Uma coisa que frequentemente é dita a respeito de videojogos é que diferente de qualquer outra mídia criativa, em videogames não é raro a continuação ser melhor que o original. Isso não é totalmente sem procedencia, já que videogames são tanto uma mídia criativa quanto são brinquedos (ou um board game com grife, se preferir) e esse segundo faz muito bem um uso de um aprimoramento nas suas mecanicas.
Jogos são, afinal, talvez a mídia narrativa mais complexa de se desenvolver e sempre tem muito o que pode ser melhorado, polido, refeito de uma forma melhor e mais divertida dado que são muitas variaveis que compõe um game. Logo, não é sem sentido dizer que na continuação os desenvolvedores já tiveram um feedback do que funciona e do que não funciona, e podem deixar a coisa melhor ainda.
Porém embora isso seja verdade, também é verdade que não é essa festa do caqui toda não. Continuações tendem a ser melhores mecanicamente do que o original na parte jogo, mas videogames são mais do que jogos. São experiencias pessoais de entretenimento, e porque não, de aprendizado e crescimento. É mais do que brincar com um brinquedo eletronico, é sobre um ser humano (ou um grupo deles) querendo se expressar enquanto individuos.
Ainda bem que a Sega da América nos salvou dessa má influencia |
Claro, verdade que nem todos os videojogos precisam ser arte (tanto que o Mario tá aí firme e forte 35 anos depois), mas como regra geral, se você vai dedicar mais de uma dezena de horas do jogador não apenas as mecanicas, mas também a contar uma história, nos envolver com personagens e nos fazer se importar com eles ... bem, é de bom tom que você tenha algo para dizer. E é nessa parte que uma continuação não é tão simples assim.
A Squaresoft pode ter vários defeitos como desenvolvedora, e certamente eles tem a capacidade de organização de um brasileiro porque as lambanças que eles fazem com seus prazos é uma coisa que já devia ter dado perda da cidadania japonesa, mas tem uma coisa que eles sempre fazem certo: eles sempre fazem um novo Final Fantasy apenas quando tem algo a dizer.
Não quer dizer que eles acertam sempre, mas a intenção sempre parte de uma premissa criativa primeiro e ser uma continuação de uma franquia de renome fica em segundo lugar. E essa é a parte onde a Sega errou (oh que surpresa eu dizendo isso) com Shinning Force.
Vejo que Granseal adotou os protocolos sanitários brasileiros para epidemias |
Sabe, quando eu estava jogando o primeiro SHINING FORCE: The Legacy of Great Intention, eu fiquei me perguntando como diabos essa série desapareceu nos anos seguintes já que não é apenas um jogo mecanicamente super redondinho, mas é um RPG - ainda que simples - feito com carinho e atenção. Claro, não é um FINAL FANTASY 6 mas ainda sim é um jogo que você consegue sentir o quanto de esforço e atenção seus criadores colocaram nele, é um jogo feito com amor.
Shining Force 2 é uma continuação feita porque o primeiro vendeu bem, e meio que é isso. Não quer dizer que o jogo não tenha suas qualidades ou mesmo que seja ruim - o que não é. Mas... não é a mesma coisa e dá pra sentir isso jogando.
E naquele dia a humanidade lembrou... o horror que é ser governado por eles, como passaros em uma gaiola |
A melhor comparação que dá pra fazer para explicar a sensação é com as continuações da Disney lançadas direto para DVD de seus filmes famosos. Não é que Aladdin 2: O Retorno de Jaffar ou O Rei Leão 2: O Reino de Simba são filmes ruins, e certamente é um entretenimento okay com o qual você não vai ter muitos problemas, mas... não é a mesma coisa, é?
A história do primeiro Shining Force era simples, mas focada: um império do mal quer usar ruínas de uma civilização perdida para dominar o mundo, e um grupo de heróis faz uma road trip até lá para acabar com a putaria - apenas para descobrir que a "magia" da civilização antiga era na verdade tecnologia e ela se destruiu com essas mesmas ferramentas que agora o Império do Mal quer usar para dominar o mundo. O que possivelmente pode dar errado, né?
Quando você diz pro padre católico que tem mais que 14 anos, mas ele sabe que é mentira |
O grande lance disso, no entanto, é que durante a viagem o jogo vai dando tempo para os personagens se desenvolverem e mais importante, o tema é reforçado inúmeras vezes: todo mundo que se junta a sua Shining Force (os mais de trinta cabras) foram afetados pela guerra de uma forma ou outra e tem um motivo para se juntar ao seu grupo. Conforme você mantém os personagens no grupo principal ganha "pontos de afinidade" (que não é quantificado ao jogador diretamente) que serve para desbloquear as histórias pessoais deles no QG - uma ideia que Mass Effect imortalizaria muitos anos depois.
E ajuda muito que vários dos personagens tenham personalidades marcantes, em especial a princesa Narsha, a princesa do "Império do Mal" que vê seu pai sendo corrompido e faz a jornada de volta para buscar algum tipo de ajuda, encontrando nossos heróis no meio do caminho.
Como eu disse, é uma história simples mas focada, com personagens identificaveis e feita com cuidado.
Saudades dos tempos que você podia nomear o seu personagem e ter momentos assim |
Já em Shining Force 2 a história é... bem, uma bagunça. Ela começa até que bem: um demonio capetídico do mal mortal foi selado em uma torre através de duas jóias, até o dia que um ladrão tem a brilhante ideia de roubar as jóias - o que liberta o cramuião e começa o processo de fim do mundo.
OKAY, PARECE RPG RAÍZ NENHUM PROBLEMA.
Exceto que o jogo não é muito sobre isso, já que o foco é que os demonios que sairam do portão do inferno aberto possuem os líderes do reino vizinho e começam uma guerra com o seu reino.
TÁ, UMA MUDANÇA DE TEMA, MAS AINDA NÃO É UM PROBLEMA PORQUE HISTÓRIAS DE FANTASIA SOBRE REINOS EM GUERRA TAMBÉM É ACEITÁVEL...
Exceto que o jogo também naõ é sobre isso, porque o seu reino é engolido por um terremoto causado pelo capiroto desperando, de modo que agora os sobreviventes fogem por suas vidas com as calças na mão e o tema da guerra com o reino vizinho jamais será tocado novamente até os últimos minutos de jogo.
HÃ, ENTÃO SUPONHO QUE AGORA SEJA UMA CAMPANHA ESTILO KINGMAKER. INCOMUM, MAS SUPONHO QUE O JOGO POSSA SE FOCAR NOS REFUGIADOS COMEÇANDO UM REINO DO ZERO E OS DESAFIOS DE SER UM PEREGRINO EM UMA TERRA ESTRANH...
Exceto que depois de alguns minutos essa história também é abandonada. Logo a história passa a ser sobre encontrar os deuses desse continente e conseguir aliados para derrotar o mal enquanto o demonio manda seus quatro generais das trevas (clássico shonen) um por um atrás de você.
AH MAS VÁ CATAR MARIMBONDO, SOBRE O QUE É ESSE JOGO AFINAL?!?
Então, sobre nada em particular. Você anda de cidade em cidade, em cada cidade tem um problema que não necessariamente tem relação com nada anterior, você resolve o problema e vai pra próxima assim sucetivamente. Quando eu cheguei no final do jogo, eu já tinha totalmente esquecido que havia uma princesa sequestrada (o que não tem relação com nada do que você faz durante o jogo), e um rei estava possuído. Minha maior reação foi de "ah é, tinha uma princesa né... eu acho..."
Wait that's illegal! |
Durante o curso do jogo você claramente consegue ouvir os desenvolvedors dizendo "cara, a gente não tem nenhuma grande ideia realmente, mas tem que fazer esse jogo porque o primeiro vendeu bem, então taca a primeira coisa que vier a mente pra encher linguiça e era isso". Não é exatamente a sensação que eu espero de um jogo com dezenas de horas de história, saiba você.
Ainda se salvaria se houvesse desenvolvimento de personagens, mesmo que de forma simplória como no primeiro jogo... mas não. Cerca de 5 personagens tem falas nas cutscenes e um até que tem um arco de personagem interessante (Limão, o Barão Vermelho que foi transformado em um vampiro e agora quer expiar os crimes que cometeu enquanto era um servo controlado pelo mal... só que ele é imortal e não pode tirar a própria vida para recuperar sua honra). Mas os outros TRINTA caras do seu grupo apenas tem um nome entram pra party e era isso.
Aquele momento constrangedor que o Gandalf quis levar uma novinha nas costas mas ela se revelou sendo uma vampira do mal |
David Bowie vs Iron Maiden, esse dia foi louco |
ISSO PARECE MUITO ERRADO ... EM MUITOS NIVEIS DIFERENTES
Eu entendo que bom gosto nunca foi o forte da Sega, mas holy shit. Se bem que de alguma forma isso sumariza bem esse jogo, quando eu penso sobre isso: é um jogo sólido, construído sobre uma base boa... mas então durante várias vezes você tem que virar o rosto e "fingir que isso não aconteceu" para continuar se divertindo.
É aceitável para uma continuação que foi lançada menos de um ano depois do jogo original, mas meio que é até onde vai.
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Edição 064
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