terça-feira, 5 de março de 2024

[#1247][Jun/98] THE X-FILES GAME


Eu... tenho uma confissão a fazer para vocês. Não é uma simples, e não é uma esperada, mas definitivamente é uma coisa que eu preciso dizer: eu não sou um nerd perfeito.

SABE, EU NÃO ACHO QUE EXISTA EM QUALQUER UM DOS INFINITOS MULTIVERSOS POSSÍVEIS, UMA ÚNICA CRIATURA - MESMO CONTADAS AS UNICELULARES - QUE POR UM ÚNICO MOMENTO QUE FOSSE CONSIDEROU A POSSIBILIDADE DE VOCÊ SER PERFEITO.

Em primeiro lugar: ouch, demasiadamente elaborado, Jorge, ainda que verdadeiro. Em segundo lugar, eu disse sobre ser um nerd perfeito. Isso quer dizer que minha formação nerd não tem a checklist de todas as coisas pivotais da nerdice que um autentico nerd deveria conhecer.


Por exemplo, até iniciar o projeto desse blog, eu nunca realmente tinha jogado SUPER MARIO 64. Indesculpável, eu sei. Ou então algo mais recente, até começar 2024 agora eu nunca tinha parado pra sentar e assistir todos os episódios do desenho da Liga da Justiça (apenas tinha visto por cima uma coisa ou outra que passava no SBT de meio-dia). São coisas que eu já deveria ter assistido ou jogado, mas por uma dessas coisas da vida - e como a vida tem coisas - eu nunca o fiz.

Assim sendo, como dá pra imaginar pelo jogo de hoje, eu gostaria de falar sobre como foi a experiencia de ter assistido Arquivo X pela primeira vez depois de todos estes anos nessa indústria vital.

Vamos começar dizendo que ao longo de todos estes anos eu cresci ouvindo que Arquivo X foi uma dessas séries pivotais não apenas na sua própria qualidade, mas que mudou o entendimento do que era possível fazer com uma série de televisão. Você sabe, do mesmo nível que I Love Lucy mudou o entendimento do que dava pra fazer com a comédia na televisão, Lost fundamentou uma sinergia entre a internet e a televisão que dita como as coisas funcionam até os dias de hoje ou Os Sopranos que criou o padrão de qualidade narrativa que aprendemos a esperar das séries da HBO. Ou como Neon Genesis Evangelion mudou para sempre todo paradigma do que um anime na televisão poderia ser, sempre ouvi que Arquivo X era uma pedrada nesse nível.

Quer dizer, suponho que eu não precise realmente explicar que um suposto nerd que nunca assistiu Arquivo X soa basicamente como heresia. Pois muito que bem, então eu peguei a primeira temporada pra assistir e...

Bem, como eu posso colocar isso gentilmente? Ah, já sei:


Assim... a primeira impressão que Arquivo X deixa não é exatamente a melhor do mundo. E por isso eu quero dizer que os primeiros episódios da primeira temporada não são muito bons, vamos colocar assim.

Os mistérios do "monstro da semana" são okay, nada de outro mundo (viram o que eu fiz aqui, hã, hã?) mas variam entre o interessante como o episódio Ice, que é essencialmente a versão de Arquivo X de The Thing e o abertamente estúpido como Jersey Devil, que diz que a lenda urbana do diabo de Nova Jersey - lenda urbana que inclusive ganhou seu próprio jogo, como explicado em JERSEY DEVIL, é na verdade... homens das cavernas que permaneceram isolados do mundo até os anos 90. 

Yeah... as primeiras temporadas tem bastante desses casos que fariam os contribuintes americanos questionarem porque o governo está pagando diarias de dois agentes da Polícia Federal pra umas bobagens dessas. Quero dizer, "2Shy" é um episódio em que mulheres desaparecem após conhecer alguém em salas de chat da Internet. É um serial killer? Sim, mas não apenas isso pq do contrário não daria um caso do Arquivo X... o que temos aqui é que o assassino, que atende pelo pseudônimo de Virgil Incanto, é um “Fatpire” que se comunica com mulheres com sobrepeso pela internet, leva-as para encontros e depois literalmente suga a gordura de seus corpos.



Como cereja do bolo, nunca é realmente explicado POR QUE esse monstro em particular precisa de gordura para sobreviver, apenas que depois de ser capturado, ele diz às autoridades que deu a elas o que queriam e elas deram a ele o que ele precisava. E essa é toda explicação que teremos, vida que segue. 

Como dá pra ver, Arquivo X não trabalha muito com o conceito de rejeitar ideias, o que vier eles mandam pra dentro e o resultado não raramente é o que vc poderia esperar de "foda-se o quanto idiota isso soa, vamos gravar super sério assim mesmo". Guarde essa informação, ela vai ser importante mais pra frente.

E se os casos variam entre o "okay, isso é somewhat interessante" e vergonha alheia, eu tenho que dizer que os valores de produção frequentemente flertam mais com o segundo do que o primeiro. Quero dizer, sério:


Geesh... dia dificil no escritório, né? Mas então eu sou a última pessoa do mundo que pode criticar séries com maquiagens de gosto extremamente duvidosos dado que até hoje eu fico com o olho cheio d'água vendo homens em colant de borracha batendo de mentirinha em homens com fantasia de monstros com bem mais borracha, né ULTRAMAN TIGA & ULTRAMAN DYNA: Aratanaru Futatsu no Hikari?

Não, eu não vou implicar com isso e nem foi algo que me incomodou muito, mas o que eu posso dizer que realmente me incomodou é que na primeira temporada as atuações são realmente terríveis. Quero dizer, hoje todo mundo lembra da Gillian Anderson como a waifu ruiva quintessencial dos anos 90, mas suponho que bem menos gente lembra que no começo de Arquivo X ela estava obviamente constrangida de estar participando de uma série sobre aliens, vermes mutantes e homens das cavernas secretamente morando a 25 minutos da maior cidade do planeta inteiro.

Não raro dá pra ver claramente no rosto, até na respiração dela, que os pensamentos de "onde eu fui amarrar meu burro e como minha carreira de atriz deu tão errado pra eu ter que me sujeitar a isso pra pagar os boletos" são bem claros.



E se a Scully parece apenas constrangida de estar ali, deus não me deixe começar a respeito do nosso herói Fox Mulder que eu não posso descrever como nada senão "puta merda, que babaca". E isso não é nem uma coisa de arco de personagem que ele começa como um cuzão e depois aprende a ser um menino de verdade - como é o caso da Korra, em Avatar a Lenda de Korra - ele apenas é alguém extremamente desagradavel e a direção acha que está sendo totalmente cool.

Especialmente na primeira temporada, Mulder não tem o menor respeito pelo espaço físico dos outros e frequentemente ele faz coisas como - por motivo nenhum - ficar tão perto que quase toca o nariz na cara da Gillian Anderson (o que enfatiza bastante a sensação dela de "o que eu estou fazendo com a minha vida pra ter que aguentar isso"), ou tipo um piloto desaparecido aparece e sua esposa está chorando porque ela não acredita que aquele cara seja realmente seu marido, Mulder caga completamente para o estado emocional da mulher e desafia o cara a dizer os nomes de seus filhos, que estão literalmente na sala ao lado ouvindo isso.

No próprio episódio piloto, ele ignora completamente o fato de que as vítimas dos assassinatos inexplicáveis que o deixam tão empolgado são, na verdade, pessoas reais que eram amigas de todas as pessoas que ele conheceu durante a investigação. E enquanto eu entendo esse traço de personalidade que define as prioridades do personagem, é bem menos fácil gostar dele quando ele está fazendo piadas sobre o corpo que está exumando enquanto as pessoas ao seu redor ainda estão abaladas com a morte brutal de um amigo.

Eu não sei se é um traço do personagem ou apenas inesperiencia da direção na questão dos enquadramentos, mas na primeira temporada Mulder DEFINITIVAMENTE tem um problema com espaço pessoal

Sério, eu entendo a coisa do cara que é um genio numa area e caga para tratar as pessoas decentemente (com efeito, o 12o Doutor é o meu favorito, afinal), mas então David Duchovny faz isso de uma forma que vc não acha que ele é o doutor House maneirão dos anos 90, ele faz de um jeito que vc só pensa "puta merda, que babaca". 

O que mantém Arquivo X interessante no seu começo é a coisa da grande conspiração do governo para ocultar a verdade sobre os aliens - que é DE FACTO interessante - e isso foi o que manteve a série no ar. Ainda sim, daí a dizer que é uma grande série que mudou a televisão para sempre definitivamente é um grande exagero. Com efeito, se fosse uma série lançada hoje provavelmente a Netflix cancelaria depois da primeira temporada e não dá pra dizer que isso seria a maior injustiça do mundo. Quero dizer, não é uma primeira temporada ofensivamente ruim, mas é bem "okay, essa é uma das séries já feitas".

A boa notícia, e realmente boa mesmo, é que essa opinião não é apenas minha. Essa opinião era também do criador da série, Chris Carter, que viu claramente que Arquivo X não apenas não estava saindo como a série que ele sempre sonhou fazer, como provavelmente não seria renovada para uma terceira temporada se algumas coisas não mudassem imediatamente.


A primeira coisa que ele fez foi ter uma conversa franca com David Duchovny (que é conhecido em Hollywood por não ser uma pessoa muito... fácil... de lidar, vamos colocar assim) e Gillian Anderson de que aquela era provavelmente a única chance que eles teriam na vida de protagonizar uma série em um canal grande como a Fox em horário nobre, e definitivamente seria a ultima se aquela série flopasse. Meio que funcionou, pq na segunda temporada a quimica dos personagens melhora absurdamente.

Scully é a pessoa cética diante das coisas bizarras que aparentemente acontecem a sua volta mas não "ai meu deus o que eu to fazendo aqui" como na primeira temporada, e Mulder esta mais perto do conceito de um genio excentrico que não tem tempo para as bullshitagens de vocês gente normal do que um adolescente babaca que se tornou ateu a seis meses e enche o saco de todo mundo sobre o quão melhor ele é por ser um desperto - inclusive, apenas na segunda temporada é que alguém lembrou de dar um episódio para o Mulder resolver alguns casos normais e mostrar que ele é sim absurdamente acima da média e que é apenas por isso que o FBI aguenta as merdas dele, algo que claramente fez muita falta na primeira temporada.

Obviamente, outra coisa que ajudou muito é que a relação pessoal de Gillian e David evoluiu bastante e eles se tornaram grandes amigos na vida real, o que influenciou positivamente a quimica entre os seus personagens na tela. Melhora muito, e não é pouco. Essa foi uma das razões pelo salto de qualidade na segunda temporada, a outra é que... bem, honestamente, Chris Carter deu uma puta sorte do tamanho do mundo. Eu digo isso pq duas coisas totalmente fora do controle dele aconteceram a partir da segunda temporada, e foram duas coisas que tornaram Arquivo X no que as pessoas lembram que a série é hoje. É claro que toda sorte do mundo não ajudaria nada se Chris Carter não tivesse a ligadeza para tirar o melhor possível disso, então kudos onde kudos são devidos, sempre.



A primeira coisa que mudou Arquivo X para imensamente melhor é que no final da primeira temporada, Gillian Anderson descobriu que ela estava grávida - não a personagem, a atriz. E enquanto isso normalmente significa problemas para a gravação de uma série (não apenas a atriz precisa se ausentar por um consideravel período de tempo após o parto, como antes a equipe tem que se virar nos trinta em truques de camera para não mostrar que a personagem barriguda), aqui virou uma oportunidade.

Diferente do que frequentemente acontecia nos anos 90, Scully era uma personagem que se pautava principalmente pelo seu senso crítico, lógica e conhecimento academico. O que quer dizer que ela nunca foi - e a série nunca tentou fazer dela - uma sex simbol ou algo assim que os estúdios certamente faziam a mais absoluta questão na época. Dessa forma, Scully estava sempre sobriamente vestida e ocultar uma gravidez nas cameras não era a coisa mais dificil do mundo.

Mas pq isso é uma oportunidade? Bem, é aqui onde as coisas ficam realmente interessantes: Gillian Anderson teria que se ausentar das gravações por uma boa parte de tempo, e a grande sacada é que Chris Carter fez o melhor uso possível disso.



O que eles fizeram foi escrever na série que a agente Dana Scully foi abduzida, e quando ela voltou ficou ainda vários episódios debilitada por conta da experiencia - o que lhe permitia gravar apenas algumas poucas cenas de leito, logo pouco material duraria varios episódios. Isso foi esperto, mas a genialidade mesmo é que Chris e seus roteiristas aproveitaram as questões levantadas por essa ausencia inexplicada para aprofundar a mitologia da série. 

Pra que os aliens (ou o governo) abduziam pessoas e em especial mulheres? Para realizar experimentos? Quais, exatamente, e com que proposito? Essa sequencia que nasceu de um improviso levantou toda uma série de perguntas que ao serem respondidas na cabeça dos criadores, aprofundou muito mais a coisa do que simplesmente "o governo está escondendo aliens na Area 51" ou algo do tipo. Toda uma questão sobre experiencias genéticas que frequentemente flertam com as ideias do cientista nazista Dr. Mengele (e a série abertamente faz esse paralelo), só que conduzidas pelo governo.

Mais importante que isso, esse arco de abdução da Scully meio que resolveu o problema que séries de terror sempre tiveram ao tentar ser adaptadas para a televisão. Veja, a coisa é que quando vc assiste uma série, especialmente uma que está longe de terminar, vc sabe que nada de particularmente ruim vai acontecer com os protagonistas. Não importa o quão grande são as ameaças ou quão poderosos são seus inimigos, nada de muito ruim vai acontecer com eles.


Eu lembro de estar assistindo One Piece na Crunchyroll e um episódio em particular bem no começo termina com o Luffy tendo sido supostamente morto por um dos inimigos. Um dos comentários mais votados desse episódio era: "Terá Luffy realmente morrido? Sim, e os próximos 957 episódios serão sobre as aventuras do Capitão Usopp". Qualé caras, a gente expectador sabe que os protagonistas tem o escudo do protagonismo aqui...

... exceto que, bem, coisas bem ruins aconteceram com a protagonista da série. Tipo realmente ruins, nível ela não apenas ter sido abduzida, mas engravidada a força e então seu filho confiscado. ESSE tipo de coisas ruins, ruins nível bem ruins mesmo. E isso era algo sem precedente em séries de televisão até então. Mesmo que nós sabemos que Mulder e Scully não vão morrer, não quer dizer que coisas ruins hard não vão acontecer com eles ou com pessoas com as quais eles se importam. Isso colocava as apostas em jogo em um patamar totalmente inédito, e isso fazia dessa série única.

Bom, pelo menos se alguem se divertiu muito com toda essa situação foi a própria Gillian Anderson, pq as cenas da sua abdução e os testes que os alienígenas fizeram nela foram feitas usando imagens de sua barriga real, que a atriz citou como sua favorita quando questionada sobre qual cena da série ela mais gostou de gravar


A outra coisa que Chris Carter deu uma sorte do tamanho do multiverso - mas, novamente, que não significaria nada se ele não soubesse aproveitar - é que a Fox jogou um gênio no seu colo. Explico: entre a leva de jovens escritores que a Fox lhe deu para escrever episódios da segunda temporada, havia um em particular que mudaria não apenas Arquivo X, mas o próprio conceito de qualidade de séries para TV.

Um roteirista então iniciante, que só havia escrito o roteiro de dois filmes até então: uma comédia romantica da Drew Barrymore que absolutamente ninguém lembra hoje (Nosso Louco Amor), e um ... drama, eu acho?... sobre dois irmãos pirocinéticos que se apaixonam pela mesma mulher e menos gente ainda lembra (O Fogo da Paixão). Estou falando, é claro, do então total desconhecido pelo mundo George Vincent Gilligan Jr.

Ou, para os intimos, Vince Gilligan. Você sabe, AQUELE Vince Gilligan:


O primeiro episódio escrito por Vince Gilligan para Arquivo X (Soft Light) é meio que estúpido, mas é meio que bom. A premissa é realmente idiota (a sombra de um cara se transformou em um buraco negro que consome todo mundo que tocar nela), mas o que torna ele especial é a intensidade do ator que faz o monstro da semana - um homem atormentado e desesperado por se tornar um buraco negro ambulante, essa é a parte realmente boa do episódio. Alias esse ator anos depois viria a ser protagonista da sua própria série, e se vc já assistiu Monk sabe que Tony Shalhoub sabe o que está fazendo.

Ainda sim, o episódio em si é o menos importante, o que realmente importa é que Vinção da Massa entrou para o staff do seriado e começou a trocar umas ideias com Chris Carter e os outros roteiristas. Ao que Chris Carter imediatamente reconheceu: "puta merda, esse cara realmente entende de televisão! Eu preciso ouvir mais ele!". Como qualquer um que já assistiu Breaking Bad e Better Call Saul pode confirmar, essa foi uma das analises mais precisas da história da televisão.

No ano seguinte, Vince Gilligan não apenas ganhou mais episódios para escrever, como mais importante que isso, ganhou o cargo de consultor criativo da série. Isso quer dizer que mesmo os episódios que ele não escrevia, ele sentava na mesa com Carter e os roteiristas para dar umas ideias e acredite em mim quando eu digo que vc QUER ouvir as ideias de Vince para uma série de televisão.

Curiosamente, eu achei esse autografo do Chris Carter e do Vince Gilligan sendo vendido no Ebay por USD$ 399

Tudo isso junto culminou que a altura de sua terceira temporada, Arquivo X se tornou um fenomeno da televisão. A quimica entre os atores estava estalando, a mitologia da conspiração havia se ramificado de formas a ficar mais "wait, what?" a cada semana, e havia um ritmo magnífico entre os episódios sérios e pesados da conspiração, e alguns episódios mais leves que serviam tanto para divertir quanto para humanizar os personagens.

Como eu mencionei antes, desde o começo da série Arquivo X teve (e continuou tendo) alguns episódios realmente estúpidos. O que mudou especialmente a partir da terceira temporada foi que a série abandonou a pretensa sisudez das primeiras duas temporadas e volta e meia eramos recompensados com a Scully ouvindo a teoria do Mulder sobre o que caralhas estava acontecendo e ela fazendo uma cara "cê tá de sacanagem comigo. E usualmente ele estava certo.

Um dos meus episódios favoritos não apenas da série, mas da televisão de todos os tempos é "A Guerra dos Coprofagos" (sim, esse é o nome mesmo), em que Mulder vai investigar uma cidadezinha onde aparentemente baratas-robos estão comendo as pessoas. O que torna esse episódio tão lendário pra mim é que nesse episódio Scully fica em casa apenas fazendo suas coisas enquanto fala com Mulder pelo telefone, e ela vai zoando o seu amigo esquisito enquanto come sorvete vendo televisão e manda um "irmão, olha as merda que tu se mete cara hahaha".


E mesmo nos episódios mais bobões, volta e meia são inseridos momentos de televisão de altisisma qualidade. Como o episódio do monstro do lago Ness do interior os Estados Unidos que é um episódio bem marromenos, mas em algum ponto dele Mulder e Scully ficam ilhados na lagoa fugindo do bicho e para passar o tempo passam vários minutos do episódio apenas conversando sobre a vida, o universo e tudo mais... e é um dialogo brilhante, top tier dos top top que desenvolve muito o que sabemos e sentimos a respeito dos personagens.

Isso humaniza os personagens de uma forma brutal. e faz com que nós nos importemos muito com eles pq esses personagens são gente também, tem dias de cabelo ruim e tambem acham bizarro quando a rebelião da Skynet coprofaga acontece. Gente como a gente, sabe. Na verdade, a própria série como um todo adquire um timing muito bom de saber quando não se levar a sério e volta e meia vemos algumas referencias dos monstros das primeiras temporadas naqueles jornalecos sensacionalistas ridiculos pra mostrar que eles estão cientes do quão sem noção a coisa toda soa.

Esse equilibrio quase magico de saber o tom de quando não se levar muito a sério e quando elevar o tom e falar bastante sério se tornou quase uma marca registrada das séries de Vince Gilligan, e vemos bastante disso em Arquivo X.


Então se você precisar explicar o que é Arquivo X e porque essa série é tão importante para alguém que nunca assistiu, vc pode explicar que a série é um embrião do estilo de narrativa que depois viria a ser totalmente realizado em Breaking Bad. Só que, você sabe, com aliens, chupacabras, baratas robôs assassinas e caras do governo com roupas de borracha se passando pelo ET de Varginha. Sendo que essa ultima é uma das partes sérias da conspiração, porque é assim que Arquivo X rola.

Você sabe, all the good stuff.


E por falar em good stuff, suponho que agora chegamos a hora de falarmos sobre o que viemos falar aqui: o jogo licenciado de Arquivo X, porque é claro que ia ter um, né? Então a questão que realmente importa é: e aí, o jogo bom está lá fora?

Então, se vc sabe alguma coisa a respeito de jogos licenciados de franquias famosas, sabe que o primeiro erro é esperar alguma coisa senão sofrimento e dor - e certamente eu já paguei minha quota de pecados nesse campo. Isso sendo dito, saiba você que o jogo baseado em Arquivo X é... surpreendentemente okay, na verdade. É um jogo bem arrumadinho, olha só.

Assim como a série é um alinhamento bastante único de coisas que deu certo, o jogo pegou o espirito da coisa e é um alinhamento de várias coisas que deram certo. A ideia de fazer um jogo baseado em Arquivo X nasceu na fox com o grande boom de popularidade da série na metade da segunda temporada em diante, ao que a Fox cresceu o olho e achou que faria uma graninha fácil.


Estamos falando aqui de 1994, e filmes-jogos em FMV eram a grande moda do momento seguindo a esteira de todo furdunço do caso de NIGHT TRAP. A Fox então pensou que enjambrar um joguinho com imagens filmadas dos atores seria um bom negócio.

Assim sendo, eles procuraram algumas empresas que tinham experiencia com jogos desse tipo para computador, o que nos leva a Hyperbole Studios que naquela época tinha um certo sucesso cult com o seu título Quantum Gate

Quantum Gate, de 1993

E assim teriam sido as coisas, não fosse que Chris Carter ficou sabendo do projeto e ficou bem empolgado com a ideia de ter um videogame baseado na sua série. E por empolgado, eu quero dizer que ele literalmente entregou a Hyperbole Studios um calhamaço com mais de 100 páginas com roteiro e conceitos gerais para o jogo.

Carter ficou bastante animado com a ideia de não apenas trabalhar com uma midia inteiramente nova, mas essencialmente um episódio de seis horas de duração. Carter ficou tão empolgado com a ideia, de facto, que intermediou com a Fox um acordo bastante incomum para uma produção do tipo (um jogo licenciado no caso).

Eis como a coisa funcionaria: a Hyberbole teria não apenas uma quantidade anormal de tempo para desenvolver o jogo, três anos e meio de desenvolvimento - o que nessa época era uma eternidade, a média era um ano a dois anos - como poderia usar cenários e locações da série.


Uma grande porção do jogo, com efeito, se passa inteiramente no mesmo navio que a Fox usou para fazer o navio Piper Maru - aquele do primeiro episódio onde aparece o Oleo Negro.

Então esse é um jogo que realmente chama atenção pelos seus valores de produção, pq era muito incomum um jogo de FMV ter locações reais dado que isso era muito caro - usualmente eles metiam uma tela verde e foda-se, como fizeram com Roberta Williams' PHANTASMAGORIA por exemplo. Nesse aspecto, o jogo ter não apenas a licença da série como acesso as suas locações e seu figurino dá um diferencial de profissionalismo muito raro de se ver.

E não limitado a isso, o jogo até mesmo usa participações dos atores da série - gravadas entre as temporadas ou nos bastidores da gravação de Arquivo X: O Filme. Claro que a participação de Duchoviny e Anderson, a coisa que mais chama a atenção dos fãs, é extremamente limitada não apenas porque os protagonistas da série eram incrivelmente ocupados nessa época como estrelas de algo quente como Arquivo X, porque obviamente seu cachê era bastante caro para a produção do jogo.


Então a nossa história aqui é que os agentes Mulder e Scully desaparecem após um tiroteio em um armazem. O diretor-assistente Skinner então dá seus pulos pra não deixar seus parças na mão... e esse pulo é justamente pegar você, um agente comum do FBI, para ver se consegue descobrir que fim levaram nossos heróis.

Isso quer dizer que o jogo tem a participação especial não apenas do diretor Skinner em pessoa (Mitch Pelegi), como dos Pistoleiros Solitários, o Canceroso aparece em uma cena ou duas e tem participação até do X (Steven Williams), mostrando que o desaparecimento de Mulder e Scully obviamente foi mais do que serem pegos em um tiroteio por uma batida de contrabando de armas.

Eventualmente você encontra os dois e embora suas cenas sejam bastante curtas, não tem como não reconhecer que era bem incrível ter os atores da coisa mais quente da televisão em 1998 gravando cenas exclusivas para o seu joguetim. Mas tá, isto posto, falando do jogo em sim, como é que essa birosca? E o jogo jogo mesmo, é bom?


Bem, podemos dizer o seguinte: se você assistiu ao programa, provavelmente vai gostar de ver todos os personagens familiares, pegar as referências e as piadas internas e talvez até mesmo tratá-lo como um "episódio perdido" da série. Mas se ignorarmos a questão da licença, bem, o jogo por trás da licença não é tão bom.

O jogo de X-Files é provavelmente um dos menos piores FMV já feitos, mas honestamente dado o padrão desse subgenero, isso não quer dizer muita coisa realmente. E isso não exclui o jogo de sofrer de inerentes problemas a jogos desse genero, em especial a coisa do jogo se embananar frquentemente com as cenas em video.

Em uma cena, por exemplo, você visitei um hospital em busca de uma mulher sem identificação que deu entrada e você é recebido por uma enfermeira. O jogo abre a janela de diálogo, e vc pode arrastar seu distintivo do inventário pra dar um carteiraço que vc é do FBI antes de fazer suas minhas perguntas – isso mostra um pequeno clipe do seu personagem mostrando seu distintivo para ela. Você faz então uma pergunta... e a enfermeira pede para ver alguma identificação antes de revelar qualquer coisa, como você já não tivesse mostrado sua badge. 


E não é apenas em um ponto de vista de programação que as coisas se embananam, narrativamente também. Você frequentemente tem cenas estranhas que não fazem muito sentido estrutural ou racional, tipo uma cena que você está investigando o escritório de uma companhia tarde da noite, você e sua parceira são atacados por um cara que os joga no chão e os tranca no quarto - a câmera imediatamente corta para uma cena deles se levantando do chão, e eles começam a falar sobre as evidências que encontraram e para onde deveriam ir em seguida... meio que ignorando o fato que eles acabaram de ser atacados e estão presos, vc sabe. 

Ou outra cena, em que vc e Scully encontram alguem possuído pelo oleo negro, e vc a ela para correr - a câmera corta para uma cena deles fugindo da sala e depois corta para uma cena de Willmore caminhando calmamente por outra sala. Você é então colocado de volta no controle para vagar lentamente e logo esbarra em Scully, que está digitando calmamente em um computador perguntando o que aconteceu.

Isso quando um encontro, diálogo ou investigação não termina abruptamente, sem qualquer tipo de conclusão. A certa altura, eu estava no escritório do legista de Seattle conversando com o médico legista sobre seus relatórios de autópsia de uma vítima de queimadura, fazendo perguntas e coletando pistas, e então a linha de interrogatório simplesmente terminou sem qualquer tipo de cena ou diálogo onde os personagens encerrassem as coisas. Vc não tem muita certeza se tem que sair da cena porque já esgotou tudo ou tem algo que ainda vc deveria fazer, não custava muito botar uma cena de "obrigado" ou "adeus" quando o jogo quisesse te dizer que vc já fez o que tinha pra fazer ali. Vc meio que só fica com a sensação estranha de "É isso? Terminei aqui? O que devo fazer a seguir? Ir para casa?" 


O jogo é repleto de momentos assim, em que o jogo se perde no gerenciamento dos clipes gravados e frequentemente vc não sabe se não está avançando no jogo pq o que vc está tentando fazer está errado - a sua ideia - ou se apenas não está funcionando pq vc não pegou a sequencia exata de opções que não buga a programação. That's not cool, dude. That's so not cool.

As próprias opções de diálogo são estranhamente inconsistentes, uma vez que existem três interfaces diferentes para lidar com o diálogo: na maioria das vezes, suas opções aparecem em uma lista, outras vezes ícones aparecem na barra preta no canto superior esquerdo que você pode escolher para trazer à tona um determinado tópico da conversa e outras vezes, ícones de imagens aparecem na barra preta na parte inferior da tela apenas dizendo o tom da resposta que vc vai dar (engraçado, paranóico, irritado, etc.).

Isso é estranho, mas não é muito um problema. Problema mesmo é que quando a lista aparece, vc nunca sabe qual pergunta fecha aquela arvore de dialogo e segue adiante, e quando vc pode explorar as perguntas para ter mais informações. Isso é um problema bem comum em jogos baseados em dialogo mesmo atualmente, tanto que Cyberpunk 2077 resolveu isso fazendo as perguntas que avançam a história amarelas e as perguntas apenas informativas azuis:

Suponho que vc pode imaginar que Arquivo X, em 1998, não tem nada do tipo para te ajudar e fica então que o dialogo é meio que um problema por essa questão... num jogo que é baseado em dialogo. Ótimo.

O resto da jogabilidade rola em cenas de primeira pessoa no estilo Myst, onde você clica nas extremidades da tela para avançar ou girar noventa graus. Isso funcionou bem em alguns jogos (até mesmo em JURASSIC PARK do Sega CD, veja voce), mas não muito aqui. O problema é que não tem quadros de transição quando você vira, a tela corta instantaneamente para a nova imagem mostrando sua nova orientação, e frequentemente vc não tem muita ideia de onde na sala vc exatamente foi parar. 

Isso não incomoda muito em ambientes simples repletos de pontos de referencia como seu escritório no FBI ou o apartamento, mas existem em áreas maiores e mais complexas como o armazém que consiste em duas dúzias de telas iguais representando uma sala do tamanho de um campo de futebol, é realmente difícil acompanhar onde você está.

Enfim, além de entrevistar testemunhas (com o altamente questionável sistema de dialogo descrito acima), o que vc faz nesse jogo é visitar periodicamente locais em busca de evidências, o que na prática é apenas questão de clicar em tudo que for possível. Não tem nenhum puzzle exatamente para resolver neste jogo, exceto talvez ter que descobrir a senha do seu próprio computador (o que levanta a questão, se eu deveria ser esse personagem, por que preciso resolver um puzzel para isso, ele já não deveria saber a senha do seu próprio PC?). 


Enfim, esse é um daqueles point'n click que tenta te vencer não pela combinação exótica de itens que vc precisa fazer para avançar, mas sobre percorrer ambientes complexos esperando não perder clicar em nada em telas com uma resolução não tão incrível assim (especialmente no PS1, no PC é mais de boas). Uma experiencia muito comum que vc vai ter nesse jogo é ficar vagando pelas mesmas telas repetidamente procurando no que clicar.

Ah, e o jogo não te avisa que apenas em algumas telas - tão poucas que vc nem pega o hábito de tentar isso - você pode clicar na parte de cima ou de baixo para olhar para cima ou para baixo. Meio babaca da sua parte, jogo. Seja como for, felizmente o jogo tem um botão de "okay jogo, você venceu" (também conhecido como função de "intuição artificial") para pular todas as coisas chatas e acionar automaticamente os FMVs de descobrir as evidências. 

Eu já tinha jogado vários point'n clicks que dão dicas do que fazer, agora um que vem com um botão de pular o jogo é novo. E não é uma coisa boa que os devs sentiram que o jogo precisaria disso, se vc quer saber...

E eu não vou nem começar a respeito dessas sessões de tiro, ainda bem que são poucas

Enfim, a sensação de jogar The X-Files Game é como estar em um episódio de uma série de televisão, exceto que em uma série de TV eles cortam toda a burocracia, papelada e intermediários para o episódio ter um ritmo rápido e fascinante. Aqui, você faz todas as coisas chatas e tediosas que são cortadas do programa simplesmente porque precisa estender sua duração para algo mais apropriado para um videogame.

Por exemplo, tem uma cena que vc faz uma tocaia. Ao invés da coisa só desenrolar dali, no jogo vc precisa checar a area primeiro para ver se não tem nenhum inimigo escondido e isso leva um tempinho e o jogo só avança depois que vc checou tudo - onde nada acontece. Eu entendo que isso é procedimento policial padrão na vida real (vc sabe, dar uma olhada na area onde vc vai ficar pelas próximas 8 horas), mas obrigar vc manualmente a fazer isso onde nada acontece é apenas burocracia desinteressante.

Perto do final, o jogo se transforma em um absurdo total de tentativa e erro, onde você está vagando aleatoriamente por uma complicada instalação governamental, sendo baleado e instantaneamente morto por guardas e bandidos se você involuntariamente seguir uma determinada direção ou não virar para olhar de uma certa maneira. Muitas vezes, você tem que morrer duas ou três vezes em cada cenário para descobrir que ação causou sua morte e como evitá-la. A instalação em si é um saco de navegar por causa do problema descrito anteriormente da transição de imagens, adicione a isso que vc não tem ideia real do que deveria estar fazendo e morre basicamente em qualquer esquina. Fun.


Alias, a sequência final é tão terrivelmente desenhada que foi literalmente impossível para mim chegar ao final do jogo porque atirei em um inimigo em vez de stuna-lo. Depois de não capturar esse inimigo em particular (não que o jogo dê qualquer indicativo que vc precisa faze-lo), vc salva seu jogo e continua jogando por mais 30 minutos antes de descobrir que precisava que aquele cara estivesse vivo no final do jogo para que o óleo negro pudesse possuí-lo em vez de vc - já que ele estava morto, o único resultado possível é vc ser possuído pelo óleo alienígena e depois ser morto por Scully. 

O que, vc sabe, seria um final satisfatório por si só, e certamente apropriado para os mitos do Arquivo X - afinal, Mulder e Scully sobrevivem e eliminam a ameaça alienígena, com a preço sombrio do novo agente morrendo no processo... exceto que esse não é um final real do jogo. É apenas uma tela de Game Over que você já viu dezenas de vezes. Você não consegue ver nenhum tipo de resolução e os créditos não rolam.

Eu realmente preciso enfatizar este ponto: eu literalmente não consegui terminar este jogo porque cometi um erro do qual o jogo não me deu nenhuma dica que eu estava cometendo e foi impossível desfazê-lo. Não sei o que custava vc não ser capaz de matar aquele cara para não quebrar o jogo, ou apenas transformar a cena em que vc é possuído pelo alienígena e morre deveria ter sido um verdadeiro "final alternativo". Um bad ending ainda seria infinitamente melhor do que apenas dar softlock no jogador depois de de 12 horas jogando. Vão tomar no cu com mertiolate, na moral.


Enfim... a jogabilidade não é lá muito impressionante, mas funciona bem para os padrões de FMV da época. Os FMVs ao menos são feitos com um alto valor de produção e se vc é fã de Arquivo X e quer fingir que é um agente do FBI que acabou de se envolver nas conspirações do governo, eles funcionam bem. The X-Files Game não ofende como outros jogos licenciados tendem a fazer, e é evidente que esse jogo foi feito com muito respeito pelo material de origem e carinho pelos seus criadores. Eles podem não ser muito bons como programadores de point'n click, mas ao menos conhecem e respeitam Arquivo X.

Se eles tivessem expandido algumas das opções de diálogo, incluído alguns quebra-cabeças reais na jogabilidade, melhorado de alguma forma o esquema de movimento em primeira pessoa e resolvido a forma que o jogo se atrapalha com as cenas, então The X-Files Game poderia ter sido brilhante. Da forma que foi feito, fica na mesma categoria de ULTRAMAN FIGHTING EVOLUTION e MOBILE SUIT GUNDAM que é mais um colecionável repleto de referencias para os fãs do que um jogo que tenha lá muito valor por si só.

O jogo é um item indispensável na coleção de qualquer entusiasta da série que fisicamente coleciona coisas de Arquivo X, mas para todos os outros humanos do planeta ele é apenas mediano-okay flertando com o ruim em vários momentos.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
EDIÇÃO 133 (Novembro de 1998)


EDIÇÃO 146 (Dezembro de 1999)


MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
EDIÇÃO 054 (Setembro de 1998)


EDIÇÃO 056 (Novembro de 1998)