domingo, 30 de maio de 2021

[MULTI] THEME PARK (Junho de 1994) [#695]


Peter Molyneux é uma figura bastante curiosa na industria dos videogames. Ninguém sabe com certeza se ele é um mitomaniaco patológico ou se ele realmente acredita nas coisas que ele diz, mas ele é conhecido por suas declarações... ambiciosas nos seus jogos. Porém não são ambiciosas da forma que você está pensando, tipo "esse jogo vai ter os melhores gráficos de todos os tempos", nem nada assim. A sua ambição é... estranhamente especifica.

Por exemplo, para o Fable do Xbox ele declarou que nesse jogo as arvores iriam crescer em tempo real e que você poderia plantar uma arvore e voltar dali a quinze anos para ver ela crescida - o que, obviamente, não está no jogo final é esse tipo de coisa que ele promete nos seus jogos. 


Pessoalmente eu acho que ele realmente acredita nas coisas que ele promete - ele realmente acha que vai conseguir fazer, embora não faça ideia de como. Seu traço como desenvolvedor de jogos é que ele é obcecado com sistemas complexos e intrincados que influenciam um ao outro, moralidade e consequências é o seu mote.

Em POWERMONGER, por exemplo, você pode confiscar as ovelhas de um campones para alimentar o seu éxercito, mas se você fizer isso regularmente os camponeses vão se unir e formar uma resistencia contra você. Isso está (mais ou menos) no jogo, e todo o trabalho dele é marcado por jogos assim. 

O problema é que ele é tão focado em fazer jogos "com mundos vivos e complexos", que geralmente acaba esquecendo do jogo em si. O próprio POWERMONGER, por exemplo, é um jogo de guerra bem (na verdade muito) bosta enquanto jogo. Fable não apenas não tem as arvores que envelhecem, como é um RPG bastante genérico e esquecível no que tange o gameplay. 

Tanto que não é pelo jogo que as pessoas lembram de Fable, e mais pq ele tem um sistema de moralidade inovador nos videogames e os NPCs reagem de acordo com as suas ações boas ou más - algo que hoje nós tomamos por garantido, mas não era lugar comum nos RPGs no tempo do Xbox original.

Vamos dizer que o produto final... não saiu bem assim. Na verdade não saiu at all, a Microsoft alega que foi apenas uma demo tecnica do Kinect, Molyneux insiste que era um projeto real. Tenho certeza que na cabeça dele era mesmo. Até porque só na cabeça dele um sistema de 2009 poderia entregar o que ele está prometendo, quando nem hoje isso seria possível

Então eu diria que o problema é que ele é bem intencionado e ambicioso, porém não é um desenvolvedor muito bom na hora de colocar a mão na massa. Tanto que ele não tem nem muita noção do que pode ou não ser realisticamente feito em um jogo. Então a pergunta é: como então aproveitar os pontos positivos de Molyneux enquanto downplaya suas fraquezas?

Essa é a proposta de Theme Park.

Não esse theme park, infelizmente

A primeira vista, "Theme Park" parece ser apenas um "Sim City só que em parque de diversões"... e é exatamente isso que ele é. Só que isso também faz dele perfeito para um jogo do Peter Molyneux, porque enquanto é um jogo de gameplay simples o suficiente, ele pode ser infinitamente intrincado no seu microuniverso.

Veja, se você quisesse fazer um jogo muito complexo sobre administrar uma cidade... é, não daria bom. Uma cidade é tão infinitamente complexa em cada aspecto minimo que você teria que ser um genio no gamedesign para fazer um jogo bom disso sem ficar atolado em anos e anos de burocracia. Eu não sei se você já visitou uma prefeitura alguma vez na vida, mas te garanto que não é um trabalho divertido.


E é justamente isso que faz Theme Park funcionar, como o escopo é muito menor então você pode ir completamente crazy nos detalhes que é menos improvavel do jogo ficar injogavel. Some isso a falta de necessidade de um gameplay muito complexo (que é o ponto fraco do Molyneux, afinal) e temos a ideia certa de jogo com a pessoa certa.

Por exemplo, você pode colocar no seu park uma loja que vende refrescos - isso é apenas o esperado, é um tipo de construção entre tantos. Porém aqui você pode gerenciar os detalhes da loja de refrescos: preço da bebida, quantidade de funcionários, quantidade de açucar que é usado na bebida. Isso influencia no custo mensal da loja dentro do seu parque, mas também influencia na satisfação dos clientes.

Uma caracteristica sobre seres humanos é que eles adoram filas. Um brinquedo que tem uma longa fila se torna popular, porque as pessoas veem a fila e pensam que ele deve ser legal e isso retroalimenta um sistema infinitamente

Mais funcionários custam mais, mas evita filas e as pessoas tendem a voltar mais numa coisa que elas sabem que não vão pegar filas. Colocar mais açucar na bebida também custa mais, mas faz as crianças ficarem mais tempo no parque porque elas vão estar no sugar rush. Você precisa achar um equilibrio entre o gasto mensal e o retorno prático na administração do parque, e isso é apenas um elemento isolado da loja de bebidas.

O ideal, por exemplo, é você colocar do lado de um restaurante que cobre barato mas carregue o sal na comida, aí todo mundo vai aproveitar o "free lunch" e torrar a grana com as suas bebidas. Porém nada disso adianta se você colocar suas lojas mal localizadas, então você tem que identificar as atrações mais populares do seu parque e explorar os arredores dela com sabedoria porque uma coisa que todo proprietário de estabelecimento tem que fazer é mapear o path que as pessoas fazem dentro das suas premissas para maximizar sua exploração.

Mete açucar nessas criança do capeta, caralho!

Agora aplique isso a qualquer aspecto que você possa imaginar dentro das premissas de um parque e você tem o jogo que ao mesmo tempo é complexa e interliga, porém sem deixar de ser acessível já que usa a estrutura básica de Sim City.

Então você tem que não apenas desenhar o seu parque pensando nos caminhos e em como fazer as pessoas gastarem mais dentro do seu parque, como gerenciar a eficiencia das atrações, negociar o salário dos empregados (empregados bem pagos trabalham melhor, btw) e até mesmo tem uma sessão que você monitora o valor das ações do seu parque - se as suas ações caírem muito seus concorrentes podem comprar partes do seu parque e você fica com menos espaço. São camadas dentro de camadas, dentro de camadas

Porém o melhor mesmo é que toda essa complexidade do jogo é customizavel, e ele pode ser tão simples ou complexo quanto você quiser. No modo "Sandbox", por exemplo, o jogo é basicamente um Sim City em que você coloca as construções e torce pelo melhor. Já no modo full simulation é que você mexe com o mercado de ações, negocia salarios, investe em pesquisa para desenvolver novos rides para o seu parque e assim por diante.

Antes de começar você pode configurar não apenas o nível da simulação, como o quão exigentes os clientes do parque serão ou quantos parques concorrentes você terá, por exemplo. Se você marcar "first game" o jogo ainda dá um tutorial de como a mecanica de construir e contratar funiona, o que é legal

Alias, falando em comparações com o Sim City, esse jogo tem uma grande vantagem sobre o jogo paragon do genero, que é o objetivo. Porque Sim City meio que não tem um objetivo, você faz a sua cidade e quem quiser mora ali, quem não quiser que se foda na maria mole não é problema meu. Theme Park não, você tem um objetivo: não apenas você precisa continuar fazendo dinheiro para pagar as contas do mês, como seu endgame é depois de X anos vender o parque e ir para um lugar mais caro e desafiante.

Isso porque você começa o jogo com um terreno em Londres, onde a população é rica e bem educada, os juros são razoaveis e a inflação está sob controles.

É um bom lugar para começar, de fato, mas que tal tentar um desafio "um pouco" maior?


 Agora quero ver tocar um negócio onde o nível de educação da população é "fiendish" (isso influencia vandalismo no seu parque, pisar na grama e nos canteiros de flores, furto e coisas assim), juros de 50% e inflação de 100%, vamo ver se tu é bichão mesmo! 

No caso do Brasil, algumas dessas coisas ainda se mantém - como o nível de educação da população, por exemplo.

Estou impressionado como a equipe Bullfrog fez uma pesquisa de verdade, porque os dados dos países de fato correspondem a situação cultural e socioeconomica dos países no começo dos anos 90 - o que é muito dificil pesquisar sem internet, saiba você, então foi um trabalho bem grande.

Então Theme Park junta o melhor de dois mundos: é um jogo de gerenciamento muito profundo, mas também muito personalizável, o que é ótimo tanto para iniciantes quanto para veteranos do gênero. Se quiser um jogo rápido e casual, você tem essa opção; mas se quiser uma simulação de microgerenciamento lenta e profunda, você também tem essa opção. Adicione a isso uma interface simples de utilizar e temos um jogo realmente divertido aqui.

Como resposta, Theme Park foi um enorme sucesso com jogadores e revistas da época, sendo até hoje o jogo mais portado da Bullfrog: foi lançado "apenas" para [inspira] PC, Amiga, 3DO, Mega Drive, Sega CD, Amiga CD32, Mac OS, Atari Jaguar, FM Towns, Sega Saturn, PlayStation, Super NES, Nintendo DS e iOS [expira], além de ter gerado uma série de sucesso que sucessores espirituais sendo lançados até hoje. 

Que que é essa abertura deliciosamente anos 90, mano 

Então mais do que ser apenas um "Sim City de parque de diversões", Theme Park na verdade melhora a formula do jogo e a aperfeiçoa e aprofunda em várias maneiras, sem nunca perder a interface simples e os menus compreensíveis. A única coisa que eu realmente mudaria nesse jogo é o nome, porque pesquisar sobre "theme park" é uma desgraça dado que com um nome genérico assim vem um milhão de resultados sobre parques de diversão.

Uma das outras características legais e mais sutis do jogo é que o tipo dos seus clientes muda dependendo do tipo de parque que você construiu. Se o seu parque for muito seguro e tranquilo, você verá muitos idosos vagando por aí. Se houver muitos rides perigosos e barulhentos, você verá jovens caçadores de emoção visitando.

Tanto que quando a Eletronic Arts comprou a Bullfrog, a primeira coisa que eles fizeram foi mudar o nome da franquia para "Sim Theme Park", ao que minhas necessidades de pesquisa agradecem enormemente. Mas se isso é a pior coisa que eu posso pensar sobre o jogo, bem, então esse realmente não é um jogo nada mal afinal. 

Peter Molyneux é uma pessoa bastante ... peculiar e em poucas vezes na sua carreira encontrou a combinação perfeita de fatores que permitiam fazer um jogo como ele queria fazer e ainda ser divertido enquanto jogo. Felizmente, essa foi uma dessas.

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