terça-feira, 4 de maio de 2021

[MEGA DRIVE] SHINING FORCE 2 (Outubro de 1994) [#681]

A Sega da América e sua política de que as capas japonesas são muito afeminadas para a familia tradicional americana, então substituindo por homões com as coxas grossas de fora e o peitoral exposto como uma capa de romance para donas de casa. Muito mais machão.


Uma coisa que frequentemente é dita a respeito de videojogos é que diferente de qualquer outra mídia criativa, em videogames não é raro a continuação ser melhor que o original. Isso não é totalmente sem procedencia, já que videogames são tanto uma mídia criativa quanto são brinquedos (ou um board game com grife, se preferir) e esse segundo faz muito bem um uso de um aprimoramento nas suas mecanicas.

Jogos são, afinal, talvez a mídia narrativa mais complexa de se desenvolver e sempre tem muito o que pode ser melhorado, polido, refeito de uma forma melhor e mais divertida dado que são muitas variaveis que compõe um game. Logo, não é sem sentido dizer que na continuação os desenvolvedores já tiveram um feedback do que funciona e do que não funciona, e podem deixar a coisa melhor ainda.

Porém embora isso seja verdade, também é verdade que não é essa festa do caqui toda não. Continuações tendem a ser melhores mecanicamente do que o original na parte jogo, mas videogames são mais do que jogos. São experiencias pessoais de entretenimento, e porque não, de aprendizado e crescimento. É mais do que brincar com um brinquedo eletronico, é sobre um ser humano (ou um grupo deles) querendo se expressar enquanto individuos.

Ainda bem que a Sega da América nos salvou dessa má influencia

Claro, verdade que nem todos os videojogos precisam ser arte (tanto que o Mario tá aí firme e forte 35 anos depois), mas como regra geral, se você vai dedicar mais de uma dezena de horas do jogador não apenas as mecanicas, mas também a contar uma história, nos envolver com personagens e nos fazer se importar com eles ... bem, é de bom tom que você tenha algo para dizer. E é nessa parte que uma continuação não é tão simples assim.

A Squaresoft pode ter vários defeitos como desenvolvedora, e certamente eles tem a capacidade de organização de um brasileiro porque as lambanças que eles fazem com seus prazos é uma coisa que já devia ter dado perda da cidadania japonesa, mas tem uma coisa que eles sempre fazem certo: eles sempre fazem um novo Final Fantasy apenas quando tem algo a dizer.

Não quer dizer que eles acertam sempre, mas a intenção sempre parte de uma premissa criativa primeiro e ser uma continuação de uma franquia de renome fica em segundo lugar. E essa é a parte onde a Sega errou (oh que surpresa eu dizendo isso) com Shinning Force.

Vejo que Granseal adotou os protocolos sanitários brasileiros para epidemias

Sabe, quando eu estava jogando o primeiro SHINING FORCE: The Legacy of Great Intention, eu fiquei me perguntando como diabos essa série desapareceu nos anos seguintes já que não é apenas um jogo mecanicamente super redondinho, mas é um RPG - ainda que simples - feito com carinho e atenção. Claro, não é um FINAL FANTASY 6 mas ainda sim é um jogo que você consegue sentir o quanto de esforço e atenção seus criadores colocaram nele, é um jogo feito com amor.

Shining Force 2 é uma continuação feita porque o primeiro vendeu bem, e meio que é isso. Não quer dizer que o jogo não tenha suas qualidades ou mesmo que seja ruim - o que não é. Mas... não é a mesma coisa e dá pra sentir isso jogando.

E naquele dia a humanidade lembrou... o horror que é ser governado por eles, como passaros em uma gaiola

A melhor comparação que dá pra fazer para explicar a sensação é com as continuações da Disney lançadas direto para DVD de seus filmes famosos. Não é que Aladdin 2: O Retorno de Jaffar ou O Rei Leão 2: O Reino de Simba são filmes ruins, e certamente é um entretenimento okay com o qual você não vai ter muitos problemas, mas... não é a mesma coisa, é?

A história do primeiro Shining Force era simples, mas focada: um império do mal quer usar ruínas de uma civilização perdida para dominar o mundo, e um grupo de heróis faz uma road trip até lá para acabar com a putaria - apenas para descobrir que a "magia" da civilização antiga era na verdade tecnologia e ela se destruiu com essas mesmas ferramentas que agora o Império do Mal quer usar para dominar o mundo. O que possivelmente pode dar errado, né?

Quando você diz pro padre católico que tem mais que 14 anos, mas ele sabe que é mentira

O grande lance disso, no entanto, é que durante a viagem o jogo vai dando tempo para os personagens se desenvolverem e mais importante, o tema é reforçado inúmeras vezes: todo mundo que se junta a sua Shining Force (os mais de trinta cabras) foram afetados pela guerra de uma forma ou outra e tem um motivo para se juntar ao seu grupo. Conforme você mantém os personagens no grupo principal ganha "pontos de afinidade" (que não é quantificado ao jogador diretamente) que serve para desbloquear as histórias pessoais deles no QG - uma ideia que Mass Effect imortalizaria muitos anos depois.

E ajuda muito que vários dos personagens tenham personalidades marcantes, em especial a princesa Narsha, a princesa do "Império do Mal" que vê seu pai sendo corrompido e faz a jornada de volta para buscar algum tipo de ajuda, encontrando nossos heróis no meio do caminho.

Como eu disse, é uma história simples mas focada, com personagens identificaveis e feita com cuidado.

Saudades dos tempos que você podia nomear o seu personagem e ter momentos assim

Já em Shining Force 2 a história é... bem, uma bagunça. Ela começa até que bem: um demonio capetídico do mal mortal foi selado em uma torre através de duas jóias, até o dia que um ladrão tem a brilhante ideia de roubar as jóias - o que liberta o cramuião e começa o processo de fim do mundo. 

OKAY, PARECE RPG RAÍZ NENHUM PROBLEMA.

Exceto que o jogo não é muito sobre isso, já que o foco é que os demonios que sairam do portão do inferno aberto possuem os líderes do reino vizinho e começam uma guerra com o seu reino.

TÁ,  UMA MUDANÇA DE TEMA, MAS AINDA NÃO É UM PROBLEMA PORQUE HISTÓRIAS DE FANTASIA SOBRE REINOS EM GUERRA TAMBÉM É ACEITÁVEL...

Exceto que o jogo também naõ é sobre isso, porque o seu reino é engolido por um terremoto causado pelo capiroto desperando, de modo que agora os sobreviventes fogem por suas vidas com as calças na mão e o tema da guerra com o reino vizinho jamais será tocado novamente até os últimos minutos de jogo.

HÃ, ENTÃO SUPONHO QUE AGORA SEJA UMA CAMPANHA ESTILO KINGMAKER. INCOMUM, MAS SUPONHO QUE O JOGO POSSA SE FOCAR NOS REFUGIADOS COMEÇANDO UM REINO DO ZERO E OS DESAFIOS DE SER UM PEREGRINO EM UMA TERRA ESTRANH...

Exceto que depois de alguns minutos essa história também é abandonada. Logo a história passa a ser sobre encontrar os deuses desse continente e conseguir aliados para derrotar o mal enquanto o demonio manda seus quatro generais das trevas (clássico shonen) um por um atrás de você.

AH MAS VÁ CATAR MARIMBONDO, SOBRE O QUE É ESSE JOGO AFINAL?!?

Então, sobre nada em particular. Você anda de cidade em cidade, em cada cidade tem um problema que não necessariamente tem relação com nada anterior, você resolve o problema e vai pra próxima assim sucetivamente. Quando eu cheguei no final do jogo, eu já tinha totalmente esquecido que havia uma princesa sequestrada (o que não tem relação com nada do que você faz durante o jogo), e um rei estava possuído. Minha maior reação foi de "ah é, tinha uma princesa né... eu acho..."

Wait that's illegal!

Durante o curso do jogo você claramente consegue ouvir os desenvolvedors dizendo "cara, a gente não tem nenhuma grande ideia realmente, mas tem que fazer esse jogo porque o primeiro vendeu bem, então taca a primeira coisa que vier a mente pra encher linguiça e era isso". Não é exatamente a sensação que eu espero de um jogo com dezenas de horas de história, saiba você.

Ainda se salvaria se houvesse desenvolvimento de personagens, mesmo que de forma simplória como no primeiro jogo... mas não. Cerca de 5 personagens tem falas nas cutscenes e um até que tem um arco de personagem interessante (Limão, o Barão Vermelho que foi transformado em um vampiro e agora quer expiar os crimes que cometeu enquanto era um servo controlado pelo mal... só que ele é imortal e não pode tirar a própria vida para recuperar sua honra). Mas os outros TRINTA caras do seu grupo apenas tem um nome entram pra party e era isso.


Sua party em SF2, in a nutshell

TÁ, A HISTÓRIA É UMA BAGUNÇA, OS PERSONAGENS DESAPARECEM DEPOIS DUAS LINHAS DE DIALOGO ANTES DE ENTRAR PRA PARTY... MAS MECANICAMENTE O JOGO MELHOROU, PELO MENOS?

Hã... eu não diria exatamente isso. É verdade que o jogo tem melhorias sim, sendo a principal que os personagens tem a opção da "promoção secreta" que é evoluir para uma classe alternativa se eles estiverem segurando um determinado item. Essas classes geralmente são muito boas e quase sempre valem o trabalho de conseguir o item... não fosse o problema que nada disso é dito no jogo. A única forma de saber dessas coisas é jogar com um guia, porque não tem um NPC em alguma cidade que dá uma dica sobre issou nem nada do tipo.

Mas tirando isso esse jogo é basicamente o mesmo que o anterior... só que piorado. Isso porque a Sega tem a sua indefectível politica de "jogos mais dificeis duram mais, então as crianças gostam por mais tempo" e esse jogo é consideravelmente mais dificil do que o primeiro jogo ao ponto que sua unica real alternativa é grindar. O velho favorito de todos, yay.

Aquele momento constrangedor que o Gandalf quis levar uma novinha nas costas mas ela se revelou sendo uma vampira do mal

Veja, Shining Force tem por volta de 40 lutas durante o jogo todo. No jogo original, você fazia essas lutas distribuindo quem matava o inimigo para ficar como XP e isso era suficiente para terminar o jogo. Agora não, os inimigos batem mais forte e são de nível mais alto, de modo que para seus personagens não tomarem 1 hit kill de tempos em tempos é necessário o protagonista usar a magia Egress, que transporta para a cidade mais próxima e recomeçar a luta, matar mais um uns inimigos e assim sucetivamente até todo mundo ter nível suficiente para seguir em frente.

Não é a pior coisa que eu já fiz jogando videogame, até porque eu gosto muito de RPG Tático e o sistema de Shining Force é sólido, mas "divertido" não é uma palavra que eu usaria para descrever a experiencia. Especialmente porque no jogo anterior a Sega tentou ser o mais criativa que pode para tirar situações especiais dos mapas de batalha (como no mapa que você luta numa ponte com um canhão disparando a cada X turnos), mas aqui esse esforço foi quase inexistente já que todos os mapas são basicamente abertos e genéricos.

POXA, MAS ESSE JOGO NÃO TEM NENHUMA QUALIDADE ENTÃO?

Algumas. O gerenciamento de itens é LEVEMENTE menos pior que o jogo anterior (não ao ponto de ser aceitavel, mas pelo menos não é tão ruim quanto) e as cutscenes são interessantes não devido ao senso de progressão geral, mas sim porque eles usam os sprites dos bonequinhos de uma forma engraçada (eu não posso deixar de rir quando alguém desaba de cara no chão, e a cena da "acrobacia" é lendária).

E, como eu disse, o sistema de combate apesar da pisada na bola da dificuldade é puro Shining Force e isso nunca é uma coisa ruim. Até porque o jogo tem mais personagens não-humanos, e embora na narrativa o jogo cague para isso no combate é um toque legal já que cada raça tem suas próprias regras de movimentação.

David Bowie vs Iron Maiden, esse dia foi louco

No geral das coisas eu diria que se tivesse os recursos que existem hoje, a Sega teria feito Shining Force 2 mais um DLC do primeiro jogo do que uma experiencia nova que funcione por si só. Não é a experiencia do primeiro jogo, mas não chega a ser um jogo ruim também.

EXCETO PELO FINAL

Oh god... oh dear... oh god... é, tem esse final que consegue a façanha de ser o pior final que eu já vi em um jogo até hoje. Bem, acontece que no final do jogo a princesa (que eu nem lembrava que existia até a última luta) é envenenada mas a deusa Mitula (belo nome) salva a vida dela ... a deixando em coma até que ela se recupere do veneno. Após o veneno sair do seu corpo então ela precisa ser beijada pelo seu verdadeiro amor para acordar.

Okay, eu entendi que a Sega quis puxar um final de conto de fadas aqui (o que tanto faz, não é como se o jogo tivesse construido qualquer clima mesmo), mas isso saiu de uma forma completamente horrenda. Em primeiro lugar, a deusa podia simplesmente ter curado ela sem toda essa burocracia - mas suponho que ser cuzão tá na descrição de emprego de um deus, afinal.

Aí dois anos se passam e chega o dia da "princesa acordar", mas como definir o "verdadeiro amor" dela para carimbar a passoquinha da moça inconsciente? (isso tem nome, alias)


Super fácil, sequer um inconveniente: uma audiencia pública para todos debaterem quem deve mandar ver na Maria Mole e é uma cena bem desconfortável de se assistir. Mesmo para os padrões da idade média esse tipo de coisa ser discutida em um debate popular com todo mundo dando opinião pareceria errado, tornado mais errado ainda pelo racismo blatante da Nova Granseal de quem não fosse humano bonitinho não deveria sequer ser considerado. Realmente desconfortável para todos os envolvidos, mas após um acalorado debate de quem leva a moça de premio se decide que cabe ao nosso herói as honras, assim ele mandar ver na goiabeira e se torna rei. Fim

ISSO PARECE MUITO ERRADO ... EM MUITOS NIVEIS DIFERENTES

Eu entendo que bom gosto nunca foi o forte da Sega, mas holy shit. Se bem que de alguma forma isso sumariza bem esse jogo, quando eu penso sobre isso: é um jogo sólido, construído sobre uma base boa... mas então durante várias vezes você tem que virar o rosto e "fingir que isso não aconteceu" para continuar se divertindo.

É aceitável para uma continuação que foi lançada menos de um ano depois do jogo original, mas meio que é até onde vai.

MATÉRIA NA AÇÃO GAMES
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