segunda-feira, 3 de maio de 2021

[MULTI] RISE OF THE ROBOTS (Novembro de 1994) [#680]

Mergulhados até a quinta camada da aura como estamos em jogos ruins, as vezes é fácil perder a linha do que faz um jogo realmente ruim e do que faz apenas um mediano que acontece de ser esquecível. Quantos jogos Amiga-like eu já vi na minha vida? Jogos demais. Quantos saltos de fé eu já dei? Saltos demais. Quantas vezes eu já tive que aceitar que a detecção de colisão é apenas aleatória e a sorte nunca está a meu favor? Vezes demais.

Como eu disse, são tantos, tantos jogos ruins que é muito fácil perder a linha. Mas então chega aquele momento definidor que você sabe que cruzou a linha. Como um viciado em drogas que acorda num lixão as dez da manhã de terça-feira abraçado a uma cabra chamda Osvaldo, você sabe que chegou ao limite. Chega um ponto na sua vida que você está tão afundado na degeneração que mesmo o mais junkie dos junkies percebe que foi longe demais e é hora de pedir ajuda, porque chegou ao fundo do poço.

O que você não sabe, entretanto, é que o fundo do poço sempre tem alçapão. 


Exemplo de caso, essa semana eu joguei aquele que possivelmente é o pior e mais mal programado jogo de todos os tempos: SHADOW: War of Succession. Um jogo que consegue falhar inacreditavelmente em todo e cada aspecto concebível em um jogo enquanto ri com os 60 dolares que tomou de você, otário. SHADOW: War of Succession é a cabra Osvaldo de qualquer gamer, quando você sabe que foi longe demais em lugares que nenhum ser humano deveria ir, consumindo coisas que pessoa alguma jamais deveria consumir.

E então eu descubro que, para minha grande surpresa, o fundo do poço tinha sim alçapão. Rise of the Robots é a punição divina para aqueles que não quiseram dar jeito nas suas vidas após SHADOW: War of Succession. É tão ruim quanto o épico de desgraça do 3DO? Não, claro que não, nada pode ser tão objetivamente ruim quanto.

MAS ele é sim um fracasso em um nível completamente diferente, em uma escala infinitamente maior. É um jogo ruim que não apenas se contentou em ser um jogo ruim obscuro de um console que hoje ninguém mais lembra (o 3DO), não. Ele foi um jogo ruim que ousou sonhar.


Nossa história começa no começo de 1994, na então maior feira mundial de videogames: a CES, onde todos os garotos descolados iam para mostrar os brinquedos que teriam no próximo verão. Bem, naquela CES um jogo da Nintendo particularmente impressionou o mundo pois rodava gráficos que sequer os consoles da próxima geração poderiam sonhar usando o hardware de um humilde Super Nintendo. Estou falando, é claro, de DONKEY KONG COUNTRY.

Esse jogo é pivotal para a nossa história de hoje, porque ele causou um grande furor desde suas primeiras imagens - o que é compreensível. E o que gerou grande admiração também gerou cobiça, porque é assim que rola o ser humano.

Nesse caso em específico estamos falando de cinco candangos da Bitmap Brothers, que decidiram que essa era a oportunidade de fazer uma bufunfa fácil.

CINCO CARAS DA ONDE?

Bitmap Brothers, mais conhecida por SOLDIERS OF FORTUNE...

OK, NÃO É UMA OBRA PRIMA MAS NÃO É UM JOGO TÃO TENEBROSO ASSIM TAMBÉM...

GODS.


Nossos guerreiros da Bitmap Brothers fundaram uma nova empresa para que seu passado de jogos ruins de Amiga não os assombrasse para com os futuros investidores. Esse foi o primeiro passo do golpe. O segundo foi ter um produto para impressionar os investidores e é aqui que DKC entra: eles sairam anunciando aos quatro ventos que usariam a tecnologia de DKC para criar um jogo do genero mais popular do ocidente, um jogo de luta.

O que não é uma ideia ruim realmente e dentro em breve a própria Nintendo vai lançar um jogo nesses moldes - Killer Instinct, que será capa de revistas por um bom número de edições ainda. O problema é que fazer um jogo como Donkey Kong não era fácil ou barato, e exigia mais trabalho que meros programadores de jogos  medíocres de Amiga seriam capazes de faze-lo.

Mas os investidores não precisavam saber disso, precisavam?


Assim eles venderam seu peixe e fizeram brilhar os olhos da Time Warner, que definitivamente ouviu as palavras "um jogo como Donkey Kong só que de luta", porque isso claramente significava muito dinheiro a ser feito. E para fazer dinheiro, você tem que gastar dinheiro - é assim que o mundo dos negócios funciona. De modo que a Warner despejou milhões e milhões de dolares nesse jogo. Não é claro quantos, mas pelo tamanho do marketing que teve na época seguramente passa da casa dos dez milhões.

Agora você está pensando: "Mas como os caras conseguiram milhões e milhões de financiamento sem apresentar nada senão prototipo de um jogo bosta de Amiga?". Bem, o grande truque aqui é que Sean Griffin - o líder do grupo que saiu da Bitmap Brothers para fazer esse jogo - era um trambiqueiro profissional. Quer dizer, ele vivia de tirar dinheiro das crianças com jogos de Amiga, não é como se ele tivesse os padrões morais mais altos em primeiro lugar.

Quase todo mês ele batia ponto nas revistas de games gringas fazendo declarações realmente ousadas a respeito do seu Rise of the Robots. Ele disse que seu jogo seria tão superior que as pessoas esqueceriam que Street Fighter existe, que o jogo não seria apenas sobre robos mas teria uma inteligencia artificial tão avançada que faria os videogames avançarem pelo menos vinte anos.


Não apenas isso e propaganda pesada, como o coup'de grace foi o anuncio que o jogo teria a trilha sonora composta por ninguém menos que fucking Bryan May, mais conhecido como guitarrista e compositor de várias músicas do Queen. 

Agora isso era algo que chamava atenção, um jogo com trilha sonora de um membro do Queen, gráficos usando a mesma tecnologia de Donkey Kong Country, milhões em marketing, lançamento simultaneo em uma duzia de sistemas diferentes... o que possivelmente poderia dar errado?

OK, EU PRECISO PERGUNTAR: ELES TINHAM UM JOGO POR TRÁS DE TUDO ISSO?

Um o que?

O JOGO, UÉ. NÃO É COMO SE ELES PUDESSEM PREPARAR TUDO ISSO E ESQUECER DE DESENVOLVER O PRODUTO PRINCIPAL, NÃO É? ... NÃO É?

... oh... eu sabia que tava faltando alguma coisa. O jogo, é claro, eles totalmente tinham um jogo... hã, mais ou menos...

Em primeiro lugar, e esse é o aspecto pelo qual o jogo é mais conhecido, os gráficos desse jogo são realmente bons. Não Donkey Kong Country bons, mas bons. Em fotografias, pelo menos. Vendo Rise of the Robots em movimento você começa a apreciar o quão dificil foi o que a Rare fez, porque essa coisa de gerar os gráficos em computadores termonucleares e porta-los como sprites para o SNES não for feita com cuidado você tem a animação troncha de Rise of the Robots.


Mas hey, naquela época tudo que tinhamos eram revistas então não é como se alguém fosse efetivamente ver o jogo em movimento até ser tarde demais. Mas que o jogo em movimento não é isso tudo, isso não é.

SE OS GRÁFICOS NÃO SÃO TUDO ISSO, PELO MENOS O JOGO TEM MÚSICA COMPOSTA POR UM MEMBRO DO QUEEN, NÉ?

Hã... não exatamente.

COMO NÃO? TÁ ATÉ NA CAPA DO JOGO!


Então, não é tão simples assim. De fato, Brian May compos músicas para esse jogo... mas elas não puderam ser usadas porque ele tinha um contrato de exclusividade com a sua gravadora, a EMI. Então as músicas até existem, mas elas não estão no jogo.

E A FRASE NA CAPA BEM DO LADO DO ROSTO DO PROTAGONISTA, ONDE TODO MUNDO COM CERTEZA ESTÁ OLHANDO?

Como o objetivo da produtora era muito mais o marketing do que a qualidade em si, eles... deram um jeito. Eles chegaram a um acordo com a EMI que eles poderiam usaram um sample de 8 segundos de uma música do album solo que Brian May já tinha lançado... e isso é tudo. Então tecnicamente, sim, o jogo tem música de Brian May e a capa não está errada. Só o que eles esqueceram de colocar na capa é que são apenas 8 segundos que tocam durante o menu inicial do jogo.


É ISSO?!

Sim, isso é tudo.

NOSSA, ESSA É UMA DAS MAIORES PICARETAGENS QUE EU JÁ VI DURANTE TODA MINHA VIDA! SÓ POSSO IMAGINAR QUE SE ELES FIZERAM UMA SAFADEZA DESSE TAMANHO COM A MÚSICA, A TAL DA PROMESSA DA "INTELIGENCIA ARTIFICIAL REVOLUCIONÁRIA" TAMBÉM É FURADA, NÃO?

Mais ou menos. De fato a inteligencia artifical desse jogo é como nenhum jogo de luta jamais havia usado antes, mas isso não é necessariamente uma coisa boa. Com efeito, é algo que torna esse jogo uma bosta completa e injogavel.

Saca só como funciona: quando você aperta um comando no jogo, especialmente um golpe especial, nas primeiras duas vezes o computador aceita. Na terceira a "inteligencia artificial" "aprendeu", o que significa que antes que o boneco execute o comando o jogo lê o que você apertou no joystick e já reage de acordo antes do golpe sair.

ESPERA, ISSO NÃO É INTELIGENCIA ARTIFICIAL, ISSO É TRAPAÇA!

Agora você realmente entendeu Rise of the Robots, Jorge. Sim, a tal "Inteligencia Artificial que iria revolucionar os videogames" nada mais é do que o jogo trapaceando. Você aperta o comando, o personagem do computador fica sabendo antes que o seu boneco execute o movimento e já defende ou emenda o contragolpe antes que o seu boneco faça o movimento.

Esse jogo só não é 100% injogável porque tem único movimento que o computador não foi programado para responder,  que é o pulo com chute. Só esse, todo o resto não adianta nem tentar. Então uma tipica partida de RotR é isso, basicamente:

Parabéns a todos os envolvidos

UAU, ISSO PARECE... OLHA, EU NÃO VOU MENTIR, É BEM RUIM MESMO.

E, acredite ou não, ainda fica pior que isso.

NANI?!?

Acontece que a Mirage não apenas tava tomando um pau do tamanho do mundo pra fazer os gráficos estilo Donkey Kong funcionarem, a Warner (que é quem estava bancando a brincadeira toda) tinha um ambicioso plano de lançamento multiplataformas. Pois é, porque mais do que um jogo que não funciona, ele seria um jogo que não funciona lançado para NOVE sistemas diferentes - originalmente, a ideia era lançar ao mesmo tempo.

E, como você pode imaginar, sistemas que tem programação completamente incompatível entre si, não é que nem hoje que os jogos de PS5 e XBOX Series Mariamole são basicamente jogos de PC customizados, não. Alguns desses sistemas você tinha que reprogramar do zero, porque eles usavam linguagem de programação única.

Então tinha que os caras estava fazendo um jogo para ser lançado ao mesmo tempo para *inspira* SNES, Mega Drive, Game Gear, Philips CD-I, 3DO, Amiga, Amiga CD32, PC e Arcade. Como fazer isso no prazo? 

Curiosamente esse jogo nunca foi lançado para o Jaguar, um console que nasceu para receber jogos bosta assim

Simples, mantenha o jogo o mais simples possível. O que quer dizer que o modo campanha só pode ser jogado com o robo azul da capa (chamado por muitas crianças de Brian May, porque é o nome que está junto com o rosto dele na capa). Embora seja tecnicamente possível jogar com os outros robos no modo versus, você percebe claramente que eles não foram tunados para serem personagens do jogador (a mesma gambiarra que fizeram para você jogar com o DINÓCERO no primeiro Jurassic Park de Mega Drive).

É um jogo com o desenvolvimento tão atabalhoado por conta dessa farra de se desdobrar em multiplataformas... que eles "esqueceram" de colocar continues no jogo. Sim, é isso mesmo, é um jogo de luta com apenas uma vida. Perdeu começa de novo.

MAS... MAS... ISSO NEM FAZ SENTIDO...

Pois é, esse é Rise of the Robots, um jogo onde absolutamente TUDO deu errado. Tá, okay, o design dos robos até que é interessante, mas meio que até onde suas qualidades vão. Eu ainda acho que Shadow: War of Succession é um jogo pior, mas definitivamente esse é muito mais desonesto justamente por ser mais ambicioso. Eles sabiam que estavam vendendo um jogo de luta do Amiga quebrado (alias, no Amiga mesmo o jogo vem em 13 disquetes e você tem que trocar o disquete a cada luta, o delícia) e tocaram ficha porque foda-se.

O projeto completo de Rise of the Robots previa não apenas jogos, mas todo um empreendimento de midia multinivel: bonecos, acessórios, um livro se passando nesse universo e até mesmo um longa metragem. Desses, apenas o livro chegou a ver a luz do dia já que o jogo foi destruído pelas revistas na época devido ao fato que, bem, ele era o golpe mais safado da história dos videogames até então.


Pra você ter ideia de como esse atentado a céu aberto fracassou, na avaliação da Amiga Power ele teve nota 5. CINCO. De uma revista especializada nos maiores horrores impostos a raça gamistica, jogos de Amiga!

AH, 5/10 NÃO É UMA NOTA TÃO RUIM ASSIM TAMBÉM...

Não é 5/10, Jorge. É 5 de CEM. CINCO POR CENTO!!!

YAIKS...

O final dessa história é que Rise of Robots não vendeu tão mal assim porque o hype no seu lançamento era monstruoso e a informação não circulava tão rápido em 1995, quando as reviews começaram a ser assimiladas muita gente já tinha comprado a bomba.

Mas a Warner percebeu o tamanho da merda que eles tinham se metido e decidiu fazer apenas a coisa esperta a ser feita nesse caso:


O que nos leva a questão realmente intrigante para encerrar esse texto: como será que as nossas queridas revistas tupiniquins trataram essa bomba super hypada? Será que podiamos confiar nossas mesadas juvenis nas palavras dos pilotos huehueBR?

É o que veremos a seguir:

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
Edição 076



MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 012


Edição 032