Eu vou propor a premissa de uma história, e você me diz o que acha dela, okay? Vamos lá: existe um agente de operações especiais que é a elite entre a elite do exército americano - imagine uma coisa nem tipo tipo "FBI Open up" e chuta a porta, estou falando de elite nível "o alvo apenas desaparece no meio da noite e nunca mais se ouve falar dele". Mas então a familia desse agente pica das galaxias é morta por terroristas e ele parte em uma missão de vingançaaaaaaaaa!
Então, o que acha da minha premissa?
O QUE EU ACHO É QUE ESSA É A PREMISSA MAIS CLICHÊ DA HISTÓRIA DOS CLICHES QUE JAMAIS CLICHEZOU
Normalmente, sim, você estaria certo, Jorge. Entretanto a história que contaremos hoje não é sobre uma história clichê e sim sobre o paragon original que deu origem a todos os clichês da história da clichêlandia! Então sem mais delongas, com vocês o originalzão, o raíz, o pioneiro de tudo, senhor Thomas Leo Clancy Jr!
Isso sendo dito, vamos começar do começo: Tom Clancy é, provavelmente, o estadunidense mais estadunidense que jamais estadunidou. Sério, quando vc pensa no gringo AMERICA FUCK YEAH, vc está pensando especificamente no Tom Clancy - isso é o quão norte-americano ele é.
Estou falando muito sério, sabe o americano clássico que faz parte dos escoteiros, vai a missa aos domingos e quando ganha seu primeiro grande dinheiro pensa em comprar um time de baseball? (nem mesmo a maioria dos americanos tanka assistir baseball, só os muito raíz mesmo). Esse personagem que parece saído de Springfield como figurante dos Simpsons é Tom Clancy.
E como americano raizaço que era, obviamente que Tomzão da Massa era completamente apaixonado pelo exército e coisas militares. Alias, apaixonado é o Michael Bay, Tom Clancy era um fucking nerd de army porn de marca maior e tranquilamente ele conseguiria passar 5 horas falando das diferenças entre um fuzil AR-15 e um MP4. Sem parar para respirar.
Por isso mesmo, tão logo atingiu a idade Thomas se alistou no exército tão cedo quanto pode para realizar sua grande paixão... o que totalmente não aconteceu pq tinha o pequeno detalhe que ele era míope como um morcego velho. Ele até tentou argumentar que os óculos que ele precisava usar eram tão grossos que contavam como blindagem, mas não colou.
Oh bem, essa é uma das coisas da vida. Thomas então foi para a faculdade no curso de física da Universidade Loyola de Maryland... apenas para descobrir que ser um nerd que gosta de science-stuff não realmente te faz matematicamente inteligente (eu te entendo, Tom, eu te entendo) e ele estava apanhando nas notas mais que tapete em dia de faxina.
Ele então decidiu mudar o seu major para literatura inglesa pq "era um curso mais fácil" (palavras dele, não minhas), e também porque era a chance que ele tinha de ao menos escrever sobre o exército já que ele não podia fazer parte dele.
Assim, Tom seguiu sua vida, casou, passou a administrar a empresa de seguros do avô da sua esposa, você sabe, uma vida americana normal com uma casa de cerquinha branca e all the good stuff. Entretanto, por dentro ele nunca realmente esqueceu da sua grande paixão e apenas como hobbie, começou a escrever ficção nas horas vagas. Que ficção ele escrevia, vc pergunta? Ora o que mais, Army stuff, é claro!
Aquela altura estavamos no coração dos anos 80 e a guerra fria era um tema ainda quente (sim, eu sou engraçadão com jogos de palavras), e algo que fascinava Tom profundamente. Ergo, ele então começou a escrever uma história sobre um oficial soviético que deserta da mãe-russia e foge para o ocidente a bordo de um submarino com tecnologias stealth de ultima geração. Logo, se inicia não apenas uma caçada dos comunistas ao desertor, como todo um incidente diplomático dos americanos lidando com isso.
Parece uma história okay, só que tem um detalhe importante aqui: como eu disse, Thomas era um fucking nerd de exército e tecnologia militar, então seu livro foi escrito levando em consideração especulações diplomáticas e questões tecnicas reais que você não encontraria em um livro comum de ação. E com isso eu quero dizer que Tom era o tipo de cara que escrevia um artigo sobre o míssil MX para a revista Proceedings of the U.S. Naval Institute, isso são níveis realmente hardcore de nerdice militar, eu te digo!
Clancy era um nerdão militar tal que sua escrita incluía detalhes técnicos sobre armamento, submarinos, espionagem, burocracia militar e sobre forças armadas ao ponto que Clancy comentou em uma entrevista em 1986: "Quando conheci o secretário da Marinha, John Lehman, no ano passado, a primeira coisa que ele me perguntou sobre o livro foi: "Quem diabos deu com a lingua nos dentes?"
Esse livro, que ele vendeu os direitos a editora por apenas 5 mil dolares se chamava "A Caçada ao Outubro Vermelho" e se tornou um grande sucesso de vendas. Em pouco tempo, se tornou um sucesso maior ainda no cinema com um filme protagonizado por ninguém menos que Sean Connery... o que gerou também joguinhos altamente sofríveis, alias THE HUNT FOR THE RED OCTOBER foi algo com o que eu sofri nos meus primeiros meses de blog e que me fez reconsiderar totalmente minhas escolhas de vida. Alias uma curiosidade é que Tom Clancy tinha 37 anos quando publicou o livro que mudaria sua vida, o que mostra como nunca é tarde pra começar alguma coisa.
Mas enfim, esse livro (e o seu filme subsequente) abriram portas para Clancy e seu inconfundível estilo nerd-militar porém com um viés bastante definido que os Estados Unidos são uma força para o bem e a esperança do mundo mesmo que o governo em si esteja repleto de homens corruptos e egocentricos que colocam seus interesses acima da grande nação americana, america fuck yeah!
... vocês acharam que eu tava de sacanagem quando disse que esse era o americano mais americano que já americanizou, né?
Conforme Tom Clancy ganhava popularidade, mais contatos ele ganhava dentro dos altos escalões do exército que ficavam emocionados de ver uma história sendo contada pelo seu ponto de vista, com base nos detalhes e rotinas que eles tinham diariamente - assim como os seus problemas, como frequentemente nos livros de Clancy a maior parte da merda vem dos burocratas e políticos fazendo merda que os soldados pagavam com a bunda - mais fidedignas suas histórias se tornavam e isso gerava um circulo virtuoso onde suas histórias ficavam mais realistas e com isso ele ganhava mais fãs dentro do exército que lhe davam detalhes para que elas ficassem ainda mais realistas.
O que nos leva ao começo desse post: Without Remorse é o livro que conta a história de origem de um dos dois personagens favoritos de Tom Clancy no seu universo, John Clark (o outro sendo Jack Ryan, que alias recentemente ganhou sua própria série de TV pela Amazon Prime). E uma vez que vc entende o estilo de Thomas escrever, você sabe mais ou menos o que esperar de Without Remorse.
John, aqui, é um oficial honesto e dedicado que ama o seu país e acredita no seu trabalho, mas então ele perde tudo pelo que inicialmente parece ser um desdobramento da guerra fria (o que era possível ainda na época que o filme foi feito, mas então para o filme de 2021 baseado no livro não é como se as relações dos Estados Unidos com a Russia tivessem melhorado muito de lá pra cá), para então descobrir que na verdade era sobre políticos e burocratas usando a grandiosidade da América como seu joguete pessoal. Mais Tom Clancy que isso, impossível.
Isso é clichê pra caceta? Bem, é, mas então tem que ser considerado que Tom praticamente inventou os clichés, acusar Tom Clancy de ser cliché é tipo acusar Sailor Moon de ser um mahou shoujo cliché ou acusar Dragon Ball de ser um manga shonen cliché. Não, estamos falando aqui do original, do raízão, da fonte mesmo.
Seja como for, no fim da história John Clark está tão putaço com o que rolou que ele propõe a criação de uma força-tarefa de elite internacional para responder ao terrorismo. Um time com os melhores dos melhores dos melhores das forças militares, e que não responderia diretamente a nenhum governo mas receberia informações de inteligencia de todas agências do mundo. Essencialmente, a iniciativa Vingadores versão militaristica.
Essa iniciativa seria a Rainbow, onde Clark seria seu capitão - o que em termos militares tem o código de O6. Nascia Rainbow Six, um livro sobre Clark liderando "a versão mundo real dos Vingadores", vamos dizer assim. Guarde essa informação, pq ela é importante.
Bem, a coisa a respeito do Tião Clancy é que ele não apenas é um cara que gosta de escrever sobre os protocolos militares de evacuação de embaixadas aliadas, mas também um cara que tinha uma grande visão de negócios. Vendo que ele tinha os livros mais quentes de um genero que era muito querido por seus conterraneos (because AMERICA FUCK YEAH!), ele teve duas ideias que não apenas cementariam a riqueza das próximas oito gerações de Clancynhos americanos como são altamente relevantes aos nossos interesses.
Uma foi que em 2008, numa ação meio que sem precedentes, a Ubisoft comprou o nome de Tom Clancy. Para esclarecer, eles não compraram uma licença usar a obra delesimplesmente compraram o nome. Tipo pra sempre, é deles agora. Agora o nome Tom Clancy é propriedade da Ubisoft e se eles quiserem colocar numa linha da manteigas adocicadas, eles podem fazer sem pedir autorização pra ninguém.
Tom Clancy pode ser acusado de muitas coisas, mas o homem trabalhava como um cavalo |
O acordo deu à Ubisoft todos os “direitos de propriedade intelectual sobre o nome Tom Clancy, de forma perpétua e livre de todos os futuros pagamentos de royalties relacionados, para uso em videogames e produtos auxiliares, incluindo livros, filmes e produtos de merchandising relacionados”. Os termos precisos do acordo nunca foram divulgados publicamente e tampouco seus valores, mas parece que Clancy basicamente abriu mão de poder questionar qualquer forma sobre como seu nome seria usado e perdeu quaisquer futuros pagamentos de royalties que pudesse ter ganho com isso, tudo por uma quantia que é provavelmente totalizaram mais milhões do ele teve tempo de gastar (até porque ele veio a falecer apenas 5 anos depois, em 2013).
A Ubisoft disse em um comunicado à imprensa de 2008 que “estima-se que a economia de royalties gerada por esta aquisição tenha um impacto positivo médio no lucro operacional da Ubisoft de um mínimo de cinco milhões de euros por ano” – então está claro que a empresa já estava pagando muito para usar o nome de Tom Clancy. Clancy ainda seria livre para usar seu próprio nome em sua vida pessoal e, mais importante, em seus livros – mas quando se trata de videogames e “produtos auxiliares”, seu nome não era mais seu e é por isso que temos tantas coisas saindo com o nome dele mesmo mais de decada após a sua morte.
A outra coisa relevante que Clancy fez para nossa história é que vendo que seus livros vendiam mais que pão quente chega manteiga derrete e os filmes baseados em seus livros iam muito bem obrigado, ele então pensou "rapaz, tem uns caras ganhando um dinheiro com esses tais de vidjagueims, eras uma heim?". Embora não fosse muuuuito a area dele, ele entendia o suficiente para ver que aquilo ia dar em alguma coisa.
O representante BR no Rainbow Six é o nome mais brasileiro ever, Alejandro Noronha |
A Clancy Interactive Entertainment (empresa que ele fundou para cuidar desses investimentos menos ortodoxos do seu portfolio) então se juntou com uma empresa que já tinha alguma experiencia com games, a Virtus Corp (produtora do jogo para PC favorito de Clancy, a simulação militar The Colony) e assim nasceu a Red Storm Enterteinment. Red Storm, obviamente, é o nome do segundo livro de Tom Clancy e um dos três unicos que não se passam no mesmo universo que todos os demais.
Mas enfim, a Red Storm agora tinha licença para usar um portfolio enorme de material licenciado do Tião com Clancy assumindo o papel de presidente, enquanto Doug Littlejohns (um comodoro aposentado da Marinha Real Britanica que já havia atuado como consultor técnico no jogo SSN, um simulador de submarinos baseado em um livro de Tom Clancy) tornou-se presidente e diretor executivo da Red Storm. Alias, falando de SSN, uma curiosidade sobre ele isso é que o jogo inclui um vídeo de 30 minutos no qual Clancy, Littlejohns e o chefe da sucursal do London Times em Washington, James Adams, discutem as questões estratégicas levantadas pelo jogo. A conversa foi filmada - de todos os lugares possíveis - no Bunker de Ataque Nuclear do Congresso em White Sulphur Springs, Virgínia.
Eu já disse que o Tom Clancy é um baita de um nerd de political-military stuff ou o que?
De 1998 pra cá a turma deu uma encorpada na população do planeta, né |
De qualquer forma, os dois primeiros jogos da Red Storm são okay, mas não muito impressionantes realmente: "Tom Clancy's Politika" é um tipo de jogo de tabuleiro-War digital, e "Dominant Species" é um dos raros jogos da Red Storm que não é baseado nos livros de Tom Clancy, sendo um RTS baseado no jogo de tabuleiro homonimo. São okay, eu acho, mas não é isso que colocaria a Red Storm no mapa realmente.
E o que colocaria então? Bem, uma ideia completamente fora da caixa, eu te digo. Originalmente, a ideia de Red Storm era fazer um FPS normal baseado em Rainbow Six, porém a ideia de um FPS "normal" era profundamente ofensiva aos nerds militares que mandavam na bagaça. Como assim andar em labirintos, ser capaz de tomar 200 tiros, se curar com um health pack e ter armas com munição infinita?
Se eles fizessem isso não apenas Littlejohns improvisaria um pelotão de fusilamento ali mesmo, como o próprio Tom Clancy (que tinha quase nenhum envolvimento com os jogos) baixaria no escritório pra dar uns tiros também. Sério, para um cara que primava justamente pela nerdice técnica dos detalhes militares, era impensavel sua empresa fazer um jogo de tiro comum.
Mas... qual era realmente a outra opção? Fazer um jogo de tiro ultra realista onde as pessoas morrem com um único tiro, a estratégia de invasão era mais importante do que o reflexo rápido no pew pew pew e não apenas a munição que cada arma carrega como o tempo de carregamento é realista e deve ser levado em consideração taticamente?
... espera um pouco ...
Tango down, motherfuckers |
versão N64 |
Na versão de PS1 tentaram tornar a mira mais parecida com os FPS tradicionais, mas meio que o esqueleto do jogo não foi feito pra isso |