Okay, a de hoje é uma bem curiosa: a Sierra On-Line ficou famosa nos anos 90 por não apenas seus jogos point'n click, como seus jogos point'n click FELADAPOUTAMENTE dificeis. Sério, dificil do tipo "não clicou no píxel 415A numa tela que vc só passa uma vez", dali a 4 horas o jogo trava pq vc não tem como avançar. Pq foda-se vc, apenas por isso. E várias outras traquinagens do tipo.
Como dá pra ver, eu já joguei alguns point'n click da Sierra nesse blog e não sou particularmente fã da forma com que eles fazem as coisas. Estou falando de jogos como LEISURE SUIT LARRY 5: PASSIONATE PATTI DOES A LITTLE UNDERCOVER WORK ou SPACE QUEST 6: Roger Wilco in the Spinal Frontier, eles são okay, apenas não é o meu copo de chá favorito para jogos do genero - o que não tem como não comparar com o estilo mais light e engraçadalho da sua maior competidora pelo trono dos Point'n Click dos anos 90, a Lucas Arts e seus THE SECRET OF MONKEY ISLAND e MANIAC MANSION: Day of Tentacle.
Mas toda essa discussão, agora no final de 1998, estava bem irrelevante já que Point'n Clicks estavam abraçados com os Beat'm Ups de generos que já deram o que tinham pra dar e caminhavam a passos largos para ir jogar no Vasco. Para a Lucas Arts isso era ruim, mas não era o fim do mundo já que seu desenvolvimento de jogos era apenas um braço das multibilionárias empresas do George Lucas, e eles se focaram em fazer FPS, jogos de nave e outros jogos baseados nas franquias da empresa (como Star Wars: Dark Forces e Star Wars Rebel Assault 2).
Para a Sierra, entretanto, as coisas estavam um pouco mais complicadas. Como a fonte de renda dos Point'n Click secava a cada dia, eles chegaram no final de 1998 na seguinte situação:
Como a definição de insanidade é repetir as mesmas coisas e esperar resultados diferentes, a Sierra tentou algo de facto diferente: pegou uma das suas franquias de point'n click e tentou algo mais popular com ela. E é sobre isso que veremos hoje.
Police Quest é uma das mais antigas franquias de Point'n Click, cujo primeiro jogo saiu em 1987:
Mas muito que bem, o que nos remete ao ano de 1995 quando a Sierra lançou uma nova interação da série, Police Quest: Swat, que é um daqueles point'n click com imagens filmadas - o que era moda na época com jogos como
Roberta Williams' PHANTASMAGORIA ou
UNDER A KILLING MOON.
O que então nos remete ao ano de 1998 e o começo do texto, que é quando a Sierra estava mal das grana e tentou uma coisa mais popular com os jovens ultradinamicos da época do que Point'n Click, e então temos que Police Quest: Swat 2 largou inteiramente o genero e passou a ser um RTS. Pq, vc sabe, com o sucesso de jogos como
COMMAND & CONQUER: Tiberian Dawn ou
STARCRAFT a Sierra tentou a sorte transformando essa franquia em um RTS.
Certo, a próxima pergunta que deve ser feita então é: esse é um real time strategy bom?
Então... marromenos. Isso pq a Sierra teve uma ideia inteligente aqui: ao invés de apenas fazer um RTS de tirinho pew pew pow pow que sumiria em comparação com outros RTS de tirinho pew pew pow pow como
COMMAND AND CONQUER: Red Alert, eles foram por uma abordagem inteiramente diferente.
Swat tenta ser mais um "simulador de policia" do que um jogo de tiro, porrada e bomba realmente. Isso quer dizer que vc tem que seguir as diretrizes da policia: só matar se for extremamente necessário e em ultimo caso, evitar que todo mundo se machuque o máximo possível (inclusive os bandidos, que quanto mais inteiros forem capturados melhor), evitar destruição a propriedade tanto quanto possível e outras coisas que um policial da vida real precisa se preocupar.
Caso você não atenda esses parametros, não apenas a premiação em dinheiro (ou o fundo de orçamento da SWAT, no caso) é diminuida e vc precisa desse dinheiro para comprar equipamento e treinar seus policiais, como os policiais envolvidos em atos em desacordo com os parametros da corporação são suspensos.
Então na prática esse jogo tem, entre as fases, um outro jogo de administração dos seus recursos e treinamento dos seus agentes, bastante inspirado no que rola com
X-COM: UFO Defense. Vc começa com cadetes meio meme, e precisa treinar eles em especializações, comprar equipamento para eles e todo rugaru de administrar a sua unidade - com o adicional de que alem de se afastar por ferimentos, os policiais tambem podem ficar fora de ação por não agirem policiascamente, como eu disse.
A Sierra fez um trabalho bem legal de pesquisa sobre o que são os procedimentos policiais adequados, e o jogo tem consultoria de Daryl Gates, que foi chefe do Departamento de Policia de Los Angeles de 1978 a 1992 - de modo que eu duvido que seja possível conseguir um consultor que entenda mais do assunto do que esse cara.
Isso por si só torna o gameplay do jogo bem diferente de qualquer outro RTS que havia na época, ou mesmo que eu consigo pensar hoje. Coisas como esperar o bandido sacar a arma para atirar nele (e não, vc sabe, apenas executa-lo a tiros tão logo ele entra na tela), escolher suas armas cuidadosamente para evitar ferir os refens e coisas assim. Para isso, o jogo te dá um arsenal de equipamento digno da SWAT com arietes portateis para arrombar portas, granadas de gas, atiradores de sniper (que só atiram pra matar, então devem ser usados com parcimonia), sirenes de policia para atrair atenção dos bandidos e coisas do tipo - claro que tudo isso custa dinheiro do orçamento da sua unidade, dinheiro que você ganha performando bem nas missões.
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Se o seu sonho sempre foi poder jogar esse meme na forma de um RTS... o que é um sonho bem especifico... não procure mais do que esse jogo. |
Da mesma forma, dinheiro também pode ser usado para treinar seus agentes em habilidades especificas como sniper, especialista em arrombamento ou manuseio das metralhadoras. Nesse aspecto o jogo tem menos opções do que um
X-COM da vida, mas ainda é interessante o suficiente.
É importante dizer que existe ainda um outro modo de jogo, que é jogar com os terroristas, mas na real eu senti que esse modo de jogo é mais um afterthough de ultima hora (pleonasmo biligue, a gente vê por aqui) do que uma campanha realmente pensada. Eu digo isso pq o gameplay dos terroristas é bastante simples, é só ir nos lugares e matar, quase um run'n gun de point'n click, e os terroristas tem bem menos recursos que a SWAT - apenas as armas básicas e olhe lá.
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Cada policial tem uma fotinho aleatória que fica na pasta do jogo em .jpg, então não é dificil editar as fotos para vc colocar as carinhas que vc quiser nos bonecos |
Suponho que poderia ser dito que jogar com os bandidos ser mais dificil e frustrante devido a falta de opções é para representar que o crime não compensa - e dado que esse jogo é endorsado por policiais e tal - mas a real é que eu acho que é menos uma declaração temática e mais apenas que eles socaram um modo basicão de ultima hora pq acharam que a garotada ia achar dahora. Tipo jogar com o DINOSSERO em
JURASSIC PARK de Mega Drive, soa mais legal do que a forma que foi implementado.
Mas bem, agora que estabelecemos sobre O QUE esse jogo é e como ele faz as coisas, a questão que cabe ser feita é o quão bem ele faz as coisas... e é aqui que entra a parte "mais ou menos" do jogo. PQ:S definitivamente é um jogo com as melhores (e mais criativas) intenções do mundo, apenas sua execução... vamos dizer que a Sierra não tinha lá muita experiencia com RTS, e isso é uma coisa que dá pra sentir claramente nesse jogo.
Existem vários equipamentos e abordagens que vc pode assumir nesse jogo, como você pode tentar deter e prender os bandidos, usar cães farejadores, montar ou desarmar armadilhas, e muitos outros. Como eu disse, o realismo e a atenção aos detalhes talvez estivessem muito à frente de seu tempo, já que muitas vezes o jogo não conseguia acompanhar seus próprios sistemas... e é aí que começam os problemas.
Por exemplo, existe um telefone que você pode jogar nos bandidos para permitir o início de um diálogo com o negociador de reféns. Infelizmente, quase sempre os terroristas começam a atirar em você tão logo te veem, então todo esse sistema de jogo é basicamente inútil. Ou então vc tem a dois comandos para interagir: prender ou liberar. O problema é que se você liberar os refens eles apenas saem correndo pela tela e não saem do jogo realmente, então eles podem ser mortos ou se machucar.
A saída para isso é vc prender todo mundo, já que não tem penalidade por deter pessoas erradas. Então se vc ver uma criança de 5 anos correndo pela tela, não tenha dúvida: voz de prisão, algema e camburão. Eu nem to de zoeira, essa é a única forma de garantir que ela não vai se machucar. Como dá pra ver, pelo menos metade dos sistemas do jogo ou não funcionam, ou são tão pouco práticos que vc não tem vantagem nenhuma em fazer daquele jeito. Isso resulta que o jogo pode ser imensamente dificil se vc jogar como acha que deveria jogar, ou ridiculamente macetável se vc deixar essas coisas de lado e se apegar a só ao que funciona.
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Ou apenas o jogo decidir que a granada de gas não funcionou no boneco e foda-se vc |
Além disso, existem várias coisas no jogo que funcionam como deveria funcionar, mas funcionam de uma forma a te lembrar que a Sierra é meio cuzona e mudar o genero do jogo não mudaria isso. Tipo emboscadas que se vc não souber de antemão, não tem como reagir. Civis correndo por aí sendo que as vezes, esses civis são na verdade terroristas e você pode não saber até que eles o matem. Ah, e eu mencionei que o tempo que vc tem antes que os bandidos executem os refens é ALEATÓRIO?
Sério, pode acontecer com 5 segundos de jogo e eu não estou de brincadeira, eu vi acontecer. Suponho que isso é intencional pra representar que vc tá lidando com bandidos despirocados, mas qualé gente, essa foi a pior escolha de design que eu já vi em muito tempo. Uma fase cujo tempo do objetivo é aleatório e sem tempo minimo? Porra Sierra.
Tá, eu entendo que muita coisa aqui que está fora do seu controle para criar um conjunto de incógnitas realista, pq na vida real os agentes da policia nunca sabem se podem estar mortos no segundo seguinte just because, mas isso não necessariamente se reflete em um jogo divertido. Por exemplo, embora ter uma intel perfeita não seja realista, você deveria ter alguma informação sobre o que esperar e se vai precisar de algo especial, como mascaras de gas ou suporte de helicopteros, mas alguns cenários esperam até você descobrir do jeito dificil para então reiniciar e reequipar. Pode ser realista, mas não é exatamente divertido.
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O carro-ariete é muito legal, mas não é uma coisa que tenha muita utilidade no jogo já que entrar pela porta tem o mesmo resultado com os bandidos e te penaliza menos por destruição de patrimonio |
E adicione a isso um RTS onde os controles e a IA dos bonecos não é exatamente boa. Nem mesmo mediana. Por exemplo, SWAT 2 tem como ponto forte a coisa violência não ser a chave, você simplesmente não poder entrar e atirar em todo mundo, tudo muito legal e tal... exceto que a IA dos seus policiais raramente têm idéia de como seguir os procedimentos policiais adequados, a menos que você esteja diretamente clicando neles.
É muito comum o seu boneco ficar parado e não reagir mesmo que terroristas estejam correndo pra cima e pra baixo no nariz dele, ou mesmo atirando nele. QUATRO anos antes, os soldadinhos de
WARCRAFT: Orcs and Humans já tinham uma rotina de programação para reagir quando estivessem sendo atacados mesmo sem vc microgerenciar todo e cada um deles. Aqui não, as coisas só funcionam se vc microgerenciar todo e cada um dos bonecos na tela e se isso por si só não parece divertido, os controles não exatamente ajudam.
Um cenário muito comum nesse jogo: um policial avista um suspeito sem arma em mãos. Você dá voz de prisão para o suspeito. Você pressiona o botão na tela e move o cursor sobre o suspeito. O suspeito saca e aponta uma arma para o policial. Como tudo isso acontece em tempo real, você precisa clicar rapidamente no botão para entrar no modo de disparo e atirar primeiro. Como o computador não precisa se preocupar com botões e cliques, é mais do que provável que o policial esteja saindo em um saco preto. Tudo isto poderia ser evitado se o seu oficial pudesse realizar essas ações imediata e automaticamente à vista de um suspeito. Uma maneira de lidar com isso seria atribuir posições aos policiais que ditassem como eles reagiriam às ameaças.
E eu não estou pedindo nenhuma programação moderna ultradinamica, os RTS da época mesmo já faziam isso. Se vc pegar um peão do próprio
WARCRAFT: Orcs and Humans e clicar em uma mina de ouro, na floresta ou em um inimigo, ele já tem rotinas programadas para como reagir. Vc não precisa dar todas as ordens apertando botões na tela um por um. Vc só clica lá e o boneco tem uma ideia do que fazer, isso num jogo de QUATRO ANOS ANTES.
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O pathfinding dos bonecos nesse jogo é terrível, vc tem que manualmente clicar em cada curva pq sozinhos eles não passam obstaculos. Novamente, RTS dessa época já resolviam isso sozinhos a anos. |
Aqui não, todos os comandos tem que ser dados manualmente clicando na tela, movendo o mouse para clicar no botão e voltando para clicar na tela. E eu suponho que não preciso dizer que o jogo não fica esperando vc lidar com essas interfaces arcaicas mesmo para a época.
Eu entendo que para SWAT 2, a Sierra mirou em intensidade e ação, mas em vez disso, o que temos aqui é um sistema de comando frustrante e uma jogabilidade que não funciona como deveria funcionar. ?Uma solução bem simples que resolveria todos os problemas desse jogo seria fazer um jogo baseado em turnos, exatamente como
X-COM fez e não surpreendentemente, funciona 150x melhor. Mas então, a Sierra optou pelo genero do momento por questões de bolso vazio e fez um jogo incrivelmente ambicioso sem ter muita ideia do que funcionava ou não funcionava nesse genero.
Bem, tal como o jogador jogando o jogo, eles aprenderam do jeito dificil e pra acertar vão ter que refazer a missão, agora melhor informados. Espero realmente que na segunda vez seja melhor, pq as ideias em si são pristinas e chocolatantes, é só conversar melhor essa jogabilidade. "Só".
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 133 (Novembro de 1998)