domingo, 2 de maio de 2021

[MEGA DRIVE] RISTAR (Fevereiro de 1995) [#679]

Sabe uma coisa na qual eu acredito? Quer dizer, de verdade? Pois bem, eu acredito que ninguém é inteiramente mau. Eu realmente acho que mesmo as piores pessoas do mundo em algum momento, nem que seja por uma fração de segundos e que seja apenas no seu subconciente, realmente para e se pergunta:


Como eu disse, ninguém consegue ser COMPLETAMENTE maligno, mesmo que pareça. Como é o caso do Sonic Team, por exemplo. Sim, eu sei, eles desenharam jogos de plataforma fundamentalmente falhos e então socaram goela abaixo das crianças com quilos e quilos de propaganda para parecer ultra radical e dinamico, de modo que seria justo se perguntar como essas pessoas conseguiam dormir a noite.


Porque vamos ser honestos, você faz parte da equipe dentro da Sega que desenhou os jogos do Sonic. Japoneses já cometeram sabaku por menos do que isso, eu te digo. Bem, a resposta rápida a essa pergunta é... eles não conseguiam. Lá no fundo, bem no fundinho, eles meio que sabiam que estava trapaceando as crianças e sério, quem é que faz como seu emprego oficial sacanear crianças e vive de boas com isso? Pq não aproveitamos e roubamos logo doces de crianças, já que estamos nisso?

A boa noticia (tanto quanto algo bom pode sair disso) é que mesmo o Sonic Team sabiam que eles estavam sendo os caras maus aqui, e secretamente eles se faziam a pergunta: "e se a gente tentasse fazer um jogo bom, tipo de verdade?". O que não apenas é uma pergunta válida, como alguns diriam que é obrigação moral deles.

POR "ALGUNS" EU VOU ASSUMIR QUE É APENAS VOCÊ

Alguns, Jorge. Seja como for, isso nos leva ao jogo de hoje: o dia que o Sonic Team tentou realmente fazer um jogo bom. E conseguiu. Quase. Mais ou menos. Err. Mas eles tentaram de verdade.

De volta a 1990, quando os primeiros conceitos do Sonic estavam sendo desenhados (antes mesmo da ideia dele ter uma namorada chamada Madonna e uma banda de rock ir para o papel), a Sega não tinha muita certeza de como seria esse cara ultradinamico que mudaria o panorama dos videogames. Um dos conceitos que eles pensaram foi o de um coelho que esticasse suas orelhas para usar como armas, embora essa ideia foi descartada porque eles não acreditavam que conseguiriam fazer isso realmente funcionar no Mega Drive.

Dessa vez eu tenho que concordar com a Ação Games, pela primeira vez eles fizeram um Reset que fala por nós na edição 075

Quase cinco anos depois, o time achou que estava pronto para o desafio e ressuscitou a ideia só que ao invés de um coelho que teria estampado na cara "bilionésima tentativa de emplacar um mascote antropomorgifico super rádical", eles tentaram algo menos...annoying. O que eu realmente agradeço, o mundo já tem Aeros Acromorcegos até mais que o suficiente, eu te digo. Ristar é uma estrelinha que usa o conceito de esticar seus braços como arma, e é isso que veremos a partir de agora.


Nossa história começa com algo que eu sempre gosto muito quando os jogos fazem, que é adaptar o logo tradicional da empresa para o jogo - dá uma sensação que se eles estava se importando com um detalhe pequeno desses, então eles estão se importando com o jogo at all.

Aqui o logo da Sega tem um tema estelar, e o tradicional "Segaaaaaa" é substituído pela voz cute de nosso protagonista estrelinha dizendo Sega.


Porém como só de estrelas fofinhas não existe jogo, é claro que uma maligna força do mal que odeia o bem surge e quer dominar a porra toda, porque é como as forças do mal que odeiam o bem rolam. 


O que ele consegue, diga-se de passagem. Okay, o mal venceu, tentamos galera mas o show acabou. Mas você realmente percebe que esse é um jogo japonês quando precisa de uma força intergalactica maligna para justificar corromper os líderes dos planetas. Se fosse um jogo brasileiro a gente apenas assumiria que os líderes são corruptos naturalmente, sem precisar de força do mal nenhuma para isso.


Desesperadas, as pessoas desses mundos fazem o que pessoas deseperadas e sem controle emocional das suas vidas sempre fazem: rezam por um milagre. O que diz muito a respeito das religiões quando você pensa sobre qual público elas precisam predar para sobreviver, mas divago.


Os desejos desesperados das pessoas oprimidas chegam até a estrelinha Ristar (pq estrelas cadentes realizam desejos, algo assim) e ela é interrompida de sua soneca no fundo do mar para salvar o dia. O curioso é que na versão japonesa, as pessoas rezam para a estrela-deusa Oruto, que então despacha um dos seus filhos para salvar o dia - ou seja, Ristar é o Jesus espacial que dá cabeçadas. O que é muito mais legal, se vocês querem saber a minha opinião.

Porém num país conservador religioso como os US and A, isso de Headbutt Space Jesus não ia colar muito bem, então mudaram a história para ele ser filho do herói dos sete mundos - que também foi raptado no começo da invasão. Outra grande diferença é que na versão japonesa Ristar não tem um genero realmente, ele é apenas uma estrela. Na versão americana ele virou um menino porque a Sega nos proteja de sermos salvos por uma mulherzinha jogo frágil.

Pois é, clássico Sega.


Mas falando do jogo em si, que tipo de jogo Ristar realmente é? Um bastante simples, porém honesto. 

Como já dito, o defining trait de Ristar é que ele pode extender seus braços e agarrar coisas. Seja agarrar inimigos e ataca-los com uma cabeçada, seja agarrar o cenário e se propulsionar. E... meio que é isso, na verdade. Eu disse que era um jogo simples.


Essa cena de 10 segundos mostra meio que todas as ações possíveis de serem feitas no jogo. Você tem algumas variações de escalar paredes (você pode se propulsionar para plataformas superiores, por exemplo) e alguns inimigos tem mecanicas próprias para serem agarrados, mas não é nada que fuja muito disso. 

Não existe nenhum power up, gimmick nem nada do tipo, é apenas Ristar com seus brações loucos querendo apalpar todo mundo. Bem, isso e o level design de um jogo de plataforma do Sonic Team, então não é algo que dá pra marcar exatamente como... empolgado. Como eu disse, um jogo simples.

Copiar o layout de apresentação de Sonic não fez nenhum favor a vocês, caras

Agora, a coisa realmente interessante sobre esse jogo é que por mais simples que seja a sua proposta... ele é um bom jogo no que se propõe a fazer. O que ele se propõe não é muito, mas o pouco proposto é realmente bom porque tudo funciona muito bem

Em um certo sentido, Ristar é o completo oposto de Sonic the Hedgehog. Saem os controles gordos dependendo de inércia que claramente não foram feitos para jogos de plataforma, e entram controles onde cada passo que Ristar dá tem o peso certo. Agarrar em paredes e tetos, pular, agarrar inimigos, você sempre sabe exatamente para onde Ristar vai se mover quando você apertar o controles e a maior parte do jogo consiste em fazer movimentos calculados para evitar os perigos e derrotar os inimigos.

Taí uma animação de morte bem diva, amei

Uma escolha de design muito boa que o time fez é que quando você agarra os inimigos se torna invencível durante a animação de ataque e isso incentiva, recompensa o jogador por ser agressivo e isso geralmente resulta em gameplay divertido. Talvez essa a comparação mais estranha que eu já fiz nesse blog, mas o core dessa mecanica de recompensar o jogador a ir pra cima é justamente uma das coisas que faz o Doom de 2016 tão divertido de se jogar.

Taí, eu comparei Ristar e Doom. Nada mais é sagrado mesmo.

Ristar sem o Star

Controles com o peso certo ​​e jogabilidade cuidadosa ajudaram em algo que eu nunca imaginei ser possível, eu gostei da fase da água. Não tolerei. Não pensei: “Isso podia ter sido pior”. Eu realmente gostei de uma fase da água, acho até que é a melhor fase do jogo. Nunca me senti assim a respeito da fase da água em qualquer jogo de plataforma. As fases da água do Mario são jogaveis, mas empalidecem perto das outras fases realmente incríveis. Donkey Kong Country tem fases da água realmente muito bonitas, mas como Mario, os outros níveis são sempre melhores. Sonic debaixo d'água é literalmente algo com que muitos tem pesadelos até hoje e Ecco the Dolphin é um crime contra a humanidade. 

Então é realmente impressionante que Ristar alcançou o impossível sendo mais divertido nadando do que caminhando.


Funcionalmente, Ristar está mais próximo de puzzles plataformers como o Príncipe da Pérsia original (mas muito menos punitivo e muito mais divertido) do que seu primo Sonic. Resolver o layout dos níveis e os puzzles é o desafio, não tentar reagir a ser jogado de um lado para o outro da tela sem muito controle do seu personagem como nos Casino Night em que Sonic tenta ser rápido. O level design aqui requer controles metódicos para avançar através de uma série de armadilhas e ondas de inimigos. Fazer as coisas na pressa energia e vidas. A paciência é recompensada nesse jogo.

Como eu disse, o que ele se propõe a fazer ele faz muito bem e elegantemente. O problema maior é que ele se propõe a fazer bem pouca coisa, especialmente para um jogo de plataforma de quase duas horas e esse é o maior defeito desse jogo.

Os temas das fases são tão previsiveis que chegam a dar sono. Fase inicial da floresta, fase da água, fase da lava, fase do gelo, é tudo tão previsivel dentro de um jogo de plataforma que parece até paródia do genero, você não acredita que um jogo lançado em 1995 teria a falta de vergonha na cara de ser tão óbvio no seu design. Mas isso não é um deboche intencional dos clichés do genero e sim que o Sonic Team são level designers limitadinhos mesmo.

Na versão protótipo o jogo iria se chamar "Feel" porque sua mecanica definidora é esticar os braços e apalpar as coisas. Pois é. Felizmente alguém departamento jurídico da empresa viu que isso era um desastre prestes a acontecer e mudaram esse nome.

Outro problema desse jogo é que embora você possa usar esticar os braços para explorar outras areas da fase de formas criativas até, não existe realmente recompensa por explorar o jogo. Alias, quer dizer, "existe": você ganha pontos. Eu não estou de sacanagem com vocês, é um jogo lançado em 1995 e ele usa "fazer pontos" como objetivo alternativo.

Uau, imagino que deve realmente ser dificil ter feito esse jogo usando mensagens de fax e sobretudo com ombreiras, porque esses caras certamente ainda estão perdidos nos anos 80. Mas falando sério, para um jogo de plataforma relativamente longo Ristar certamente faria um bom uso de fases bonus, power ups e outras mecanicas para tornar o gameplay interessante, ou pelo menos recompensar o jogador por explorar a fase.



Pense em como Donkey Kong Country usa as montarias e rotas alternativas com barris para recompensar o jogador dando vidas extras e atalhos nas fases, coisas que são uteis e fazem o jogador se sentir esperto por ter descoberto. Aqui você tudo que você ganha por isso são fucking... argh... pontos.

Isso não faz o jogo ruim per se, mas certamente o torna cansativo para um jogo de duas horas e pouco. O que você vê na primeira fase do jogo é toda experiencia que terá até o fim. O jogo ser mais curto ou ter ideias mais variadas (como introduzir novas mecanicas ao longo do tempo) o tornariam bem mais memorável.

Essa mecanica de se pendurar e girar para alcançar lugares mais altos é muito interessante na teoria, pena que o jogo não de nenhum tutorial que ela exista e você só fica sabendo disso se ler o manual. Somado a que dá pra terminar o jogo sem nunca usar isso, temos um problema de design aqui

Esse é um motivo pelo qual esse jogo é pouco lembrado hoje em dia, o outro é que o timing do seu lançamento não poderia ter sido pior. Lembre-se que Ristar foi lançado em 1995 e nessa época a Sega estava dando suporte a CINCO sistemas diferentes (Mega Drive, Sega CD, 32X, Game Gear e Sega Saturn), não é de surpreender que eles não conseguissem se focar para investir na divulgação e marketing. No Brasil a Tec Toy ainda mantinha o Master System vivo, então coloque mais esse na lista e temos uma empresa tentando sustentar SEIS sistemas proprietários ao mesmo tempo.

Se parece que qualquer coisa que você fizesse apenas se perderia entre todo o barulho das inúmeras coisas que você está fazendo ao mesmo tempo, é porque foi exatamente isso que aconteceu. Fazer apenas um videogame dar certo já é desafio suficiente - no máximo dois se você sabe o que está fazendo e explora um mercado que não compete diretamente com o principal como é o caso dos portateis. Agora, CINCO ao mesmo tempo? 

Ou como diria o grande filosofo moderno Jorge Jesus:


Nesse contexto que a Sega criou contra si mesma, Ristar seria um jogo dificil de se destacar mesmo que fosse inteiramente espetacular - o que não é. É um jogo bastante competente no pouco que se propõe a fazer isso é tudo. O que é muito vindo do time que fez jogos realmente porcos como os do Sonic, mas  no grande esquema das coisas definitivamente não é a segunda vinda do Messias.

Bonitinho, mas ordinário.

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