quarta-feira, 13 de março de 2024

[#1252][Out/98] MEDIEVIL

Eu já comentei isso aqui antes, mas suponho que não seja um take realmente original sobre o assunto, que o dominio do Playstation na quinta geração de videogames era tão amplo quanto foi surpreendente: em 1994 ninguém, nem mesmo a própria Sony em seus sonhos mais molhados, sonhava que em 1998 o Playstation tivesse tomado a ponta do mundo dos videogames de tal forma.

 O dominio da Sony era tão amplo e tão maciço (ainda que pálido diante do que viria a acontecer no futuro com o Playstation 2) que seu esquema só tinha uma única grande fraqueza realmente: a Sony não era, na época, uma produtora de jogos. Isso quer dizer que ela dependia da Eidos soltar um TOMB RAIDER 2 Starring Lara Croft, da Capcom mandar ver no RESIDENT EVIL 2 ou a Squaresoft no FINAL FANTASY 7. Porém esse era o problema: eles dependiam inteiramente dos outros, e essa era a única brecha na armadura perfeita que a Sony construiu para si.


Eles não tinham, por exemplo, um Miyamoto para chamar de seu e lançar petardos exclusivos para o Playstation - eles dependiam que outros de fora sobre o qual eles não tinham nenhum controle na produção o fizessem, e então adquirissem os direitos batendo em todo mundo com sacos de dinheiro. Se tinha algo que a estratégia de mercado da Sony podia melhorar, era nisso (e não tinham muito mais onde pudesse melhorar realmente porque todo o resto estava saindo estelarmente bem).

Assim, ciente disso, a Sony começou a trabalhar para fechar o ultimo gap no seu império trazendo para perto de si (e posteriormente incorporando) empresas que seriam suas second partys e lhe forneceriam jogos indefinidamente. Trinta anos depois, todo mundo sabe quem são os quatro cavaleiros do apocalipse que carregam a Sony e o Playstation até os dias de hoje: a Santa Monica Studio (que viremos a falar no futuro, embora saiba que eles fariam apenas God of War), a Naughty Dog (que entrou para o radar da Sony com CRASH BANDICOOT), a Insominac Games (hoje conhecida por Marvel Spiderman, mas que mudou o patamar do PS1 com SPYRO THE DRAGON) e hoje é dia de falar da ultima dos quatro grandes generais da Sony.

Hoje é dia de falar da empresa mundialmente conhecida pela franquia Horizon: Zero Dawn, a Guerrila Games, e como ela teve seus começos humildes perante a Sony com um hack'n slash curioso lançado em 1998.


Em 2019, Medievil ganhou um remake para PS4, porém o jogo foi criticado na época por só atualizar os gráficos e manter o exato gameplay de um jogo de PS1 de 1998, em suas qualidades mas seus problemas também - que é sobre o que falaremos a seguir

Nossa história aqui é que no ano de 1286, o feiticeiro maligno do mal que odeia o bem Zarok tentou tomar o reino de Gallowmere com seu exército de mortos-vivos. É contado na lenda que o campeão, Sir Daniel Fortesque, liderou o exército do rei a vitória e conseguiu matar Zarok antes que ele sucumbisse aos ferimentos mortais. Cem anos depois, Zarok ressurge para ter sua vingança, e ele nem dá bom dia e já sai lançando um feitiço que ergue todos os mortos da região para criar um novo exército de mortos-vivos e começar a ladaia tudo de novo.

A coisa, entretanto, é que como ele deu CTRL+A e levantou todos presuntos da região, ele também acaba ressuscitando seu antigo inimigo, Sir Daniel Fortesque, que agora mesmo como morto-vivo vai pro pau mais uma vez cacetear Zarok pra ele parar com essas bobagens.

Só que a história fica mais interessante do que isso: acontece que a história de Sir Daniel... hã, não foi bem como ela é contada realmente...

HÃ? COMO ASSIM?

Bem, o que REALMENTE aconteceu com Sir Daniel na batalha contra Zarak foi mais isso:

Aquele ali na frente liderando a investida era o nosso herói. Era. Compreensívelmente, quando o rei de Gallowmere ficou sabendo que na batalha final o grande campeão do seu reino caiu que nem um saco de bosta aos 15 segundos do combate, sua reação foi essencialmente:


O rei então mudou a história e passou a contar que Sir Daniel heroicamente havia derrotado o necromante. Cem anos depois, quando o necromante voltou com memórias confusas do que aconteceu aquela época - morrer é uma experiencia meio traumatica, sabe? - apenas ouviu a versão oficial que Sir Daniel é o seu grande nemesis.

Agora, na pele (ou ossos, no caso) de Sir Daniel, você terá uma segunda chance de fazer ele se provar um verdadeiro campeão e dessa vez não morrer que nem um ejaculação precoce com 15 segundos de combate. Esperamos.

De modo geral, eu realmente gostei da história desse jogo e dá um tom muito charmoso a coisa toda - o que não é algo que eu digo muito frequentemente, histórias em jogos de ação dos anos 90 não são conhecidas pelo esforço dedicado a sua elaboração (menos você, METAL GEAR SOLID). Então começamos bem aqui, ponto para o jogo.


E outra coisa que o jogo ganha pontos, já de largada, é pela sua estética: os criadores abertamente dizem que se inspiraram em "O Estranho Mundo de Jack" para criar o visual e o tom do jogo, e isso é uma coisa que certamente dá pra notar. O que significa que não apenas as cutscenes são bastante boas para a época, como toda estética do jogo é muito charmosinha e realmente evoca um feeling do filme que não foi dirigido pelo Tim Burton mas todo mundo acha que foi.

Porém o visual cartunesco-faux-Burtoniana não é tudo que esse jogo tem a seu favor: o seu hack'n slashianamento é definitivamente um par de níveis acima dos seus coleguinhas da época como NIGHTMARE CREATURES. Não apenas porque o jogo não usa controles tipo-tanque (aleluia irmãos parece que essa era está terminando!), mas porque existe uma grande variedade de armas que tem funções diferentes.


Funciona assim: toda vez que você mata um inimigo, aparece um contador de % aumentando na tela. Quando chegar a 100% (não precisa matar todos os inimigos da fase pra chegar em 100%, o que eu achei um tanto confuso mas okay), habilita o Cálice. O Cálice é um item colecionavel que se for pego, depois da fase te permite escolher um power up: uma arma nova, barras de vida adicionais ou dinheiro.

Isso torna o gameplay um tanto menos estático pq vc precisa alternar suas armas entre as que causam dano, as que quebram objetos e as de ataque a distancia - sendo que as versões dessas que vc encontra na fase gastam, então vc precisa dos power ups para ter uma vida mais confortável.

O que gera um bom incentivo a explorar a fase, porque não apenas os inimigos derrotados não respawnam, como os power ups por encontrar o Cálice da fase faz uma diferença palpavel na sua vida - acredite que eu digo que existe uma diferença colossal entre ter duas ou 6 barras de vida extra. Porque, você sabe, para alguns incentivar e recompensar o jogador por explorar a fase pode parecer uma loucura (né, SONIC & KNUCKLES?), mas funciona mais bem do que mal. Loucura, eu sei.



Adicione a isso uns puzzles criativos mesmo em 2024 soam "okay, isso foi esperto" mais do que "puta merda, como caralhas que eu ia adivinhar que tinha que fazer isso? Perguntando pra senhora sua mãe do progamador?!", o que também não é algo que vc podia dar como garantido em 1998 (né, SAM & MAX HIT THE ROAD?) e temos um jogo que definitivamente mostrou pra Sony que aqueles caras mereciam ser trazidos pra debaixo da sua asa.

ESPERA, ESPERA, OW OW, TEMPO, TEMPO. ENTÃO SE ESSE JOGO TEM UMA HISTORIA CRIATIVA, GRÁFICOS CHARMOSOS, PUZZLES INTERESSANTES E VARIEDADE DE ARMAS... PQ ESSE JOGO NÃO É ABSURDAMENTE POPULAR NA BIBLIOTECA DO PLAYSTATION, DAQUELES QUE ESTÃO SEMPRE NAS LISTAS DE TOP 10 DO CONSOLE COMO SPYRO THE DRAGON OU CRASH BANDICOOT?

Ah, sim, então... a respeito disso, como eu posso colocar... apesar do jogo estar cercado de predicados que o fazem charmoso e interessante, eu realmente preciso dizer que o gameplay em si não é tão satisfatório assim.


É um jogo que sofre de um sistema de combate superficial no sentido de que macetar o quadrado é tudo que vc precisa fazer (numa época em que jogos como NIGHTMARE CREATURES já te exigiam defesa e timing), um sistema de detecção de colisão tão aleatório que eu terminei o jogo sem saber dizer exatamente onde o ataque da sua espada alcança (e acredite, cinco horas de "aperta o botão e torça pelo melhor" não é tão divertido quanto soa) e uma dificuldade que os inimigos vem pra cima de vc como um diabo da Tazmania enlouquecido e vc não pode fazer muita coisa a respeito.

Sobre esse ultimo, eu suponho que os desenvolvedores acharam que colocar um sistema de escudo (que gasta o escudo e vc precisa coletar novos, olha que beleza) seria suficiente pra lidar com inimigos que vem pra cima de vc atacando enlouquecidamente. Bem, não é. Pq como os inimigos não tem padrão de ataque, eles apenas vem pra cima como o boi loko da Coca-Cola e vc tem duas opções: defender até o seu escudo esgotar e tomar dano, ou atacar pra matar o mais rápido possível e tomar dano. Nenhuma delas é realmente excelente, sabe?


Se você morrer, a maioria das fases não tem checkpointst, o que significa que você volta do começo. Mesmo que você morra no chefe bem no final do nível, você tem que começar de novo. Isso é algo que mesmo os jogos de 1998 não faziam mais, e quando faziam mesmo naquela época saltava a vista como uma filhadaputice safada - como é o caso de ROCKMAN AND FORTE, por exemplo. E quem teve a ideia de fazer dar dois toques no analogico pra correr tem um lugar reservado no inferno, eu te digo, especialmente quando tem botões não usados sobrando no controle.

Então a ideia da coisa tudo nesse jogo é charmosinho e interessante... exceto jogar o jogo em si. Desconfio que deve ser por isso que você provavelmente nunca jogou Medievil antes, ou talvez nunca tenha sequer ouvido falar dele. Ao que nenhum juri do mundo o condenaria realmente.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 135 (Janeiro de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 054 (Setembro de 1998)


EDIÇÃO 056 (Novembro de 1998)


MATÉRIA NA GAMERS
EDIÇÃO 037 (Fevereiro de 1999)