sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

[AÇÃO GAMES 039] DUCKTALES 2 (Nintendinho, 1993) [#313]


 


Hoje, meninos e meninas deste Brasil baronil, falaremos sobre um homem que não é "um dos" artistas mais influentes do século XX, mas "o" homem que moldou quase toda cultura pop moderna como a conhecemos hoje. Sim, esse é um cara bigodudo desse tamanho.

Durante os anos 30 havia um quadrinhista que trabalhava para a Disney chamado Carl Banks. Com o advento da segunda guerra mundial as condições de trabalho na cidade grande deterioraram muito e Banks decidiu largar tudo aquilo, se mudar para o interior e começar um pequeno negócio de avicultura - trabalhar com a criação profissional de galinhas era um antigo sonho seu. Banks nunca completou o primeiro grau (ou  o equivalente americano disso)  e viveu a maior parte da vida em um sítio. Era natural que, farto da cidade, ele apenas quisesse retornar a isso.



Antes de sair, no entanto, ele fez uma última história em quadrinhos para a Disney chamada "Pato Donald encontra o Ouro dos Piratas". Foi nessa história que foram apresentados pela primeira vez os sobrinhos do Pato Donald - Huguinho, Zezinho e Luizinho - assim como um vilão papagaio chamado "Bico Amarelo" que depois viria a ser o Zé Carioca nas edições brasileiras. Lembrem-se dessa HQ, ela será mais importante do que o próprio Banks, ou qualquer um, poderia imaginar.

Pois bem, feito isso Banks entregou os tacos e se mudou para o interior.  Desligou o celular, não abriu seu facebook, saiu de todos os grupos de Whasapp. O que era muito fácil de fazer em 1942. E para surpresa de ninguém, começar um negócio ele precisava de grana, cash, moola, dinero, tutu, faz-me-rir. Bem, o que Banks sabia fazer melhor do que ninguém era ser quadrinista, então ele decidiu pegar uns freelance (ou o equivalente disso na época, na verdade) para fazer mais alguns quadrinhos para a Disney.

Carl inventou o Minecraft

Qual não foi sua surpresa ao ligar para seu antigo editor e descobrir que não só sua última HQ antes de sair tinha sido um sucesso estrondoso e a casa do Mickey queria muito te-lo de volta. Banks aceitou, com a condição de que ele pudesse ter liberdade criativa sobre o seu trabalho, e assim nasceu a parceria que definiu os quadrinhos ocidentais.

Foi assim que Carl Banks desenvolveu ao longo dos anos o "Patoverso" da Disney. Ele criou Patópolis e toda miríade de personagens que a orbitam: Tio Patinhas, Professor Pardal, os Irmãos Metralha, Maga Patalógika, Margarida.



Até então, os quadrinhos da Disney não se passavam em um lugar especifico - quando as histórias precisavam de alguma coisa no cenário ou personagem, os desenhistas simplesmente iam lá e desenhavam. No máximo as cidades tinham um nome próprio, como Metropolis ou Gotham City, mas é só até onde ia. Barks imaginou um cenário consistente e coerente entre as histórias, um grande palco onde as aventuras acontecessem. Em outra palavras, ele inventou o universo compartilhado entre histórias em quadrinhos.

Alguns anos mais tarde Stan Lee, que cresceu lendo os quadrinhos de Carl Barks, decidiu aplicar esse mesmo conceito a pequena editora de quadrinhos de super heróis que ele gerenciava, uma tal de Marvel Comics. Todos os heróis da Marvel existiriam não apenas nas suas histórias, mas no mesmo universo - e não raramente, na mesma cidade. Outras editoras faziam crossovers entre seus heróis ocasionalmente porque todo mundo gosta disso, mas a Marvel foi a primeira a se preocupar com uma continuidade narrativa do cenário - coisas que aconteciam na HQ do Homem-Aranha poderia influenciar acontecimentos na HQ do Quarteto Fantástico (como Stan Lee não era bobo nem nada, desse jeito as crianças teriam que comprar as duas para não perder nenhum detalhe).

Hoje esse conceito de universo continuo é dado como certo, mas ninguém tinha realmente feito isso até o nosso Carlzão da Massa ir lá e reformular a forma com que eram feitos os quadrinhos da Disney.



E para sua Patópolis, Barks não apenas  criou novos personagens, ele os humanizou e deixou mais interessantes personagens que já existiam - sendo sua obra prima o legado do Pato Donald. Nas primeiras histórias do Pato Donald ele era uma figura antagonica, um animal pouco inteligente que se deixava levar pela raiva facilmente. Nas mãos de Barks os quadrinhos do Pato Donald se transformaram nas aventuras de um herói que tinha o coração no lugar certo, mas que as vezes deixava seu temperamento levar a melhor sobre suas boas intenções. Ele também era um tanto azarado e marcado por um cinismo e pessimismo bastante únicos - e eventualmente ficava puto da cara, é claro. 

Novamente, estamos falando de anos 40. Personagens em quadrinhos não eram suposto terem nuances de personalidade, era tudo bastante unidimensional: os mocinhos eram bons, os vilão eram maus, alguns eram engraçados, mas isso era tudo. Super Homem era só um cara invencivel. Batman era só um detetive com um guarda roupa muito bizarro. A ideia de fazer um herói com defeitos e que tinha que lutar contra as falhas da sua personalidade era algo totalmente inédito.



Novamente, hoje personagens mais humanizados, com qualidades e defeitos relacionaveis ao leitor são tidos como garantidos em quadrinhos, mas não foi até Carl Barks que isso se tornou algo esperado.

E sabe o que mais ele inventou? As sagas. Até então, histórias em quadrinhos eram materiais descartaveis: você comprava, lia, chegava ao fim da edição e a história encerrava. Muitas das histórias de Carl Barks eram assim, mas... e se você quisesse contar uma história maior? Mais ambiciosa?



Continuar uma história em quadrinhos outra edição era algo nunca ouvido até então, os produtores tinham certeza que crianças jamais seriam um publico cativo e que o máximo que qualquer pirralho estaria disposto a fazer era pegar uma HQ, ler e esquecer. Isso de acompanhar semanalmente uma história continua era para donas de casa entediadas (o que, em 1940, era um demérito social e até hoje nos Estados Unidos novelas mantém essa pecha de serem produtos inferiores - sendo frequentemente parodiadas por sua breguice).

Novamente, essa é outra característica do trabalho dele que se tornou a norma de como os quadrinhos (e mesmo as séries de TV) são hoje, mas até então... São muitas formas que o trabalho dele na Disney , que eventualmente foi compilado e chamado de "Duck Tales", moldou a forma como nós pensamos entretenimento hoje em dia, porém mais do que você pode imaginar.



Isso porque, literalmente, do outro lado do mundo havia um cara que era muito fã dos quadrinhos de Barks na Disney decidiu juntar todos estes elementos em suas histórias: aventuras sequenciais com começo, meio e fim, personagens mais tridimensionais, desenhos com grandes olhos para expressar emoções mais facilmente... 

Esse alguém acontecia de ser o japonês Osamu Tesuka, e fortemente inspirado inspirado em Duck Tales, criou viria a ser conhecido como o manga moderno. Não que não existissem quadrinhos japoneses até então, mas a identidade visual e estrutural que se tornou tão indissociavel dos mangas começou com Osamu Tesuka sendo fortemente inspirado por Duck Tales, tanto que seu primeiro manga nesse estilo foi uma aventura no estilo de Carl Barks chamada Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro).


O sucesso foi tão avassalador que o estilo de Tesuka se tornou o padrão de como se fazia mangas dali para frente, e era apenas questão de tempo até Tesuka pensar em como levar os seus quadrinhos para a televisão. Nasciam assim os animes.


Por isso não é realmente surpresa que quando a coletanea Duck Tales foi finalmente adaptado para desenho animado nos anos 80, foi de longe a melhor coisa daquela década. Baseado nos roteiros escritos por Carl Barks, animado no Japão (mesmo que animes sejam sinonimo de corte de despesas, ainda são anos-luz afrente dos cartoons dos anos 80) e supervisionado com o padrão Disney de qualidade, DuckTales não tem realmente um concorrente a altura no segmento de desenhos para televisão.

Eu diria que, junto com Tiny Toon, era meu desenho favorito quando eu era criança e eu lembro o quanto eu fiquei impressionado com a primeira vez que eu vi que um desenho animado teria uma continuação da história em outro episódio. Novamente, parece algo trivial hoje, mas naquela época era gerações inteiras de imprecedencia. Também ajuda muito a decisão da Disney de colocar o Tio Patinhas como protagonista do desenho e não o Pato Donald (como era nas HQs) porque...


Nossos ouvidos agradecem não ter tido 100 episódios da voz do Pato Donald. Enfim, DuckTales foi um sucesso, teve 5 temporadas, gerou uma série spinoff (Darkwing Duck aparece em um episódio de DuckTales, mas ganhou uma série própria because), dois jogos para Nintendinho e alguns especiais lançados direto em video.  

De fato DuckTales é um desenho tão bom e eu gosto tanto dele que eu não vejo como possivelmente o reboot que foi feito em 2017 pode possívelmente chegar a altura do original e...


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Bem, agora que colocamos isto de lado, vamos falar um pouco sobre o segundo joguinho dos ContosPatos, já que o primeiro saiu antes da existencia da Ação Games!

DuckTales 2 foi lançado no final da vida do Nintendinho, e pouca gente realmente jogou ele porque pouca gente se importava com o NES a essa altura do campeonato. A coisa a respeito de DuckTales 2, entretanto, é que o seu maior problema é que ele não é o primeiro DuckTales.

Em 1989 a Capcom aquele que é universalmente aclamado como um dos melhores jogos de 8 bits jamais produzido, DuckTales. E não é dificil entender  o porque: é a jogabilidade altamente responsiva de Mega Man, uma mecanica exclusiva a este jogo e a melhor trilha sonora que pode ser escrita em 8 bits. Sério.


DuckTales de 1989 é, literalmente, o melhor que dava pra fazer em um videojogo naquela época. É o crem de la crem de sua década, é o epiteto de um zeitergeist. DuckTales 2, lançado quatro anos depois, não faz nada particularmente errado (bem, exceto pela trilha sonora ser dolorsamente esquecível), apenas... é o mesmo jogo de 1989 quatro anos depois.

Não é ruim, mas o espetacular de quatro anos atrás é apenas "ok, legal" hoje. Quando a From Software lançou Demon's Souls, por exemplo, foi a coisa mais xablaulísticamente incrédibila de 2009. Porém a coisa da From Software é que eles estão sempre aprendendo, evoluindo sua formula, se desafiando a fazer melhor, mais interessante. Se em 2015 eles tivessem feito um Dark Souls 2 que é basicamente o primeiro jogo com outras fases, não seria ruim. Só que não seria nem perto da espetacularidade de Bloodborne.



Ok, eu entendo que em 1993 ninguém vai investir ou gastar ideias novas para um jogo de Nintendinho, mas mesmo assim não tem como não fazer essa analise do contexto de dois jogos que são muito parecidos, em épocas completamente diferentes.

Enfim, em DuckTales 2, o jogo começa com uma cena em que Huguinho diz ao Tio Patinhas que ele encontrou um pedaço rasgado de um mapa desenhado pelo antepassado, Fergus McDuck. Este mapa é a chave para um grande tesouro e todos sabemos o quanto Tio Patinhas nunca tem ouro suficiente para nadar em sua caixa-forte, então temos aí a nossa continuação.

O clássico movimento de pula-pula com a bengala, o movimento iconico de DuckTales

Como no primeiro jogo, os 5 níveis principais podem ser concluídos em qualquer ordem e tem um tesouro a ser coletado após a derrota de um chefe, mas surpreendentemente as peças do mapa não são o foco principal. Há uma peça escondida em cada nível, mas coletá-las não é um requisito para vencer o jogo - apenas mostra outro final.

Como eu disse, a jogabilidade permanece praticamente inalterada. Tio Patinhas pode andar, pular, agachar, dar tacadas de golfe com sua bengala para quebrar pedras ou, a mecanica mais iconica do jogo, usar sua bengala como um pula-pula para atacar. Pra não dizer que não tem nada de novo em DuckTales 2, existem alguns blocos que podem ser agarrados e puxados, permitindo o acesso a algumas áreas mais altas. Existem também alguns canhões que podem ser disparados puxando o fusível. Agora também existem ganchos que ele pode se pendurar com a bengala.


Coleta de tesouros é uma parte importante em DuckTales 2, mais do que antes porque agora não existem power ups nas fases. Só existem jóias que valem dinheiro e no final da fase que você compra energia, vidas e continues. 

No fim do dia, DuckTales 2 não é jogo ruim, mas é difícil não ficar um pouco decepcionado quando você compara com o que o seu antecessor representou na sua época. Ainda vale a pena jogar, mas provavelmente você vai preferir jogar o original novamente.