O poema completo de T.S Eliot “The Hollow Men” tem 98 linhas, mas até onde concerne a cultura pop as últimas quatro linhas são a poesia mais citada que eu consigo lembrar. Com toda razão, porque ela é perfeita para descrever coisas qeu foram grandes, colossais em seu tempo... e então definharam e hoje as pessoas apenas lembram “ah, sim, isso foi uma coisa né?”.
Outro poema que eu gosto é o poema de P.B Shelley (o Shelley menos famoso, ao contrário da sua esposa Mary) Ozzymandias:
Ozzymandias era outro nome pelo qual o faraó Ramsés II era conhecido, e eu gosto muito desse poema exatamente porque é sobre isso que a vida é, em ultima instancia. Não importa o quão vasto seja seu império, quão poderoso e eterno você se sinta. Um dia tudo que restará de você é alguém dizendo “ah, é, isso já foi importante um dia, né?”. Muito provavelmente, nem isso.
E por que eu estou falando sobre isso? Porque o jogo de hoje não é um jogo qualquer e sim o último jogo da Nintendo produzido para o Nintendinho. Lançado em 1983, doze anos depois terminava a aventura humana na Terra do pequeno valente da Big N. Até 2006 o Nintendinho tinha sido o console mais vendido da Nintendo (ou seja, mais de vinte anos após seu lançamento) e por mais de uma decada foi o console mais vendido de todos os tempos (sendo ultrapassado apenas pelo Playstation quase uma decada e meia depois).
Em dado ponto, o Nintendinho tinha mais de 80% do mercado americano e mais de 95% no Japão. Isso quer dizer que cada dez familias que tinham um videogame no Japão, nove e meia tinha um nintendinho. A outra meia familia tinha outra porcaria qualquer porque era só meia família afinal, que porra é meia família?
Aqueles dias loucos que a única forma de vender um videogame era downplayar a coisa do videogame e focar em vender como um brinquedo
Hã... onde eu estava? Ah sim, Nintendinho. A esse ponto todo mundo sabe a história do Nintendinho, de seu começo com Super Mario Bros. e de seu Império de 8 bits. Como Ozzymandias, o Nintendinho foi o Rei dos Reis. E tal qual Ozzymandias, seu fim também é um monumento enterrado na areia do qual ninguém realmente lembra. O que nos leva ao jogo de hoje.
Mas que tipo de jogo você faz para a despedida do Nintendinho? Como você encerra com dignidade e glória outrora tão vitoriosa epopeia? Ora, bastante simples... você faz um Tetris usando a engine de Super Mario 2
Eu realmente imagino que a festa de despedida do Nintendinho na Nintendo deve ter sido realmente louca, envolvendo strippers feitas de saquê e anões besuntados em mescalina, pq só isso explica esse conceito de jogo. Ainda sim, é exatamente isso que o jogo é: você joga com o Toad do Super Mario 2 em um jogo de Tetris. Pois é.
E quando eu digo que esse jogo é Tetris onde você controla como em Mario 2, é exatamente isso que ele é: caem peças do teto e você controla o Toad que que tem que aparar os que caem ou juntar os que já cairam para formar linhas de pelo menos três e eliminar os bichinhos (desde que a linha envolva pelo menos uma bomba). Pensando bem é mais para Dr. Mario do que Tetris, mas é tudo da mesma família afinal. Ainda sim é um conceito de jogo muito estranho de se explicar, como eu disse anões besuntados em mescalina.
Falando do gameplay mais detalhadamente, Toad pode levantar e soltar qualquer objeto que esteja à sua frente ou pode levantar e soltar uma pilha inteira de objetos. Ele pode até mesmo chutar um objeto para o próximo espaço aberto. Porém o que torna esse jogo realmente dinamico é que para eliminar uma coluna Toad não precisa soltar o bloco, basta que ele encoste a qualquer momento.
Isso quer dizer que você pode, por exemplo, pegar um bloco e levantar ele acima da sua cabeça. Se isso conectar com outros dois enquanto segura ele já é suficiente. Fazer combos geram joias que pode eliminar todos os monstros de uma cor. Infelizmente, as joias são muito pesadas para o Toad levantar, o que significa que o jogador terá que ser mais astuto se quiser tirar proveito dessa habilidade.
Parece muito simples, mas é incrível como a jogabilidade pode se tornar viciante - especialmente no modo versus onde o adversário está sempre fazendo cair coisas no seu campo através de combos. O que torna esse jogo especial é que é possível virar uma partida quase perdida com apenas um pouco de sorte (você não controla onde o jogo larga as peças, e as vezes ele destroi colunas sozinho) ou a mobilidade de Toad carregando peças sem precisar larga-las para eliminar monstros. Mais de uma vez eu estava sem saber o que fazer e apenas correndo com as peças na mão as coisas começaram a melhorar.
Sorte sozinha não te faz vencer o jogo, mas te dá ferramentas para trabalhar e a sensação de recuperar um jogo perdido é muito adrenalizante, assim como é você ver seu mundo cair em um jogo que estava quase ganho e você estava indo eliminar o último monstro. Coloque esse vai e vem durante uma partida e temos o Tetris-like mais disputado que eu já joguei na vida.
Até porque sempre existe algo acontecendo, como quando o diamante faz você eliminar todos os monstros de uma cor, mas no modo VS também transforma CADA bomba de seus oponentes em um monstro. Isso realmente adiciona caos a uma partida. Também há coisas legais como fazer uma bomba explodir monstros em mais de uma direção produz um ovo que cai do lado do outro cara. Se ele não pegar o ovo e elimina-lo em alguns segundos, o ovo choca e uma linha de monstros random cai do teto. Quando você faz grandes combinações, o Thwomp baixa na tela e vice-versa. Como eu disse, sempre algo acontecendo.
O aspecto negativo é que a dificuldade pode ser desanimadora para alguns, especialmente considerando a curva de aprendizado já íngreme do jogo (ok, o básico é simples, mas dominá-los bem o suficiente para terminar as fases rapidamente enquanto evita Game Overs é um cavalo de uma cor inteiramente diferente. Especialmente quando o jogo introduz monstros que só podem ser mortos na diagonal, é muito dificil pensar diagonalmente no tempo que você tem (os blocos não param de cair, afinal) e Toad só se move horizontalmente, então os monstros que morrem só na diagonal acabam tornando o jogo realmente dificil bem rápido
Outro elemento incômodo ocorre que não é incomum Toad ficar encurralado em um canto já que ele não pode pegar blocos das paredes se elas estiverem tocando o teto. Dado que o adversário envia colunas inteiras de monstros de uma vez, não é raro o jogo estar tranquilo e do nada você apenas ficar preso em um canto sem ter o que fazer senão torcer para que um inimigo/bomba seja largado no local certo para completar uma linha por pura sorte. Não ter o que fazer e contar apenas com a sorte em um jogo - e isso acontecer com alguma frequencia é menos do que ideal em qualquer jogo.
Wario’s Woods é um puzzle desafiador e algumas vezes injusto, sem dúvida. Mas na imensa maioria do tempo é apenas divertido mesmo, já que o jogo te dá as ferramentas para não apenas resolver a maior parte das tretas que acontecem como mandar a bomba quicando para o oponente. E uma partida caótica porém trabalhavel é algo que buscamos nesse genero.
Enfim, Wario Woods não é algo tipo “minha nossa que puta blockbuster”, mas é um jogo bastante decente como despedida do Nintendinho - e uma despedida digna após tantos anos de serviços prestados é o realmente adequado. Porém uma despedida que muita gente deixou passar batido porque em 1995 ninguém mais estava ligando a minima para o NES - a desolação de outrora gigante, como eu disse no começo do texto. Ninguém exceto os pobres Nintendinhos que escreviam chorando para as revistas todo mes que o videogame de mais de dez anos deles tinha sido abandonado, mas ninguém liga pra esses caras tb.
A versão do Super Nintendo é levemente mais jogada, mas não muito. O que é compreensível, porque a proposta de um jogo tetris-like com personagens secundários do universo do Mario (Wario, Toad e Birdo) não é exatamente a coisa mais comercialmente apelativa do mundo. O que é uma pena, porque Wario Woods é um jogo melhor que a gente chama de “melhor do que tinha o direito de ser” (eu gosto bastante dessa expressão, e gostei bastante desse jogo).
E com esse jogo a Nintendo oficialmente encerrou sua parte com o Nintendinho, porque todas as coisas boas terminam um dia. Ainda haverá um que outro jogo aqui e acolá, mas isso meio que é o marco do fim para o NES. Então eu realmente só tenho a dizer adeus, meu amigo, e obrigado pelas ótimas memórias.
O Nintendinho (bem, no meu caso um famiclone brasileiro chamado Bit System) foi o último presente de natal que eu ganhei do meu pai e companheiro de momentos muito dificeis na minha vida, e é o responsável direto não apenas por esse blog existir, mas pela pessoa que eu sou hoje porque sem o Nintendinho os videogames hoje sequer existiriam.
Pense sobre isso, toda essa industria de bilhoes e bilhões de dolares, todas essas horas que dedicamos nossas vidas, todas as histórias que conhecemos (sejam elas scriptadas ou narrativas emergentes), todo esse universo tão vasto e especial, nada disso realmente existiria hoje se não fosse por essa caixinha branca da Nintendo.
E agora terminou.
“It's over, go home”
... but this was my home.
MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 063