Ao longo de todos esses vários anos nessa indústria vital, eu acumulei algumas opiniões que podem ser consideradas... impopulares, vamos dizer assim.
AH NÃO CARA, NÃO PODE SER! NEM TEM MAIS JOGO DO SONIC, ESSE É UM JOGO EXCLUSIVO DE PLAYSTATION! COMO QUE TU ACHOU UM JEITO DE FALAR MAL DA SEGA?
Então, Jorge, esse não é um texto pra falar da Sega, era de outra opinião impopular. Mas sim, Sonic em 2D nunca foi bom (para maiores informações, vide meu texto sobre SONIC 2). A opinião impopular de hoje é que, bem, eu não realmente acho a arte do Yoshitaka Amano muito boa para jogos. Sim, eu estou dizendo que não acho o design do artista principal de Final Fantasy essa Coca-Cola toda. Podem vaiar agora.
A coisa é a seguinte: Amano é um artista surrealista. Ele faz pinturas. O tipo de merda que as pessoas colocariam em galerias de arte. Ele é extremamente bom em certas coisas que contribuem de forma altamente benéfica para o desenvolvimento do estilo artístico de jogos mas ele não cumpre integralmente os deveres de um artista conceitual em todos os aspectos.
A área onde Amano mais se destaca em termos de contribuições diretas que um designer de arte adiciona ao desenvolvimento de um jogo são os designs de monstros e armaduras/vilões. As armaduras de Garland, Golbez, Exdeath e até mesmo os designs de personagens como Cecil e Kain são 10/10, absolutamente icônicos. FF 12 chamou ele de volta para fazer as armaduras dos juizes e isso resultou em uma das armaduras mais legais de todos os tempos. Então você tem monstros incrivelmente surreais, como os vários chefes finais, os gigantes icônicos ou até mesmo todas as adaptações exclusivas dos monstros clássicos do DnD. Você pode ver o estilo artístico de Amano altamente presente e preservado nas pixelizações do jogo de muitos desses inimigos, e funciona.
Red XIII, Cloud, Caith Sith, Aerith e Barret na concept art de Amano para FINAL FANTASY 7 |
Mas agora passamos para o outro lado da moeda, os personagens. A arte de Amano é altamente estilizada e absolutamente não funciona para humanos. Os rostos são desenhados de forma muito esparsa e com poucos detalhes ou expressão, os traços não são definidos e não fazem nada para comunicar nenhuma informação a respeito daquele personagem.
FINAL FANTASY 5 é provavelmente o caso mais flagrante, onde a Squaresoft ignorou as artes conceituais dele e fez os seus próprios personagens, pq os personagens que ele desenhou se parecem com crianças góticas albinas que acabaram de descobrir que têm câncer terminal. Alguns dos remasters mais recentes de FINAL FANTASY 5 usam essas imagens e ficou uma coisa mais bizarra ainda que prejudica gravemente o tom do jogo.
A Faris de cabelo rosa e blusa verde dos sprites funciona bem melhor |
Isso me leva ao cerne do meu problema com a arte Amano, que é que na maior parte do tempo em vez de ser funcional, sua arte contribui muito pouco com o jogo. O cara é um artista incrivelmente talentoso com um estilo único e obviamente um rockstar no Japão, mas é por causa disso que eu quase posso visualizar a reunião onde ele larga uma pasta com seus desenhos conceituais em cima da mesa, joga o cabelo e sai andando da sala, enquanto os caras realmente encarregados de implementar essas coisas no jogo, transformar isso em gráficos de videogame mesmo, apenas se olham tipo "que porra eu deveria fazer com isso, como isso ajuda? "
Eu entendo ele ser um artista diva demais para qualquer um questionar ou criticar, o que é algo extremamente real no mundo corporativo hierárquico do Japão. E é esse tipo de coisa que me faz pensar que sim, a arte desse cara totalmente pertence a uma galeria ou a ser ensinada nas faculdades de artes, mas em termos de criação de designs de personagens e retratos que realmente cumpram o propósito pretendido e sejam úteis para o desenvolvimento de um jogo? Amano não é muito bom pra isso. Ele é bem ruim nisso, na verdade
Mas sério, quando é pra ser só um artista sem compromisso de criar personagens para jogos, Amano é um monstro |
Tá, mas pq eu estou dando toda essa palestrinha sobre as minhas opiniões sobre o artista responsável pela série Final Fantasy? Bem, pq em 1998 a Atlus tirou Amano da Squaresoft a peso de ouro para ver se emplacava um grande RPG de fantasia no ocidente - já que a série Megami Tensei nunca realmente pegou por aqui. Então eles mais do que contrataram Amano, deram a ele total liberdade para criar o mundo e o resultado disso é esse jogo, Kartia: O Mundo do Destino... cujo título soa bastante pretencioso, e é uma boa ideia do que esperar daqui pra frente.
Na verdade, eu diria que o resultado disso é EXATAMENTE o que você poderia esperar do que aconteceria se um artista diva conceitual tivesse total controle sobre o produto final entregue ao consumidor (que alias provavelmente ficaria horrorizado em ouvir sua obra ser chamada de "produto", em primeiro lugar), mas vamos ver isso mais de perto..
Se eu tivesse que definir em uma palavra, resumiria Kartia como "pretencioso". O que eu quero dizer com isso? Bem, por exemplo, Kartia tem uma história lore absurdamente gigantesca e eu não duvido que se esse jogo tivesse sido bem sucedido, haveriam livros sobre a história desse mundo.
Entretanto esse não é um mundo que vc realmente explora, ele alterna entre cutscenes de dialogo a lá visual novel direto para o combate. E embora eu aprecie o luxo (na época inovador) de poder pular essas longas sequências de diálogo, não há a mais remota possibilidade do jogador entender quem são os personagens ou por que seu diálogo é importante entre as sequências de combate.
Sério, toda vez que esse cara aparecia eu ficava esperando ele dizer "Hey Beavis... heh.... heh heh..." |
O jogo apenas joga nomes na sua cara como se você devesse saber disso desde o começo, e termina que você não faz a mais remota ideia do que significam coisas como o que Enquirers, o que é a Vigilância, Criptografadores e outros termos comuns da tradição, ou o que é a cultura do mundo de Rebus.
Como você não tem a opção de andar pelo mundo, visitar cidades e entender sua cultura em uma escala aproximada, rapidamente você fica entediado e desinteressado do jogo, frequentemente se perguntando: “Quem diabos é Rimazan?” ou “O que é a Terra Cruzada?”, e cada vez que eu me perguntava quem diabos eram aquelas pessoas, do que eles estavam falando ou porque qualquer uma dessas coisas importava, eu podia sentir o olhar artistico de Amano me julgando como o reles plebeu que eu sou por querer, pfff, explicações mundanas.
O jogo quase grita na sua cara "isso é arte, e arte não se explica seu tolo ignóbil!". Bem, pode ser, e de facto eu sou um tolo ignóbil, mas não muda o fato que depois de 20 minutos seu cerebro apenas para de tentar vencer uma luta na qual vc não é bem vindo e vc para de se importar.
Em TACTICS OGRE: Let Us Cling Together, eu disse que o principal problema do jogo é que ele era o capitulo 7 de outros 6 que nunca tinham sido lançados e que você pegava o bonde andando, algo que seriamente comprometia seu entendimento - e logo, imersão na história. Bem, isso é brincadeira de criança do quão dificil é entender esse jogo aqui. Imagine que você está assistindo Neon Genesis Evangelion, mas as únicas cenas que você vê são as da SEELE discutindo suas coisas usando sua própria terminologia e simbolismo religioso. Kartia é essencialmente isso.
A sensação que esse jogo passa é que você está caindo de paraquedas numa grande piada interna que ninguém vai realmente te explicar - e acaba que ninguém explica mesmo, ao passo que depois de algumas horas de jogo minha reação foi simplesmente explodir com essa merda. Tipo isso:
Para propositos desse texto, imagine que eu tenho o talento e a emoção para me expressar da Hayami-chan, sim?
Enfim, espero que tenha dado pra pegar a ideia da coisa. De qualquer forma, esse jogo é um RPG Tático então se pularmos as partes do dialogo ainda teremos um joguinho de tabuleiro de matar bichinhos, certo? ... certo?
E essa é outra coisa do jogo: não existe nenhuam progressão aqui, evolução, nada. Você já tem todas as magias na primeira luta do jogo e continuará com elas até a última. Adicione a isso que conservar Kartia nunca é um problema (vc gasta 1 ou 2 kartias para fazer uma magia, o jogo te dá OITENTA depois de cada luta, sério) e temos um jogo onde vc repete a mesmíssima ação (lançar a magia mais forte que vc tiver) durante VINTE horas. Quarenta se vc jogar as duas campanhas disponíveis, mas eu não vejo pq alguém iria querer fazer isso consigo mesmo. Eu pelo menos tenho a desculpa de uma solidão avassaladora, mas qual a sua?
No fim, esse é um RPG Tático em que você joga com 4 magos (não existem outras classe), não existe estratégia pq a movimentação do inimigo é praticamente livre e se qualquer um dos seus personagens morrer é game over. Some a isso a história mais pedantemente inascessível que eu já vi em um jogo e temos que a única coisa realmente interessante sobre esse jogo é a arte de Amano para os retratos dos personagens, mas não pelos motivos que você pensaria: elas são tão anomalas e tão conceituais que parece que é um mundo onde todo mundo está nos ultimos estagios da quimioterapia
É dificil achar um RPG Tático onde eles conseguem errar absolutamente tudo, mas ta aí, esse é Kartia - um jogo que você nunca ouviu falar na vida, e agora sabe o pq.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 049 (Abril de 1998)
Edição 053 (Agosto de 1998)
Edição 030 (Maio de 1998)