Um procedimento que eu faço nesse blog é, sempre que eu posso, falar não apenas dos jogos mas do contexto que levou aquele tema em particular - como no jogo do - STARGATE eu falei sobre o filme também, ou no jogo do THE INCREDIBLE CRASH DUMMIES eu falei de toda história sobre como bonecos de teste de colisão se tornaram uma linha de brinquedos e portanto um jogo. É algo que eu gosto de fazer porque eu sempre aprendo coisas novas que eu não sabia.
SIM, ESSA É A DEFINIÇÃO DE APRENDER. ISSO É UM PLEONASMO.
Viu só? Acabei de aprender isso também!
Mas bem, nesse sentido o jogo de hoje foi a oportunidade de pesquisar algo que eu sempre tive curiosidade de saber: hoje até que isso não é realmente muito uma coisa mais, ou pelo menos não deveria ser em lugares civilizados, mas até os anos 2000 tinha muito forte essa vibe de “poneis são coisa de meninas”. Eu acho tosco isso de “coisa de menino” e “coisa de menina”, mas é assim que as coisas eram.
E isso é algo que eu sempre achei curioso, porque cavalos não é algo que você associa com as outras “coisas de menina” socialmente estabelecida. Eu entendo pq a sociedade incentiva meninas a brincar com bonecas e de “casinha”, e princesas e coisas fofas e adoraveis e delicadas assim. Não é realmente necessário ser um genio pra entender como a nossa sociedade é estruturada com base nas coisas que é dito ser “certo” uma criança brincar.
Eu não concordo, mas entendo a razão. Agora... cavalos? Sério, tu já viu um cavalo de perto? É um bicho muito forte ao ponto que você não consegue sequer lutar contra um cavalo se não tiver uma arma, e mesmo que você tenha uma espada ou algo assim as chances ainda vão estar do lado do cavalo - não é por acaso que ainda hoje a polícia usa cavalos em ambientes urbanos.
Eu já fui em estádio de futebol que a policia soltou os cavalos e é uma coisa aterrorizante. Não porque ele pode te atacar, como você teria medo de um cachorro ou algo assim, mas porque você sabe que ele pode pisar em você, quebrar sua perna no meio e sequer percebeu que fez isso.
Sério, cavalos são muito grandes e fortes, o que os torna uma adição bem estranha as “girly things”. Eu até entendo que poneis são versões cute dos cavalos, mas isso é apenas uma variação da trend principal. Na maioria das áreas relacionadas a cavalos, as mulheres são maioria do que os homens. Tanto nos EUA quanto na Grã-Bretanha, mais de 90% dos proprietários de cavalos são mulheres. Três em cada 4 alunos matriculados em escolas de equitação na Europa são mulheres. 4 em cada 5 veterinários eqüinos graduados nos EUA são mulheres.
Então a pergunta que eu sempre tive é: pq? Não que seja errado nem nada, apenas me pareceu bem aleatório especificamente cavalos ser algo relacionado desse jeito. Então eu comecei a pesquisar, e a resposta mais obvia é que é uma profecia auto-realizavel. Se estabeleceu que isso era verdade, e por ser dito que é verdade repetidas vezes as gerações cresceram acreditando que isso é verdade.
Isso é verdade, da mesma forma que se repetiu tantas vezes que “rosa é cor de menina e azul é cor de menino” que a partir de determinado ponto as pessoas cresceram acreditando nisso e nunca se perguntaram o pq, na verdade passaram a defender isso em um nível primitivo. É estúpido, mas é como seres humanos rolam e na imensa maioria do tempo as pessoas não sabem pq acreditam nas coisas que acreditam.
Mas isso explica como isso se manteve, não a origem desse conceito social. Então da onde isso saiu? Após passar algum tempo lendo achismos das pessoas na internet (e eu li todo tipo de coisa bizarra, desde que meninos não gostam de equitação porque esmaga seus testiculso a mulheres gostarem de cavalos porque eles tem um bilongão enorme... internetz, enfim), eu encontrei uma resposta que me parece satisfatória.
Existem alguns estudos escritos sobre este assunto, o mais recente sendo “Horse Crazy: Girls and the Lives of Horses”, de Jean O'Malley Halley pela Universidade da Georgia.
A base para a aceitação social do amor pelos cavalos por meninas em particular começou, entre outras coisas, com o sucesso de um gênero literario chamado “poney books” - que como o nome sugere, eram livros sobre a amizade entre uma menina e seu cavalo. Sim, isso não apenas é um genero como fez muito sucesso no começo do século XX.
O precursor disso é o livro seminal “Black Beauty”, um romance de 1877 da autora inglesa Anna Sewell - um dos livros mais vendidos de todos os tempos. Black Beauty é mais ou menos um “Marley e eu” de cavalos, um livro que conta a vida do cavalo Black Beauty desde seus dias de potrinho, sua vida na cidade puxando cabs até seus últimos dias em uma fazenda já idoso.
O livro teve um grande impacto no movimento contra a crueldade com os animais; e foi um dos pilares que tornou-se mais socialmente aceitável ver os cavalos não como mero transporte, mas como seres com direitos. Os movimentos pelos direitos animais no começo do século XX eram majoritariamente participados e liderados por mulheres, de modo que começou a se fazer essa associação. Eu não sabia que os movimentos pelos dos direitos animais e o sufragismo são praticamente irmãos, mas agora eu sei e saber é metade da batalha.
E é claro que a Disney comprou os direitos para fazer um filme, o que é que a Disney não compra hoje em dia? Eu to aqui a venda dona Disney, alias |
Quando Black Beauty foi escrito os cavalos ainda eram o principal meio de transporte - e sendo condenado a ser um cavalo de carroça um destino realista. Porém nos anos seguintes essa realidade mudou, o uso de cavalos como meio de transporte estava em declínio, sendo substituído pelo automóvel - de modo que os livros que tentavam surfar na onda de Black Beauty, como sempre acontece quando um livro bomba, deixavam de lado a critica social sobre o tratamento que os cavalos recebiam na cidade (que não fazia mais sentido na realidade urbana) e focavam na coisa do relacionamento com o cavalo.
Foi assim que surgiu o gênero “pony book” e foi assim que realmente nasceu essa coisa de “uma garota e seu cavalo”. Esses livros foram expressamente dirigidos às meninas e marcam o verdadeiro ponto de inflexão - onde os cavalos se tornaram, no Ocidente, uma “coisa para meninas” (embora nunca tenham deixado de ser uma “coisa para meninos” também, vide que ainda hoje “cowboys” são uma coisa ainda).
Agora explicado esse conceito, não é realmente surpresa que quando a Hasbro queria uma marca para vender brinquedos para meninas da mesma forma que vendia GI Joe para meninos criou a marca “My Little Pony” - cavalinhos coloridos amigaveis em bonecos realmente baratos.
UAU, TODA ESSE TEXTO FOI APENAS UMA DESCULPA PRA POSTAR MEMES DE MY LITTLE PONY, NÃO FOI?
Eu não sei do que você tá falando, Jorge, da onde tu tirou a ideia de que eu sou Brony ou alguma coisa assim...
É, NÃO FAÇO IDEIA DA ONDE EU POSSO TER TIRADO ISSO...
NENHUMA IDEIA MESMO...
Hã... então... mas seja como for, não é realmente surpreendente alguém pensassem em traduzir o grande sucesso de My Little Pony dos anos 80 em um videogame... exceto que licenças custam dinheiro e algumas pessoas são muito apegadas ao seu dinheiro e preferem não gasta-lo sempre que possível. Verdade seja dita, não foi o primeiro a pensar em como ganhar um dinheiro com poneis sem dar um centavo para a Hasbro, e certamente não será o último.
Esse tem alguém que não tem vergonha de chupinhar licenças na cara dura, esse alguém certamente é a Sega. Quer fazer um jogo de Robocop mas sem gastar com isso? E-SWAT: CITY UNDER SIEGE Conan, o Barbaro tá na moda e você quer economizar? GOLDEN AXE
Assim, quando a Sega quis fazer um jogo de My Little Pony mas sem realmente pagar por isso nasceu Crystal Pony Tales. Mas que tipo de jogo são esses contos dos poneis de cristal? Um surpreendemente decente, já que jogos infantis não tem a melhor reputação do mundo.
Ser dono de um barco parece um desejo estranho para um pássaro, mas ei, todo mundo tem que ter um sonho |
Um jogo sobre cavalos psicodélicos e amor |
Os poneis dizem qual jóia precisa para serem libertados ao interagir com eles, de modo que a criança tem que fazer a associação |
Se você sempre quis um jogo sobre poneis com barba por fazer, eis aqui seu sonho estranhamente especifico realizado |
Edição 079