sexta-feira, 28 de agosto de 2020

[AÇÃO GAMES 041] EX-RANZA (nome japones) ou RANGER-X (nome americano do jogo) [Mega Drive, 1993][#474]



Existe uma expressão em ingles que eu gosto bastante, que é "masterclass". Ela é utilizada quando um expert de uma area vem dar uma aula em determinado ramo. Imagine por exemplo em sua faculdade de letras ter uma aula com o Neil Gainman, ou no seu curso de astronomia ter uma aula com o Neil deGrasse Tyson. Naturalmente que isso acabou virando adjetivo e é utilizado bastante quando alguém dá uma puta de uma aula sobre como se faz alguma coisa. 

O jogo de hoje é uma masterclass da imensamente desconhecida Nex Enterteinment. Essa é uma empresa tremendamente desconhecida porque ela é um estúdio-assistente - ou seja, é um estúdio que pertence a um estúdio maior (no caso, a Sega) e não faz jogos inteiros, mas sim pequenas tarefas para completar jogos que o estúdio principal desenvolvendo o jogo não tem pessoal ou tempo para fazer.

O que realmente é uma pena, porque como visto em Ex-Ranza, quando eles tiveram a chance de fazer um jogo deles mesmo, eles putamente entendem do riscado - e mais obviamente ainda que a Sega não percebeu isso, because Sega.



Mas chega de rasgação de seda (e alfinetar a Sega) e vamos falar do jogo. A primeira coisa que Ex-Ranza faz certo é sua apresentação do personagem. Veja, uma coisa que muitas empresas frequentemente esquecem (especialmente nos anos 90), é que videogame se joga com cabeça, não com os dedos.

Isso quer dizer que se as crianças acharem que seu jogo é uber cool e maneiro apenas pela apresentação dele, ele será uber cool e maneiro. Mesmo que o gameplay não faça nenhum favor a toda essa maneirice. Uma das empresas que melhor entendeu isso foi a Sega, tanto que Sonic é lembrado até hoje mesmo nunca tendo tido um gameplay espetaculoso - ou na maioria das vezes, sequer funcional.

Isso sendo dito, qual é nosso herói em Ex-Ranza? Ora, o que mais seria um robozão da porra! Claro que sim, como não?

Capa japonesa do jogo


Sim senhor, um robozão da porra com P maiusculo, só essa capa já te faz querer comprar o jogo. O robo muito bem desenhado mostrado em um angulo de baixo para cima, denotando superioridade, os raios de luz sutilmente descendo ... porra, eu teria um poster dessa capa no meu quarto, que imagem foda! 

Mesmo que a capa americana (que é a mesma que a Tec Toy usava no Brasil) não seja tão foda quanto, só o fato dela não ser retardada - como as capas americanas de jogos tem o costume de ser - já é uma grande vitória.

Claro que nada disso adiantaria nada se o seu personagem não parecesse cool também dentro do jogo, e esse departamento também está coberto porque pequeno sprite do seu mecha é o mecha mais cool que eu já vi em um jogo de 16 bits. Se o seu sonho de infancia sempre foi pilotar uma Valkyrie (e tentar entender o que todo mundo via na mala da Lynn Minmay), isso é o mais perto que da pra chegar na época



Mas claro, só ser visualmente apelativo não enche a barriga de ninguém e outros jogos representando mechas maneiros tentaram e falharam antes dele. Xardion e Alisia Dragoon são jogos que tem artes belíssimas, capas japonesas de emoldurar na parede, mas que não se refletiram em um jogo estelar.

Porque é aqui que entra o segundo passo de um jogo memorável: gameplay. Seria fácil para eles fazerem um primo pobre de contra, onde você só corre e atira, e dar o dia como feito. Porém uma das melhores coisas de jogar um jogo de mecha, é ele passar a sensação de você estar controlando uma máquina ultra futurista de morte e destruição - ao que poucos jogos conseguem acertar nesse feeling com os controles.

Backgrounds com coisas acontecendo ARE TIGHT!

Metroid Prime é o melhor exemplo, onde os controles aparentemente confusos do Gamecube fazem você se sentir operando uma fucking armadura da morte quando você pega o jeito da coisa. Outro que chegou bem perto disso foi CYBERNATOR (Assault Suit Valken no Japão) porém o jogo tem outros problemas que empatam o meio de campo.

Então, Ex-Ranza passa essa sensação? A resposta é sim, e de várias formas.

Mano, olha que coisa linda esse efeito de paralaxe!
Em primeiro lugar o peso do seu personagem parece certo. Você sente que está controlando um robozão da porra de trocentas toneladas, mas ao mesmo tempo o jogo não é lento demais porque você pode usar os thrusters do mecha para voar por alguns segundos. Isso é uma coisa muito dificil de acertar (a maioria dos jogos se atrapalha para fazer você ter a sensação certa de peso em um ser humano!), então kudos infindos aqui.

Isso, porém, não é tudo. Outra forma que o jogo passa essa sensação de tecnologia é através dos diversos sistemas que você tem que operar ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, há o já citado voo: você tem uma barra de aquecimento dos seus propulsores (ou alguma coisa assim) que você tem que observar para ver o quanto consegue voar.


Como você depende disso para acertar chefes muito maiores que você, é sempre uma coisa a se observar. A outra coisa que você tem que gerenciar é sua barra de Power, ela é a energia para sua arma especial e recarrega conforme você mata inimigos. Então embora seu ataque especial seja muito melhor que o tiro normal, você não pode se fiar apenas nele para jogar o jogo - é preciso matar inimigos sem gastar munição especial para recarregar o power também.

Outras coisa que o Power faz é que existem estações especiais onde você pode trocar power para recarregar sua barra de vida. Então conservar power sempre é importante - porque você pode continuar jogando sem power, mas não pode continuar jogando sem vida. REFLITÃO. Porém ao mesmo tempo o power não é tão dificil de se conseguir, de modo que isso gera um equilibrio perfeito entre poder gastar seu ataque especial o suficiente para ser divertido, mas não demais para não ser apelão.

Grande trabalho aqui.

Troque power por HP nessas estações

Agora, a terceira coisa que você tem que controlar - e ao mesmo tempo mais legal e mais iconica do jogo, é a moto-robo que acompanha nosso herói. Porque é claro que nosso mecha tem uma motoquinha-mecha, claro que sim, como não?

A coisa a respeito da nossa motocosa é que você pode subir em cima dela para controla-la, e ela sempre atira quando você atira - esteja você controlando ela ou não. Porém vai além disso: você pode controla-la também sem estar em cima dela. Segurando para baixo e a diagonal inferior da esquerda ou da direita, você pode faze-la avançar ou retroceder.

E pra que você iria querer fazer isso?


Bem, tem algumas vantagens. Em primeiro lugar, sua moto não perde vida enquanto você não estiver pilotando ela. Então em areas que tiver muito inimigo atirando ao nível do chão, é bom mandar ela na frente para limpar o terreno. Alguns inimigos tem escudos na frente também, então você tem que mandar ela passar para trás deles e atirar neles pelas costas.

Certo, isso explica quais as vantagens de controlar a moto, mas qual o propósito de subir nela então?

Usar o HP da moto salva vidas
Eles pensaram nisso também. O mais obvio é que sua moto é bem mais rápida correndo que o seu mecha, claro, mas tem algumas outras coisas também. Quando você está em sua motocosa, você usa a barra de HP dela - o que eu não preciso dizer o quanto isso pode salvar sua vida quando você está com pouco HP. Outra vantagem é que, embora não se possa usar os tiros especiais, os tiros normais dela são teleguiados. Em alguns chefes é bom dar uns tiros com a moto para ver em que direção o tiro vai para ter uma ideia de qual é o ponto fraco do chefe.

Agora o que provavelmente você mais vai usar a moto é para trocar o tiro da sua arma especial, existem diferentes ataques especiais que funcionam melhor para diferentes situações e chefes.

A desvantagem é que a moto não voa (videogames são incríveis por essa frase ser necessária), embora pule, de modo que sua exploração fica limitada nesse modo. 

Um mecha e sua moto, uma história de amor
Para dar uma variada nas coisas, em algumas fases sua moto é substituída por uma nave que bombardeia os inimigos com laser de cima. Funciona mais ou menos do mesmo jeito, exceto que ela nunca desce, mas mesmo assim é muito legal estar cercado por inimigos e ver aquela chuva de morte e destruição vinda do nada salvando sua TIGHT ass robótica.


Como dá para ver, são vários sistemas para controlar ao mesmo tempo - mais do que qualquer jogo de plataforma de 16 bits que eu consiga pensar agora - e ainda sim não parece overwhelming em nenhum momento. São mecanicas que você incorpora naturalmente e em poucos instantes já está usando como uma segunda natureza - tal qual a armadura em Metroid Prime. É um feito realmente notável e único, porém isso não é tudo de notável e único que esse jogo faz.

O objetivo do jogo é integrado ao contexto do cenário, e isso é algo bastante raro nessa época. Pensa comigo: tem uma guerra acontecendo (no cenário dá para ver naves atirando umas nas outras, e as baterias antiaereas das fortalezas disparando de volta - sendo que as vezes alguns desses tiros vão em você, mas não sempre, o que é um efeito legal) e um lado manda o seu melhor mecha para "vencer a guerra".

Seu ataque destrói os tiros do inimigo, porque o melhor ataque é a defesa. Gosto de como esse jogo pensa.
Mas como um mecha sozinho vence uma guerra? Dando uma de protagonista de anime e matando todo mundo no peito? Pouco crível. O que você faz nesse jogo são missões que fazem mais sentido serem confiadas ao melhor mecha do exército: se infiltrar atrás das linhas inimigas e destruir geradores de escudo para que o exército possa avançar, derrotar unidades específicas que estão dando trabalho e salvar refens V.I.P.

Cara, isso é muito legal: o objetivo de uma unidade especial em uma guerra é fazer operações especiais que influem no resultado da batalha, não vencer a guerra sozinho. E é exatamente isso que você faz nesse jogo, e acaba se sentindo parte da guerra de verdade.

Bastante impressionante, não? É, só que os truques não acabam por aqui.

Ao invés de ter que lutar contra cada uma das torretas da area, você pode seguir as linhas de força delas e ir até o gerador para destruí-lo e desativa-las. Nice touch
Isso porque o Mega Drive é capaz de exibir apenas 64 cores ao mesmo tempo (ao contrário do Super Nintendo que consegue mostrar 256 cores simultaneas), resultando que os jogos de Mega Drive tem um tom lavado meio monocromático merda devido a falta de capacidade de exibir mais cores. Se você sempre quis saber porque tantos ports de Amiga tem aquele aspecto que parece que foi lavado com diarreia, é por isso.

Só que os programadores da Nex tiveram algumas ideias para contornar isso. O Mega Drive consegue exibir só 64 cores, mas é possível mexer com o tempo que essas cores são exibidas em cada pixel e utiizar mascaras e sombreamento para criar uma ilusão de ótica de que até 128 cores estão sendo exibidas. O efeito final é que esse é o jogo mais bonito e colorido do Mega Drive - mais até do que Sonic, que foi feito por quem criou a porcaria do Mega Drive!

Com efeito, esse truque que eles fizeram pra conseguir mais cores é tão dificil de programar sem afetar a perfomance do jogo (e Ex-Ranza roda bonito como um bebe rolando uma colina) que apenas outros três jogos do Mega Drive fizeram a mesma coisa: Sonic 2, Sonic 3 e Samurai Showdown (embora existam outros truques, mas esse em particular só foi feito essas vezes)


Ex-Ranza é o jogo mais bonito que eu já para Mega Drive até agora, tem artes conceituais que te faz querer posteres dessa coisa, mecanicas inovadoras que funcionam perfeitamente, o gameplay faz sentido com a mecanica, os chefes são enormes e compostos de várias camadas destrutíveis.

Acho que a única coisa que eu posso dizer que não é incrívelmente fantabulosa nesse jogo é o seu nome, Ex-Ranza não parece muito incrível em japones e o nome americano é apenas doloroso. Um jogo tão bom, mas tão bom que a Sega viu isso e decidiu que jamais iria dar outra chance para a Nex fazer outro jogo na vida.

Porque Seguear é o que a Sega segueia de melhor, e isso é um fato.