Normalmente eu coloco a capa americana na frente, mas eu tenho um ponto sobre isso hoje |
Me diga se essa cena lhe é familiar: você gosta de um hobbie particular (pode ser videogames, board games ou o campeonato russo de arremesso de anões) e uma das primeiras coisas que você faz é pesquisar quais são as "hidden gems" daquela categoria. Quer dizer, você nem realmente experimentou os grandes clássicos (como por exemplo eu nunca tinha jogado FINAL FANTASY 6 até o fim antes do meu post nesse blog) mas quer ser o fodelão que achou aquela perola que ninguém mais conhece.
Todos nós já passamos por isso. Nós vasculhamos postagens de fórum e os vídeos do YouTube em busca de "joias escondidas", como velhos procurando moedas raras com um detector de metais na beira da praia. E quando se fala de jogos de Super Nintendo, uma figurinha carimbada são os RPGs da Quintet. ACTRAISER, ACTRAISER 2, ILLUSION OF GAIA, Terranigma e este Robotrek aqui.
Aparentemente o jogo se passa no Brasil, que escolhe pitoresca essa |
É realmente impressionante como praticamente todos os jogos que eles lançaram para o SNES batem ponto em todas as listas de "perolas que não receberam o devido destaque", com tanta frequencia que você realmente tem que se perguntar se não é o caso de que EXISTE um motivo real pelo qual essas "perolas escondidas" ficaram escondidas.
No caso de Robotrek, explicar porque essa "hidden gem" ficou (e deveria ficar mesmo) hidden não é realmente tão dificil assim.
Nossa história começa como a grande maioria das histórias começa: em um simpático planeta siutado no espaço. É seguro dizer isso realmente da maior parte das histórias, elas acontecem em algum lugar do espaço - salvo por alguns episódios de Doctor Who e os filmes do J.J. Abrams apenas porque ele não planejou tão a frente assim.
Seja como for, nossa história em especifica se passa no planeta Quintenix e mais especificamente ainda na cidade de Rococo. O que coloca essa como uma das melhores nomes de cidade da história dos videogames, atrás apenas de Limsa Lominsa e "My Large Intestine".
"MY LARGE INTESTINE" É UM LUGAR REAL, É UMA CIDADE DE 148 HABITANTES NO TEXAS QUE SE EMANCIPOU JUSTAMENTE PARA TENTAR VIRAR ATRAÇÃO TURÍSTICA POR CAUSA DO NOME
Não seja bobo, Jorge, o Texas não é um lugar real. Mas continuando...
Rococó é uma cidade ... vivivel. Hã, okay, essa é uma boa qualidade, eu acho... creio que é importante que as cidades sejam lugares viviveis... enfim, as pessoas vivem lá e são felizes. O que, se tratando de um RPG, significa que logo uma tragédia de proporções incalculáveis vai logo acontecer. Nunca more em uma cidade pacifica inicial em um RPG, kid: o pipoco vai logo comer.
Então, desenvolvido pela Quintet e publicado pela Enix (daí o "planeta Quintenix", Robotrek foi lançado no Japão em julho de 1994 com o título Slapstick ("Comédia Pastelão" é o termo que se usa em português), que como dá pra ver pela introdução não é muito segredo que esse jogo pretendia ser um jogo alegre que não se leva muito a sério. Ao que os americanos reagiram da seguinte maneira:
Tutorial de como fazer uma capa de videogame nos anos 90 |
A desenvolvedora fazendo merchan dos seus outros jogos dentro do jogo, agora eu já vi tudo |
"Bem vindo ao Rococó" não é algo que você vai lei em muitas capas de jogos... ou ler muito de modo geral |
O jogo é uma massa incoerente de dialogos que muito por cima levam a algum lugar, mas ver a tradução desse jogo é como ver um quadro pintado por alguém usando luxas de boxe. Você pode até entender qual é o espirito geral da coisa, mas a execução é tão porca quanto se pode ser. Eu sinto que os blocos de construção para uma história interessante e até mesmo divertida estão aqui, mas a execução é tão falha que não tem como tirar prazer dessa massaroca de frases soltas.
Frases como essa te fazem questionar se a pessoa que traduziu o jogo realmente fala inglês em primeiro lugar. Mas esse é todo o ponto da coisa, mesmo que o tradutor fosse bom (e eu não coloco minha mão no fogo que seja, na verdade se eu tivesse que apostar apostaria no contrário e que pegaram o desgraçado mais barato que puderam encontrar) ele ainda teria que adaptar o texto para apenas caber, então adaptar as piadas, então mudar todo o tom de mais de dez horas de jogo. Em um mês.
Não acho que isso é humanamente possível de ser feito. E com certeza não foi feito aqui.
O que realmente é uma pena, não apenas porque humor é uma coisa rara em videogames como porque o sistema de combate desse jogo é bastante interessante. Como seu personagem é um inventor, o combate desse jogo funciona como Pokémon: você não luta diretamente e sim os robos que você cria.
E quando eu digo "cria" é literalmente: você não apenas crafta o seu robo e sim distribui os atributos dele, escolhe os equipamentos e até mesmo programa ataques especiais através de sequencias de comandos. Você pode gravar na memória do robo, por exemplo, a sequencia "tiro, bomba" que ao ser ativada em combate atinge todos os oponentes na tela.
Ou então a sequencia "melee, melee, tiro" que faz seu personagem teleportar para trás do oponente e dar dois ataques pelas costas.
Na caixa original do jogo vinha uma tabela com todas as combinações de RUN commands possíveis, o que era um problema se você tivesse alugado o jogo |
No entanto, fiquei um pouco desapontado por não ser possível criar tipos totalmente diferentes de robôs com visuais diferentes, mas talvez minhas expectativas fossem muito altas para um jogo desta época. Em vez disso, todos os três robôs parecem exatamente iguais, exceto pela cor, e suas únicas características distintivas são estatísticas e equipamentos (e nem mesmo estatísticas, uma vez que você maximiza todos os seus atributos). Também existe um sistema de crafting que permite criar equipamentos, itens consumíveis e itens importantes que são necessários para o progresso. Com efeito, você não compra equipamentos novos nas lojas, você crafteia eles usando itens que já tem ou receitas que coleciona no mundo.
Eu não sou muuuuuito fã de crafting em jogos, mas reconheço que geral da coisa é bem legal.
O problema é que essa ideia bem legal está perdida num jogo pavorosamente traduzido, como eu disse antes, e também que... bem, não é um RPG muito bom, na real. O principal problema é que existem algumas masmorras no jogo, e muitas delas são bastante grandes. O problema em si não é esse exatamente, as masmorras em si são normalmente bem projetadas, o que pega é que o jogo frequentemente exige quantidades insanas de backtracking. Você está no fim da masmorra, aí tem que voltar até a cidade pra falar com um NPC e então ir até o fim da masmorra de novo com os inimigos respawnando a cada tela.
De alguma forma eles conseguiram errar um personagem se apresentando, incrível isso |
Mas o principal problema é que os calculos de ataque são todo escangalhados, fazendo o jogo ser bastante desequilibrado. Contanto que você esteja devidamente nivelado e usando Programas eficazes, o combate vai ser uma brisa durante a maior parte do jogo. No entanto, particularmente mais tarde no jogo, você encontrará certos tipos de inimigos que batem como um caminhão e sofrem pouco dano de ataques e/ou têm uma alta taxa de evasão mesmo você tendo os atributos no máximo. Do nada alguns inimigos te moem apenas porque sim e foda-se vc, simples assim.
Você também encontrará inimigos que são resistentes a certos tipos de ataques e mais suscetíveis a outros, o que é justo, mas essas afinidades são completamente aleatórias. Por exemplo, eu nunca entendi por que alguns inimigos são fracos contra um único ataque de uma arma corpo-a-corpo, mas resistentes a um Programa que executa três golpes do mesmo ataque corpo-a-corpo, ou vice-versa. Não há uma consistencia na programação do jogo, de modo que você tem a sensação de que nunca sabe exatamente o que está fazendo.
Chefes do final do jogo são os maiores ofensores desse crime, eles são imunes a seus golpes e te deitam com uma porrada apenas porque eles foram programados assim, então as lutas se tornam um padrão de Ataque-Reviva-Ataque-Reviva todas as vezes, tornando-as bastante cansativas. No final do jogo, todas as minhas estatísticas estavam no máximo (exceto HP, que tem um limite muito maior do que outras estatísticas) e eu tinha o melhor equipamento do jogo, então não vejo como esse padrão seria evitável.
Os elementos da apresentação visual de Robotrek são familiares para aqueles que já jogaram outros jogos da Quintet. A fonte de texto que a Quinteto sempre usa está aqui, e certos sprites de personagem parecem ter sido extraídos diretamente do Illusion of Gaia. Os sprites dos inimigos geralmente variam entre ridículos (o que é bom) e sem inspiração (o que é ruim). A paleta de cores é boa, e Robotrek é um jogo de boa aparência no geral, é um tipico RPG de SNES bonitinho na parte visual. Pena que a música é medíocre, na melhor das hipóteses, e o tema da batalha vai rapidamente te dar nos nervos.
Verdade seja dita, ver esses gráficos me deu vontade de jogar Stardew Valley |
Embora eu não chame Robotrek de um jogo pavoroso, eu acho que ele flerta perigosamente com isso - e definitivamente justifica as notas medíocres de reviews que recebeu quando do lançamento. Sinceramente, Robotrek parece mais uma oportunidade perdida do que qualquer outra coisa.
Robotrek é um jogo difícil de se recomendar. Embora eu honestamente acredite que seu tempo seria mais bem gasto em jogos melhores, não posso negar que ele tem algumas ideias interessantes que valem a pena conferir, em pelo menos por algumas horas. No final das contas, é um jogo que parece bem intencionado mas sua adaptação foi a pior coisa que eu já vi na vida e tem falhas de gameplay grotescas que uma produtora com mais experiencia (e bom senso) não cometeria. O que é estranho, porque se em Illusion of Gaia eu disse que o jogo se sustenta tecnicamente apesar da história não fazer lé com cré, aqui nem isso pode ser dito.
Eu definitivamente gostaria de jogar uma versão desse jogo bem traduzida e com os seus elementos de gameplay únicos implementados corretamente. Esse jogo que eu gostaria de ter jogado, entretanto, não existe e o jogo que existe não é interessante o suficiente (ou bom o suficiente, nesse caso) para se sustentar por toda a sua duração.
Como normalmente é o caso, nem todas as "joias escondidas" dessa época são joias realmente, mas definitivamente foram engolidas pelo tempo por um motivo.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 010