sexta-feira, 10 de novembro de 2023

[#1180][Jul/97] MONSTER RANCHER


 Em 1996, o mundo mudou para sempre. Bem, tecnicamente o mundo está sempre mudando, mas vc entendeu o que eu quero dizer: ocorreu um fenomeno cultural tão grande, tão giganormico, tão unico que as coisas nunca mais foram as mesmas depois dele. E que fenomeno pangalactico foi esse, vc pergunta?


Se você viveu no quadrante do sistema solar nos ultimos 30 anos, provavelmente tem uma ideia do que é Pokemon. E como não teria? Anime, quadrinhos, salgadinhos, filmes, roupas, mochilas, camisetas, app de celular, cuecas, 1489 jogos e spin-offs... o que você puder imaginar, tem um produto de pokemon disso. Eu quero dizer tudo MESMO:

Sem mentira, tem uma exposição de Pokemon no museu Van Goch!

Mas esse texto não é para falar de pokemon, e sim de seus efeitos colaterais: porque se existe um grande produto fazendo um sucesso tão giganormico, é óbvio que todo mundo e a mãe de todo mundo vão tentar surfar na onda.

Sabe quando STREET FIGHTER II: THE WORLD WARRIOR praticamente inventou os jogos de luta como conhecemos hoje e todo mundo começou a atirar seu próprio jogo de luta na parede pra ver o que colava? Então, em 1996 aconteceu a mesma coisa e todo mundo tentou a sorte com essa coisa de "monstros colecionaveis do dia". Tipo, sério, até o estúdio Clamp (que era bem famoso por seus mangas shonen) tentou a sorte com essa coisa de monstros colecionaveis pq vai que cola, né?


Sakura Cardcaptor e Digimon são os exemplos mais bem sucedidos dos pokeclones (e com animes bem melhores tambem), tanto que existem como sua própria coisa até hoje. Mas a toca do coelho vai bem mais fundo que isso e apenas no Brasil tivemos outras tentativas menos comercialmente bem sucedidas, como Medabots ou - um dos mais estranhos do pacote - Bucky (ou Jibaku-kun, no Japão).


Porém se rasparmos o fundo do tacho e então examinar o que restou com um microscópio, o que vai restar é exatamente coisas como Monster Rancher. Sério, eu queria dizer que a concepção de MR é algo mais complexo do que a Sony simplesmente dizendo "ô meu, dou uma grana pra quem fizer um pokemon pra PS1", mas meio que é isso. 

A Tecmo, que a esse ponto já estava com um pé na cova financeiramente, imediatamente pulou na frente gritando "eu eu eu!" pra pegar essa grana da Sony, e assim produziu o pokeclone mais rápido que eles puderam produzir. O que nos leva ao Rancho dos Monstros aqui.

E quando eu digo que Monster Rancher é o pokeclone mais rápido que a Tecmo conseguiu juntar, é pq é exatamente isso que esse jogo é. Quer dizer, ele é essencialmente um raising sim que você joga através de um menu de uma única tela... e 90% do jogo é isso!


Essencialmente vc tem a opção de trabalhar para ganhar dinheiro (o que aumenta um pouco os atributos do seu monstro) ou treinar ele (o que custa dinheiro). Cada existem trabalhos e treinos especificos para cada atributo.

Assim que vc tiver aumentado os status dele o suficiente, vc pode entrar em torneios.


Cada vez que você vence um torneio na quarta semana do mes (o "torneio oficial"), desbloqueia o próximo e após vencer todos os torneios da classe E até a S... é isso o jogo essencialmente. Eu não estava brincando quando disse que eles montaram a coisa mais rápida que dava pra embalar e vender.

A maior parte do seu tempo é gasta em alternar entre ficar aumentando os stats do seu monstro e mandando ele descansar (sendo que isso pode ser substituido por itens quando vc tiver dinheiro para tal), batalhar quando tiver atributos suficients e é isso o jogo.


Bem, sim, tecnicamente o jogo tem os combates, mas não espere muita coisa disso realmente. Tudo que você faz é controlar a distancia que o seu monstro fica do oponente (com L1 e R1) e ativar a habilidade dele. Não é muito uma questão de habilidade manual do jogador e sim de realmente ter os atributos suficientes para causar dano suficiente e não perder muita energia nos ataques adversários.

Para adicionar um pouco d desafio ao jogo, seus monstros tem um tempo de vida limitado - então vc não pode simplesmente aumentar os atributos deles infinitamente. O que vc pode fazer é quando eles chegam na idade "de se aposentar" vc pode congelar ele e depois usa-lo em alguma fusão para adquirir novos monstros, que herdarão alguns dos seus stats (mas não todos). 


Falando em adquirir novos monstros, com certeza essa é a parte pela qual esse jogo é mais lembrado já que a forma com que vc captura monstros é bastante única. Ao invés de jogar um RPG como em Pokemon, vc faz algo bem mais pitoresco: existe um lugar no jogo que ele te pede para abrir o seu Playstation e colocar outros CDs pro console ler.

Cada conjunto de metadados de CD - incluindo CDs de música ou outros jogos - gera monstros especificos. É claro que o jogador não sabe essa tabela, então ele é incentivado a sair catando todos CDs que ele puder colocar as mãos e rodar no aparelho pra ver que bicho sai dele. 


Por exemplo, colocar o CD "Get a Grip" do Aerosmith te dá um Tiger, e "Dirty Deeds Done Cheap" do AC/DC te dá um Suezo. Ou se quiser falar de jogos, MEGA MAN LEGENDS te dá um Eyeguy e FINAL FANTASY 7 (Disco 1) te dá uma Pixie. Vc pegou a ideia da coisa.

Certos CDs especificos ainda resultam em monstros únicos: por exemplo, Tecmo's Deception dá ao jogador Ardebaran, o chefão final do jogo, e alguns álbuns de música natalina darão ao jogador um monstro do tipo "Papai Noel".



O que definitivamente é muito legal e tal, mas por outro lado não é algo taaaaaaao legal assim pq uma vez passada a novidade... o jogo é aquele raising sim bem basicão que eu descrevi anteriormente, então nem adianta animar muito. Adicionalmente, não existem muitos tipos de monstros, são apenas 20 modelos de montros diferentes - o que é incrivelmente pouco para um jogo desse tipo.

Então, é, enquanto Monster Rancher não é um jogo ruim (definitivamente funcionaria como um joguinho de celular ou algo que o valha para passar o tempo na fila do banco), também não é marcante de forma alguma. De todos os jogos já feitos, esse definitivamente é um deles. 

E sabe o que você faz com um dos jogos mais simples e esquecíveis feitos pelo homem? Ora, é claro que sabe! Você faz... um dos animes mais simples e esquecíveis feitos pelo homem, é claro! Duh! Agora, você pode estar se perguntando o quão esquecível é o anime de Monster Rancher, ao que eu te responderei de uma forma bastante simples, mostrando toda energia e interesse que o cantor está colocando na música de abertura desse anime:


Nossa amigo, calma aí, guarde um pouco dessa energia para nós! Mas sério, a vibe de "vou gravar essa merda as 19:15 de sexta feira querendo só ir embora e to gripado, tanto faz" passa bem a energia que o anime todo exala, pq ele é muito um anime "faz qualquer merda ae, tanto faz".

E veja, não é nem que Monster Rancher é um anime ruim pq ele teria que ao menos tentar alguma coisa e falhar pra ser ruim. MR tenta quanto algo que nasceu de executivos pedindo pro chatGPT escrever um roteiro tentaria alguma coisa artisticamente. Ou seja, nada.


MR passou no Brasil na segunda leva de animes, após o impacto inicial da Manchete com Cavaleiros do Zodiaco, o segundo grande boom de animes na TV aberta foi com os clones de Pokemon (que obviamente foi um grande sucesso na Record). Sabe, eu tento não ser muito duro com os animes dessa época e de certa forma cada um deles continua a sua maneira encantador, sendo o que mudou foi mais o que eu aprecio - o que, como adulto é muito diferente do que eu gostava quando criança.

A não tanto tempo atrás eu re-assisti Digimon e Digimon Tamers, por exemplo, e honestamente eu gosto muito mais hoje do que gostava na época pq eu entendo um cadinho mais de temas e compreendo o que eles estavam tentando atingir ali. E mesmo os animes de harem meio bosta, tipo Love Hina ou Tenchi Muyo, bem eu ainda tenho uma nostalgia por eles apesar dos glarantes defeitos.


Agora, Monster Rancher... meua migo... vamos colocar assim, Monster Rancher é uma série volta pada crianças. E por isso eu quero dizer que tudo relacionado a ela é, desde o enredo, ao ritmo, aos personagens, aos temas, ao diálogo e assim por diante.

O que por si só não é um problema, Digimon faz isso só que são adultos escrevendo temas relacionados a crianças. MR tem uma visão mais... simples... das crianças. E por simples, eu quero dizer que é literalmente "faz essa merda aí no piloto automatico e tá mais que bom".


Monster Rancher conta a história de Genki, um garoto que tem o incrível poder de andar de patins em qualquer tipo de terreno - mesmo na areia ou na lama (embora na realidade é mais os animadores não ligando a minima do que um poder realmente). Enfim, nosso herói hiperativo adora Monster Rancher (o jogo do PS1)... ao que eu me pergunto o pq disso, pq esse jogo é legalzinho pra passar o tempo mas não é exatamente algo pelo qual alguém se apaixonaria... e que é transportado para o mundo dos monstros (antes do tropo isekai ser tão usado). 

Lá ele encontra a garota Holly e seu amigo monstro ocular pré-Wazowski, Suezo. Juntos, eles partem em busca do lendário monstro Fênix, para derrotar o malvado Mu e salvar todos os monstros do mal. Ao longo do caminho, eles reúnem outros monstros que aparecem no jogo (alguns apenas em Monster Rancher 2), tornando-se grandes amigos e vivem altas aventuras, yada yada yada.

Pode parecer bobagem hoje, mas na época eu ficava pilhado por ter um PS1 aparecendo na TV. Eu não era uma criança muito brilhante...

Eles fazem amigos onde quer que vão, tanto humanos quanto monstros de todos os tipos, incluindo os vilões redimidos obrigatórios, e geralmente deixam uma esperança reavivada e um espírito de luta renovado em seu rastro. Cada episódio os faz enfrentar um novo inimigo de habilidades temíveis, aprendendo lições valiosas enquanto lutam por suas vidas, embora permaneçam exatamente como sempre foram.

Sim, essa descrição se aplica a essencialmente qualquer desenho animadoo infantil dos anos 90 e vários ainda hoje. Monstros únicos com ataques especiais, vilões que surgem um por vez, cada um com algum esquema, e cada aventura termina em triunfo, mesmo quando a batalha final se aproxima cada vez mais, com alguma moral valiosa para a história. 

Agora pq esse não é um CD de Monster Rancher e sim de Monster 2 Cox... espera, isso soa como Monster To Cocks... ooohh...

O que Monster Rancher faz de especial é... bem pouco na verdade... mas se eu  tivesse que apontar seria que ele tem pequenos momentos dos heróis fazendo coisas cotidianas, no episódio do aniversário de Holly, tem uma a cena em que todos estão brigando pelas almondegas do espaguete, ou o episódio em que todos são enganados para comprar produtos ruins. A maioria dos programas daquela época dificilmente se importava com coisas como mostrar os personagens jantando, mas este tem algumas cenas legais disso.

Ainda sim, é até vão as qualidades desse anime. A implacável falta de controle de volume de Genki é irritante, e ele parece pouco bem mais um garoto mimado do que um herói por quem vc poderia torcer. Claro, não ajuda o diálogo é muito básico, e os roteiros são completamente repetitivas, já que os vilões sempre torcem seus bigodes metafóricos quando o último lacaio sai, porque este derrotará facilmente os heróis mesmo que todos os lacaios anteriores falharam. A configuração é tão simplista, estereotipada e desatualizada mesmo para a época, com todos sendo claramente bons ou claramente ruins, de modo que são chamados de “os maus” como se isso fosse uma raça mesmo. Não fosse o traço da animação, facilmente passaria por um cartoon dos anos 80.

Enfim, a jornada continua a cada episódio e tudo o que acontece é quase totalmente irrelevante para o que acontece a seguir, até a conclusão, onde tem uma grande batalha final (sem violencia alguma, claro) e tudo se resolve. 

Genki dá uma bicuda de patins na cara de um dinossauro para proteger um monstro que acabou de conhecer. Se o anime fosse todo como o primeiro episódio, seria uma experiencia bem mais interessante

A melhor forma que eu posso descrever Monster Rancher é que são 78 episódios de filler, o que mesmo na época não funcionava tão bem assim - dado que esse anime foi basicamente esquecido. E preciso um pouco mais de carne nos ossos ou ao menos tentar alguma coisa, mas a única coisa que MR realmente tenta é lembrar que existe um jogo homonimo para PS1.

E nem isso faz bem, já que o jogo (ao menos o primeiro) não tem nada haver com o anime salvo eles usarem os mesmos monstros. Não que eu ache que seria bom fazer um anime de 78 episódios sobre um raising sim, especialmente nesse caso onde tendo "uma aventura" já é desinteressante o suficiente, imagine ficando em casa cuidando da sua vida...

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 127 (Maio de 1998)