não!
Adicione alguns controles muito estranhos para escolher para qual quadrado da grade seu Wanzer se move e uma IA aliada totalmente frustrante (estranho que quando é a vez dos inimigos eles não pateteiam tanto quanto seus aliados, e as missões de escolta se resumem a malucos que saem correndo alucinadamente para o meio dos inimigos) e você acabará com um jogo que não chega nem perto de seu potencial total.
Algumas qualidades de vida que já existiam na época (especialmente em RPGs Táticos bons como TACTICS OGRE: Let Us Cling Together e FINAL FANTASY TACTICS) também seriam bem vindas. Tipo custava muito mostrar qual a area de alcance do seu ataque? Pq aqui o que vc tem que fazer é caminhar até o quadrado e selecionar a opção de ataque e só então ver se a arma que você quer está inibida ou disponível, não seria mais fácil só mostrar quantas casas ela alcança quando vc seleciona ela como qualquer outro jogo faz? São coisinhas assim que vão cansando, sabe, e o jogo tem v árias dessas. Várias.
Enfim um RPG tático sobre mechs gigantes pisoteando o campo de batalha deveria ser a coisa mais legal desde a invenção da casquinha de sorvete, mas de alguma forma Front Mission 2 é um exercicio de frustração nos mais diversos níveis. A história é interessante, mas ou ela foi muito mal escrita ou pessimamente traduzida, e mesmo o fã mais tolerante para jogos desajeitados e lentos podem ter dificuldade para suportar o combate absurdamente dependente de RNG.
Eu ainda acho que Front Mission tem no seu coração o necessário para ser um jogo fodendamente incrível... apenas não foi dessa vez. De novo.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 122 (Dezembro de 1997)
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 041 (Agosto de 1997)
Edição 045 (Dezembro de 1997)
Edição 020 (Julho de 1997)