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40 horas de jogo também já é forçar a amizade, né? 4 com boa vontade e olha lá... |
Olar meninos e meninas termonucleares e atomicos do meu Brasil baronil, cês tão tudo bão?
ESPERA, EU CONHEÇO ESSE SORRISO E ESSA ALEGRIA... ISSO SÓ PODE SIGNIFICAR UMA COISA: HOJE VOCÊ VAI FALAR MAL DA SEGA, NÃO VAI?
Eeeeuuuu? Bobagem, Jorge! Eu nunca falo mal porque isso envolveria fazer juízo de valor. Eu apenas lido com fatos, com eventos, com verdades. E não há verdade maior que no Japão, ou seja em próprio quintal, o Mega Drive era um retumbante fiasco. Ele não apenas apanhava de lavada para o Super Nintendo, ele apanhava de lavada para o PC Engine e quando você apanha para algo cujo ápice da videogamebilidade é ... BONK, bem, você merece mesmo tomar uma lambada nas costas.
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A capa americana é meio bosta... mas a japonesa não é tão mais legal assim. Dificil. |
Mas a pergunta que realmente importa é: pq? Pq o Mega Drive era tão miseravel, tosco, patético e ridiculo em seu próprio lar? Uma pergunta como essa não tem respostas simples, é claro, mas se eu tivesse que resumir em alguma coisa, eu diria que tem algo haver sim com o fato que, bem, o Mega Drive basicamente NÃO TINHA JOGOS DO GENERO MAIS POPULAR DO JAPÃO!
Você pode imaginar lançar um console no Japão e não abarrotar sua biblioteca de jogos do genero que fazia se formarem filas, fazia as crianças matarem aula e os chefes sairem mais cedo do trabalho para ir comprar? Pois é, foi exatamente o que a Sega fez. A biblioteca de RPGs do Mega Drive é limitadíssima.
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São poucas coisas que fazem uma fila dessas no Japão em horário comercial onde, você sabe, as pessoas deveriam estar cumprindo eu turno de 21 horas de trabalho. Essa é do lançamento de Dragon Quest XI, em 2017. |
Foi apenas em 1994 (CINCO anos após o lançamento do Mega Drive) que alguém da Sega decidiu que talvez, quem sabe, podia ser, lançar uns jogos do GENERO MAIS POPULAR DO PAÍS para o seu console ajudasse. Ao que alguém respondeu "era umas, né?". Bando de djêniuz, eu te digo.
PARECE UMA BOA IDEIA. ISSO DEU CERTO?
Se deu certo? Jorge, Jorge, minha doce criança do verão, e lá a Sega faz algo que dá certo na vida? É óbvio que foi um retumbante fracasso. Não porque, saiba você, os jogos eram ruins (com efeito, tem titulos bastante aprazíveis nessa lista como
Shinning Force CD e
BEYOND OASIS) mas porque o timing foi horrível.
Em 1994 já havia começado a campanha de marketing da Sega para o Sega Saturn no Japão e a da Sony para o Playstation, que seriam lançados no fim daquele ano, de modo era bastante claro que - a exceção do SNES que não iria a lugar nenhum tão cedo - a quarta geração de consoles já estava subindo no telhado. Definitivamente não era o melhor momento para investir em um Mega Drive, se é que houve algum momento assim.
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E por fim a capa europeia... é... hã... alguma coisa, definitivamente. Não sabemos o que, mas podemos afirmar que é algo. Talvez. Quem tiver ideia, cartas para a redação. |
E eu estou contando essa história porque o jogo de hoje foi justamente o primeiro jogo desse projeto a ser lançado no Japão, Shin Souseiki Ragnacenty. O que, por curiosidade, foi o último jogo dessa coletanea a ser lançado no ocidente.
Isso porque, como você sabe, a Sega da América achava que RPG era coisa de nerdões e comedores de quiche... no que eles não estavam totalmente errados, mas enfim... e que não ia se atracar muito a manchar o bom nome do Mega Drive no ocidente (risos) lançando uma caralhada de RPGs. O que eles fizeram foi escolher um para o Sega CD (
Shinning Force CD) e um para o Mega Drive (
BEYOND OASIS) para lançar e tava mais que bom.
E é claro, a Sega sendo a Sega, é óbvio que eles não iam escolher o melhor jogo dessa coleção pra lançar, é mais que óbvio. Felizmente entra em cena então a Atlus, a mesma Atlus marota de Persona e Shin Megami Tensei que conhecemos hoje, e viu quicando na area que de todos os jogos do Mega RolePlay Project a Sega não tinha lançado no ocidente justamente o melhor desses jogos e essa é a história de como Shin Souseiki Ragnacenty virou Crusader of Centy...
... nossa senhora, que titulo que não me inspira nada e uma capa que passa menos ainda, vocês também são foda né dona Atlus? Olhando essa porra ninguém vai dizer que esse é o melhor Action RPG do Mega Drive... o que também não é uma competição tão grande assim.
Mas o que faz desse jogo tão bom, afinal?
Desenvolvido pela agora extinta Nextech (já citada aqui no não menos ótimo
EX-RANZA), Crusader of Centy foi descrito na época - e desde então tem sido infinitamente referido - como “um clone de Zelda para o Mega Drive”. O que é uma descrição imprecisa, afinal. Quer dizer, não que ele não seja de fato um clone de Legend of Zelda: a Link to the Past, porque ele é e não tem a menor vergonha de admitir isso.
Quer dizer, é só bater o olho que não tem como você pensar em outro jogo:
Um menininho com chapeuzinho que corta gramados com sua espada em visão aerea é de fato muito similar, mesmo o sistema de energia é basicamente o mesmo:
Então as comparações com Zelda não são apenas inevitaveis, elas são corretas. Dizer que Ragnacenty é o "Zelda do Mega Drive" está correto, então pq eu disse que não é isso? Bem, porque isso não é TUDO que ele é. Ragnacenty não é apenas copiar e colar do jogo da Nintendo dentro do que permite a paleta de cores no Mega Drive que causa depressão de tão de limitada ou seu chip de som que é o equivalente em hardware a assistir um documentário sobre o sistema reprodutor dos gatos.
Ragnacenty vai além e coloca sobre o que já um grande jogo uma mecanica bastante curiosa, e que acontece de transformar esse jogo numa experiencia própria. Então vamos começar do começo: a história em Ragnacenty... é uma desgraça. Quer dizer, não que ela seja realmente ruim... ou talvez seja... porque esse é um daqueles jogos que foi traduzido que nem a bunda da Sega e os dialogos não fazem lé com cré, bem aos moldes de
ROBOTREK ou ILLUSION OF GAIA.
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Mas oi? |
Infelizmente isso era uma coisa muito comum na época e não dá pra tirar muito da onde a história quer ir. Mas o que importa aqui é que nosso herói foi amaldiçoado por uma bruxa... ou algo assim... e agora só pode falar com animais, sendo a comunicação com humanos completamente ininteligivel.
Em termos mecanicos, que é o que importa com essa tradução tenebrosa, isso significa que você não tem itens e sim companheiros animais que dão habilidades. Tipo o pinguim transforma seu ataque em dano de gelo, ou o tatu que pode ser arremessado para ser usado como plataforma.
Tá, okay, isso não parece muito diferente de Zelda também. Só que ao invés de ganhar itens nas dungeons, você ganha companheiros animais. Esteticamente diferente, mecanicamente a mesma coisa, certo?
Então, é aqui que entra o diferencial desse jogo: você pode ter sempre dois animais andando com você e o realmente interessante aqui é que as habilidades deles se combinam. Por exemplo, se você andar com o animal de gelo (o pinguim) e o de fogo (o leão), sua espada vira um ataque de plasma que causa dano especial contra inimigos.
Ou então usar o animal que permite que arremessar sua espada-bumerangue colete itens (o dodô) com o que permite controlar manualmente sua espada depois de arremessada (a borboleta) permite que você colete itens antes impossiveis.
Tendo uma combinação de habilidades a sua disposição torna a solução de puzzles nesse jogo bastante interessante, as vezes te fazendo ter que pensar fora da caixa sobre como combar animais para gambiarrar seu caminho até a vitória - o que é algo que eu sempre respeito em um jogo. Ajuda muito também que a aquisição de novos companheiros é gradual e bem desenhada (normalmente você tem uma area que precisa dele logo em seguida como um tipo de tutorial), de modo que você assimila suas novas habilidades e em nenhum momento eu me senti overwhelmed
Adicionalmente, é muito interessante que o jogo tenha momentos zany completamente japoneses, como quando para recrutar o guepardo você precisa... vencer ele em uma corrida de kart, do nada. Seria melhor se a tradução não fosse tão pifosca, como eu já disse, mas ainda sim o jogo tem momentos WTF para justificar a Atlus ter se interessado por ele.
Falando em level design, existe uma grande outra diferença desse jogo para Zelda - e é a que mais facil torna de identificar quem jogou ele e quem só está repetindo o que ouviu falar sem ter jogado. Isso porque estruturalmente esse jogo é MUITO diferente de Zelda, já que enquanto o jogo da Nintendo tem um mundo aberto com dungeons espalhadas para você explorar conforme seu equipamento permitir, esse jogo da Sega na verdade tem um sistema linear de fases. Eventualmente você precisa voltar em alguma fase através do world map, mas o jogo é bastante linear em te dizer isso também (quer dizer, tem um fucking TORNADO marcando ela no mapa, é dificil de perder acredite).
Mecanicamente, o jogo é bastante interessante também. A principio eu achei que era um problema que seu personagem se move e ataca meio slugish, como um ripoff barato de Zelda. Porém o que eu descobri mais tarde é que isso não era por falha de programação e sim uma escolha de design: tem animais que aumentam sua mobilidade e a velocidade do seu ataque, então você começar meio troncho foi deliberado para você sentir a evolução do personagem. Eu posso viver com isso.
Como aspectos negativos, Crusader of Centy não tem muitos realmente - mesmo a questão da dificuldade é resolvida pelo fato que você pode salvar a qualquer momento, uma feature rara para a época. Os gráficos têm um estilo de arte brilhante e colorido... para os padrões do Mega Drive. Se comparado com um jogo de SNES ele ainda parece lavado e sem graça devido a limitação de cores do sistema, mas dentro do que DÁ PRA FAZER NO MEGA DRIVE, o jogo realmente se esforça com muitos cenários diferentes, mudando paletas para refletir diferentes humores para cada área e uma variedade de efeitos impressionantes, como sombras de nuvens, pegadas deixadas na areia e inimigos montados por vários sprites diferentes (no entanto, os efeitos também podem fazer com que a taxa de quadros caia se houver muitos sprites na tela).
O único aspecto REALMENTE negativo que eu consigo pensar é que a música é realmente... música do Mega Drive. Samples curtos mal sintetizados repetidos ao ponto da insanidade, recomendo jogar com o som desligado - como é o padrão do console da Sega, diga-se de passagem.
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Essa é a tradução como a Atlus soltou o jogo no ocidente... |
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Essa seria uma tradução mais fiel ao original, que como dá pra ver faz mais sentido... ou qualquer sentido |
Crusader of Centy se parece com Zelda, soa muito como Sonic the Hedgehog e joga como nenhum dos dois. É um jogo de ação e aventura aérea com alguns elementos de RPG, com certeza, mas no fim reduzir o jogo a apenas ao termo "clone de Zelda" é um simplismo equivocado. As comparações mecanicas, em level design, com Zelda são superficiais na melhor das hipóteses, com a maioria delas sendo visuais: há uma masmorra de gelo que, por fora, parece um pouco com a masmorra de gelo de Link to the Past, mas o interior e a maneira como você age resolvê-la, não têm nada em comum.
Mas talvez pior que o rótulo de Zelda-clone, o que mais prejudicou esse jogo foi o timing do seu lançamento: saiu no ocidente apenas na metade de 95, e a esse ponto o espaço do Mega Drive já tinha sido soterrado pelo combo 32X-Saturn, nem mesmo a Sega estava prestando atenção no seu próprio console a esse ponto.
No fim do dia, CoC é um jogo relativamente simples e linear com uma tradução que estraçalha o potencial de carisma do jogo, mas não menos um bom jogo por conta disso. Liberte-se de se limitar a apenas rotular as coisas (como clone disso, clone daquilo) e apenas aprecie o jogo pelo que ele é. E o que ele é bom gameplay com boas ideias, algo que deve ser sempre celebrado.
MATÉRIA NA SUPER GAME POWER
Edição 016