quinta-feira, 14 de março de 2024

[#1253][Out/98] SAMURAI SHODOWN 64: Warrior's Rage

No final de 1997, a SNK decidiu finalmente aposentar sua placa de arcades Neo Geo velha de guerra (que havia sido criada em 1990, sete anos e ainda dando no couro) e abraçar a nova geração com um hardware novinho em folha chocolatante para impressionar meninos e meninas pelo país.

E assim nasceu não apenas a placa HYPER NEO GEO 64 (que eu juro que não inventei esse nome, até pq se dependesse de mim teria um "Blaster Plus of Doom" aí), como o jogo que seria o carro chefe da nova tecnologia, SAMURAI SHODOWN 64.

Eu contei toda essa história  na review de SAMURAI SHODOWN 64, obviamente, mas o ponto aqui é que erros foram cometidos - diversos - sendo os principais é que a placa era abusivamente cara (justamente quando as placas da SNK emplacaram por serem baratas com um sistema de cartuchos), e o jogo que vendia ela era... um dos jogos já feitos.

SAMURAI SHODOWN 64 é essencialmente o primeiro jogo de SamSho (o SAMURAI SHODOWN de 1993 mesmo) só que com gráficos 3D. Alguns tapas de modernidade aqui e acolá, mas no cerne era o mesmo jogo de quatro anos atrás. Não é nem que o jogo é ruim, apenas que é um jogo com as mecanicas de QUATRO ANOS antes adaptado para o 3D, meh. O que, obviamente, não se tornou um sucesso de crítica e publico.

Pois muito que bem, passados alguns meses desse evento, a SNK meio que respirou fundo e admitiu sonoramente: "Senhores, não existe outra forma mais branda de colocar isso: fizemos merda". Ou seja, SS64 2 é essencialmente eles mandando um "errei, fui mlk".

E assim sendo, Duelo dos Samurais 64: Guerreiros Boladões foi a forma da SNK correr atrás do prejuízo... embora o ditado deveria ser correr atrás do lucro, pra que alguém iria correr atrás de ter mais prejuízo? Mas enfim, divago.

Esses simbolos capetidicos que aparecem na abertura na verdade são apenas palavras em inglês com uma fonte esquisita, e a mensagem que aparece é:

O SANGUE DO DESTINO
RENASCIDO AGORA
NÃO PODE ME DERRUBAR
NENHUMA LÁGRIMA
VOCÊ PODE VER O SEU OUTRO LADO
SOMOS DIFERENTES OU NÃO?
DIGA-ME
QUAL É A SUA LUZ

Seja como for, nossa história aqui é que quando Amakuza Shirou voltou do inferno (como contado em SAMURAI SHODOWN 4: Amakuza's Revenge), a porta ficou aberta e alguns outros demonios viram a chance de "opa, é agora que eu si consagro!". Entre esses, a história aqui é sobre um demonio chamado "Yugo, o Destruidor", que teve o plano mais a longo prazo da história dos jogos de luta: vinte anos atrás, seus cultistas sequestraram bebês pelo Japão inteiro e implantaram sementes da maldade neles que os tornariam servis a Yugo quando ele viesse para esse mundo, antes de os devolver as suas famílias.

Agora, quando Yugão da Massa veio de facto a esse mundo, ele juntou seus bebês encapirotados (agora com 20 anos de idade) em busca de produzir um corpo perfeito para que ele habitasse esse mundo definitivamente e o dominasse (aparentemente a imigração do inferno pra cá é uma burocracia do caralho e ele tinha só um visto de turista). Como parte feminina, ele escolheu Shiki - que mostra que ele tem um excelente bom gosto, ja que essa é a personagem mais bonita da SNK, IMHO.


Como parte masculina, ele escolheu nosso bom e velho Haomaru do Povo - que mesmo não sendo um dos seus bebês encapetados, é o herói da história e chosen one de carteirinha - e seu plano era juntar os dois para que produzissem o vessel perfeito para ele habitar indefinidamente.

O que em 99,99% das vezes teria funcionado, afinal o capeta dominar o mundo é um preço aceitável a pagar por uma bimbada na personagem mais bonita da SNK, porém Haomaru tem um histórico de preferir sua espada a novinhas (vide seu final desde o primeiro SAMURAI SHODOWN) e senta o sarrafo no tinhoso.

Essa é a história do primeiro jogo. O segundo jogo se passa um ano depois, e essencialmente a ideia é que um monstro que Yugo havia criado para ser seu serviçal ficou de bobeira, um nepomuceno safado chamado Gandara, e ele trás o capetoso de volta mais uma vez para esse mundo. Só que as coisas não saem exatamente como esperado, talvez pq Asgara não parece o necromante mais habilidoso do mundo:


Seja como for, o ritual do nosso Tyrant aqui não sai exatamente perfeito e isso significa que quando Yugo voltou do inferno pela segunda vez, uma coisa veio com ele. E essa coisa seria o demonio Asura, que estava no inferno justamente por causa de Yugo e toda sua existencia se resumia a odiar o filho da puta pq... bem, literalmente ser mandado para o inferno não é o que eu chamaria de uma experiencia agradável.

Assim quando Asura vê Yugo dando o fora do inferno DE NOVO, ele apenas mete um "ah mai tu num vai MERMO" e vem de arrasto. Tendo visto que Haomaru não ia carimbar a passoquinha de Shiki mas nem por decreto e produzir o seu corpo perfeito, então Yugo adota uma nova abordagem dessa vez: ativa seus bebês capirotados preparados para iniciar o maior ritual ever que fundiria o nosso mundo e o inferno, o que era mais dramático mas também resolveria seu problema de visto permanente.

Alguns, por exemplo, tornam-se líderes do Xogunato para executar políticas implacáveis, alguns tornam-se assassinos comuns e outros ainda incitam deliberadamente revolta que dariam em nada senão banhos de sangue. Todo esse dedo no cu e gritaria resulta em surtos de fome e pragas aumentando ainda mais o número de mortos, todos passos necessários a quantidade gigantesca de sacrificios necessários para o ritual de fundir a Terra e o inferno.

Assim, o demonio Asura só manda um "foda-se essa merda, eu só quero é foder os planos desse filho da puta" e se junta aos Samurais na missão de cacetear Yugo e impedir que Samurai Shodown se torne DOOM.

Ufa, é uma história até que bem elaborada para um jogo de luta, mas então é da SNK que estamos falando, se não é para ter uma novela russa no background dos seus jogos de luta eles nem descem pra brincar. De toda forma, a ideia da SNK aqui era fazer uma passagem de bastão e ter Asura como novo protagonista da franquia - um personagem inteiramente novo feito com um visual muito maneiro para cooptar o coração dos jovens ultradinamicos do fim dos anos 90. Tanto que o titulo do jogo em japones é "Samurai Spirits 2: Asura Zanmaden" (algo como "Asura o Caçador de Demonios")

E quer saber? O visual de Asura é maneiro mesmo, e a ideia de um demonio renegado que caça outros demonios é interessante, eu não ironicamente achei essa ideia muito boa. Quer dizer, ela não foi pra frente pq apenas seis pessoas no mundo jogaram esse jogo na época devido aos problemas com o Hyper Neo Geo 64 (que eu expliquei no texto anterior, em SAMURAI SHODOWN 64), mas a ideia em si é maneira mesmo.


Além de Asura, um total de sete novos personagens são adicionados ao jogo além do retorno de todos do jogo anterior, o que já começa dando a esse jogo uma cara muito mais de "Samurai Shodown 5" do que de "remake do primeiro jogo", que foi o grande problema que eu apontei no SAMURAI SHODOWN 64

A maior adição a Samurai Shodown 64 II, entretanto, não são os personagens em si, mas as representações de suas formas Bust e Slash. Introduzida em SAMURAI SHODOWN 3, Slash e Bust eram dois estilos de luta que vc escolhia e que davam movesets e ataques especiais diferentes para um mesmo personagem. Só que enquanto em SAMURAI SHODOWN 3SAMURAI SHODOWN 4: Amakusa's Revenge e SAMURAI SHODOWN 64 isso apenas mudava o moveset e fazia um palet swap nas cores do personagem, Warriors Rage adota uma abordagem artística muito mais drástica. As duas formas são agora extremamente diferentes uma da outra, quase aparecendo como dois personagens inteiramente diferentes em alguns casos.

Asura, por exemplo, em suas versões slash e bust parece visualmente dois personagens diferente e tem movesets diferentes 

A jogabilidade também foi renovada e refinada. O jogo abandonou quase inteiramente a ideia de tentar usar movimentos para frente e para trás no 3D e aqui se foca na jogabilidade 2D padrão como é o que a SNK sabe realmente fazer. Ainda existem movimentos para desviar dando um passo para frente ou para trás, mas em 99% do jogo a coisa é apenas 2D mesmo. 

Outra grande mudança desse jogo para o anterior é que os cenários renderizados em 3D foram completamente eliminados – os cenários agora são .jpg bidimensionais e rolam infinitamente em ambas as direções. Na prática, isso quer dizer que como o jogo não gasta memória renderizando os cenários, sobra memória para os modelos dos personagens terem melhorados, as cores serem muito mais vibrantes (os cenários com os portões japoneses e o da água são lindos pra caceta), e o sangue não parece mais tão chapado, tendo uma estética muito mais satisfatória. 


Várias opções de jogo que não funcionavam tão bem do jogo anterior foram removidas (novamente, pq se baseavam em um jogo de 1993 e já estavam bem datadas), enquanto coisas que funcionavam nos jogos mais recentes da franquia foram trazidas de volta melhoradas. SAMURAI SHODOWN 4: Amakusa's Revenge foi o primeiro jogo da franquia a ter um sistema de combos, e aqui a engine 3D do jogo aprimora essa mecanica fazendo os combos mais fluídos e satisfatórios.

O “Fatal Slash” (terminar a luta com um golpe especial que resultaria em um tipo de fatality samurai) que foi introduzido em SAMURAI SHODOWN 3 foi aprimorado e está mais artistico do que nunca, certamente são os fatalitys mais elegantes dos jogos de luta até então. 

Falando em mais bonito, os ataques especiais também foram transformados em combos muito mais espetaculosos e muitos deles são extremamente impressionantes, de natureza quase cinematográfica, aproveitando os gráficos tridimensionais. Asura invoca correntes do submundo, mantém seu oponente imobilizado e o corta repetidamente. Taizan desenha enormes marcas de kanji que destroem seu oponente. Shiki estrangula seu oponente com as pernas, monta-o sugestivamente e suga sua vida com gemidão do zap (inveja que chama, né?). Hattori Hanzo executa golpes mortais que mostram raios X de vários ossos quebrados, uma decada antes de Mortal Kombat começar a fazer isso.


Só que apesar do jogo ter combos, ele não tenta ser o novo "X-MEN VS STREET FIGHTER" em velocidades ultradinamicas. Samurai Shodown sempre foi um jogo mais lento e tático, tentando representar que os personagens carregam espadas pesadas e são humanos (pelo menos alguns deles são). E esse jogo não apenas respeita o timing da série, como incorpora isso na engine do jogo de uma forma muito interessante.

Embora não seja exatamente BUSHIDO BLADE, claramente a mecanica aqui pega algumas ideias emprestadas e quando você atinge um oponente na mão ou na perna, você causa muito menos dano do que um golpe no corpo. Além disso, quanto mais profundo  o corte (ou seja, mais de perto a espadada), mais dano você causa. Isso cria um cenário onde de perto é muito mais perigoso e uma luta pode acabar em poucos segundos se o golpe encaixar bem. 

Se existe uma tentativa bem sucedida de misturar o sistema único de BUSHIDO BLADE onde não existe barra de vida e seu boneco morre com uma espadada - como uma pessoa morreria - com um jogo de luta tradicional, certamente é essa.

Os personagens são tão diferentes em suas versões Slash e Bust que em uma delas Nakoruru até mesmo luta montada num lobo, pq foda-se

Além disso, quando você se move de maneira estranha, às vezes você tropeça ou perde o equilibrio. Normalmente eu vi isso bastante quando os personagens saltam para trás mais de uma vez. Eu não tenho certeza se essa mecanica para obrigar um jogador que desengaja a abrir a defesa ficou tão maneiro quanto deve ter ficado na cabeça dos desenvolvedores.

No fim do dia, tendo 13 personagens jogaveis (que na prática são 26, pq as formas Slash e Bust são basicamente dois personagens diferentes), melhorias de jogabilidade,  um estilo artistico mais vistoso e um sistema de combos muito melhor definitivamente fazem desse um jogo de luta superior ao seu antecessor. 

Infelizmente, como eu disse, isso é algo que apenas seis pessoas no mundo ficaram sabendo pq os problemas com a placa Hyper Neo Geo 64 resultaram em baixa distribuição desse arcade e a falta de uma versão doméstica fizeram com que ele tenha o reconhecimento que merece. Quer dizer, existe um jogo para PS1 chamado "Samurai Shodown: Warriors Rage", mas ele não é um port desse jogo e sim um jogo inteiramente diferente.

Pq a SNK decidiu dar o mesmo nome para um jogo inteiramente diferente é algo que jamais saberemos, porém se foi do desejo subconsciente que esse jogo aqui fosse mais conhecido, isso seria algo que eu totalmente posso entender.


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 056 (Novembro de 1998)